Bloomberg — As chuvas torrenciais que caíram sobre a Europa Central, África, Xangai e os estados da Carolina do Norte e Sul nos Estados Unidos esta semana ressaltam as formas extremas com que as mudanças climáticas alteram eventos meteorológicos.
Diferentes fenômenos meteorológicos estão por trás da série de tempestades, de acordo com cientistas do clima, mas eles concordam que um fator subjacente para a sobrecarga de precipitação é o aquecimento global em grande escala. Pesquisas mostraram que o ar mais quente é capaz de carregar mais umidade e tem mais probabilidade de causar precipitação intensa.
E não é só a quantidade de chuva que cai, mas onde ela cai. Variáveis como preparação para emergências, infraestrutura e acesso a fundos de auxílio levaram a resultados muito diferentes — um lembrete de que os efeitos das mudanças climáticas não estão sendo sentidos igualmente em um mundo em aquecimento.
Pelo menos 1.000 pessoas morreram na África, e milhões de pessoas foram deslocadas. Na Europa, por outro lado, o número foi consideravelmente menor, e autoridades governamentais já prometeram vastas somas de financiamento público para a reconstrução.
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“Existem impressões digitais das alterações climáticas nestas chuvas intensas que conduzem a estas grandes enchentes”, disse Hannah Cloke, professora de hidrologia na Universidade de Reading, no Reino Unido. “Mas temos que reconhecer que as pessoas mudaram a paisagem, tornando mais provável que pessoas estejam no caminho dessas enchentes.”
A tempestade Boris, um sistema de movimento lento, começou a desencadear chuvas torrenciais na Polônia, República Tcheca, Romênia, Eslováquia, Áustria, Hungria e Alemanha na semana passada. St Poelten, na Áustria, recebeu 409 milímetros de chuva em cinco dias, quase o dobro do recorde anterior para esse número de dias. Mais de 20 pessoas morreram.
À medida que as chuvas diminuem em algumas áreas, cidades e vilas se preparam para o pico de águas das enchentes nos próximos dias devido ao aumento do volume dos rios. Vários países já investiram em sistemas de controle e reservatórios de retenção que estão ajudando a conter alguns dos danos.
As chuvas pesadas da região podem ser rastreadas a correntes de ventos na atmosfera superior da Terra que viajam de oeste para leste. No verão e no início do outono, que está prestes a começar no hemisfério norte, o sistema tende a serpentear e “dobrar”, às vezes ficando preso em massas ou ar quente.
As imagens atuais de radar e satélite mostram que a essa corrente atmosférica está “causando sistemas climáticos estagnados ao redor do hemisfério norte”, disse Jennifer Francis, uma cientista sênior do Woodwell Climate Research Center, com sede em Massachusetts, nos EUA.
Não está claro exatamente o que causou a distorção da corrente, mas “ondas de calor oceânico violentas” devido ao aquecimento global foram uma das causas, disse ela. As temperaturas médias da superfície dos oceanos estavam 0,96 °C acima do normal em agosto, segundo mês mais quente já registrado.
Os cientistas também concluíram que as mudanças climáticas causadas pelo homem pioraram as chuvas severas na Alemanha e na Bélgica, que causaram inundações catastróficas em 2021. Umidade do Mediterrâneo foi lentamente levada por correntes atmosféricas atípicas para a Europa Central.
Isso resultou no desastre mais caro já registrado na Alemanha, acumulando uma conta de US$ 40 bilhões. Desta vez, a Europa estava mais bem preparada, com meteorologistas prevendo chuvas históricas com dias de antecedência e dando tempo às comunidades para se prepararem.
Não foi o caso nos EUA, onde uma tempestade histórica — que Francis também atribuiu à corrente na atmosfera superior — pegou comunidades costeiras do Atlântico de surpresa na noite de segunda-feira.
Ela desencadeou chuvas recordes e ventos com força de tempestade tropical de 80 quilômetros por hora na Carolina do Norte e Carolina do Sul. Voluntários com pluviômetros relataram até 460 milímetros de chuva em 12 horas, de acordo com o Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA, o que tornaria isso um evento de chuva de um a cada milênio.
Na África Ocidental e Central, as chuvas foram causadas por um conjunto distinto de circunstâncias, com efeitos nitidamente mortais.
Pelo menos 2,9 milhões de pessoas foram deslocadas do Sahel ocidental e central e países vizinhos desde que chuvas recordes chegaram no início de setembro.
As chuvas vieram durante o que é tradicionalmente a estação das monções. Mas elas tem sido muito volumosas e muito rápidas, com um meteorologista prevendo que a região receberá o equivalente a 500% de sua precipitação média anual no mês de setembro.
Friederike Otto, professor de ciência climática no Imperial College London, disse que o tipo de chuva pesada registrada na África é “muito provavelmente o resultado do aquecimento causado por combustíveis fósseis”.
A temperatura média da Terra está atualmente cerca de 1,3 graus Celsius mais alta do que os níveis pré-industriais. Isso é consistente com as tendências de aquecimento sobre o Sahel, uma região semiárida que toca o sul do Deserto do Saara e abrange o continente de leste a oeste.
As inundações já afetaram pelo menos 14 países na região, alguns dos quais já estavam lutando contra a escassez de alimentos e a instabilidade política.
Chuvas excessivas destruíram as plantações de cacau camaronesas e interromperam a produção de grãos no Chade, onde autoridades dizem que milhares de animais de criação também se afogaram.
“Tememos que piore. Nos últimos quatro anos, as chuvas ficaram mais fortes, mais violentas”, disse Mamane Hadi, um fazendeiro de 36 anos na região de Zinder, no sul do Níger, que deveria estar colhendo tâmaras, alface e abóboras nesta época do ano. “Tudo desapareceu nas enchentes, não sobrou nada”, disse ele.
Enquanto isso, a China está se preparando para outra onda de chuvas pesadas em Xangai e arredores depois que o Tufão Bebinca atingiu a cidade na segunda-feira. Foi a tempestade mais forte a atingir o centro financeiro em mais de 70 anos, com ventos tão fortes que se qualificariam como um furacão de categoria 1.
Bebinca foi a mais recente de uma série de tempestades que atingiram a China, o Vietnã e o Japão este ano. Em 6 de setembro, o Super Tufão Yagi atingiu a ilha chinesa de Hainan com ventos de 230 quilômetros por hora e causou inundações no Delta do Mekong, no Vietnã, uma importante região de cultivo de arroz.
Muitos eventos climáticos extremos que o mundo viu nos últimos anos foram piores do que os cientistas climáticos previram, de acordo com Asher Minns, diretor executivo do Tyndall Centre for Climate Change Research na University of East Anglia.
Essa tendência provavelmente continuará, pois as emissões de gases de efeito estufa continuam aumentando e o planeta continua esquentando.
Esses eventos catastróficos estão “de certa forma correndo à frente do que os modelos climáticos globais e regionais esperariam que víssemos”, disse Minns. “Eles deveriam estar um pouco mais distantes no futuro, mas estão acontecendo agora.”
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