Além da alta gastronomia: Alex Atala aposta em clube para unir cozinha e hotelaria

Em entrevista à Bloomberg Línea, chef do D.O.M. fala de seu novo projeto com o Resid Club & Hotels, do qual é sócio investidor, que oferecerá experiências no Brasil e no exterior

Alex Atala, chef, dono do D.O.M.
13 de Setembro, 2024 | 06:15 AM

Bloomberg Línea — O chef paulistano Alex Atala ganhou notoriedade mundial a partir de 2006, quando o seu D.O.M. entrou na lista dos melhores restaurantes do mundo, elaborada pela revista londrina “Restaurant” com base em votos de um júri formado por centenas de especialistas de todos os continentes. Era o único sul-americano com esse reconhecimento, que se estendeu nas edições seguintes.

De lá para cá, ele reforçou seu prestígio e se transformou em uma celebridade da alta gastronomia mundial. Em novo momento, Atala busca agora aproveitar o seleto círculo de frequentadores do D.O.M. para ingressar no mundo dos clubes privados e da hotelaria com experiências, ao investir e entrar como sócio na marca Resid.

“Vou roubar as palavras do Rogério Fasano: todo restaurateur quer ser hoteleiro. Nenhum hoteleiro quer voltar a ser restaurateur. É a extensão normal, é o crescimento”, disse Atala em entrevista à Bloomberg Línea, realizada no Dalva e Dito, seu segundo restaurante nos Jardins, em São Paulo.

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Essa história, no entanto, começou há mais tempo.

Antes do início da pandemia em 2020, ele já estava envolvido no projeto de construção do D.O.M. Hotel no mesmo bairro nobre, na esquina da rua Augusta com a alameda Franca. A crise sanitária mundial que paralisou o setor de viagens por mais de um ano, no entanto, alterou seus planos. Ele disse que, em agosto passado, ele quitou a última parcela da dívida contraída durante a pandemia.

“Vendi o hotel. Foi o que nos sustentou. Foi nossa boia de salvação. Foi triste, mas importante para tudo estar bem hoje. Achei que não voltaria com esse sonho. Por causa da idade, tive que aceitar e pensei ‘vou sossegar, é assim a vida’”, relembrou Atala, hoje com 56 anos.

O projeto de associar seu nome a um empreendimento de real estate ressurgiu quando o chef foi procurado pelo investidor Paulo Henrique Barbosa com a proposta de criação do Resid Club & Hotels.

O projeto consiste em duas frentes: o Resid Destinations, com hotéis próprios em construção em destinos como Fernando de Noronha, e o Resid Experience, que oferece eventos exclusivos, workshops e experiências culturais e gastronômicas, com sua curadoria e acompanhamento in loco.

“Sou um sócio minoritário. São projetos caros, não tenho condições financeiras de bancar. Entro com o know how do que construí. Participo de todos os negócios”, explicou Atala.

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A adesão ao clube custa R$ 360 mil, mais taxas anuais de R$ 15 mil, e a titularidade pode ser transferida para gerações futuras da família.

O clube foca em públicos que buscam viver experiências sofisticadas no Brasil e no exterior. Os membros são selecionados por um comitê que analisa o perfil do interessado em se tornar sócio. Além de Atala e Barbosa, os outros sócios são Rafael Caiado, Francisco Costa Neto e Claudia Ribeiro Bernstein.

“Sou a parte mais operacional e criativa do Resid”, definiu o chef, cuja agenda no Resid inclui acompanhar os primeiros sócios do clube em vivências como degustações de caviar, saquê e champanhe e viagens em grupo, dos indígenas da etnia caiapó em Mato Grosso a um jantar exclusivo com o chef italiano Massimo Bottura, do Osteria Francescana, detentor de três estrelas Michelin em Modena.

“Estamos entusiasmados em estabelecer um novo padrão de excelência na hospitalidade de luxo, oferecendo aos nossos membros experiências exclusivas. Nosso compromisso é criar um legado que se adapte às mudanças e permaneça na vanguarda do cenário de clubes privados no Brasil”, disse Paulo Henrique Barbosa, CEO e fundador do Resid Club & Hotels.

Confira a seguir trechos da entrevista com Alex Atala, editada para fins de extensão e clareza.

Antes do Resid, o senhor já era membro de algum clube social da cidade?

Não. O D.O.M. sempre foi minha vida social. Meus amigos, as pessoas com quem faço negócio, trazia para cá. Sempre usei meus restaurantes como extensão da minha vida física e jurídica. Não tenho o perfil de membro de um clube tradicional. Não sou um grande empreendedor. Sou, sim, um grande realizador, mas não tenho muitos restaurantes nem em São Paulo. Nunca aceitei fazer restaurantes fora do Brasil. O D.O.M. nunca pretendeu atender mais do que 50 pessoas por dia. É autoral.

Por que não usar D.O.M. como nome do clube?

Talvez o marketing da história fosse melhor, mas o D.O.M. é um serviço de joalheria, uma experiência. Não é um restaurante para ir todo mês. Trocamos o menu apenas uma vez por ano. O nome D.O.M. fecharia demais na gastronomia. O Resid é mais do que um restaurante. Dentro do conceito de clube, vamos promover diferentes experiências, seja nos meus restaurantes, seja nos dos hotéis ou de parceiros amigos.

Por que decidiu entrar no projeto do Resid?

A hotelaria é a extensão da gastronomia. Todo mundo brinca o seguinte: um profissional de restaurantes na hotelaria é realmente um upgrade. Vou roubar as palavras do Rogério Fasano: todo restaurateur quer ser hoteleiro. Nenhum hoteleiro quer voltar a ser restaurater. É a extensão normal, é o crescimento.

Esse sonho era antigo. A hotelaria é um caminho inevitável, dada a minha idade, 56 anos. Vou ser cozinheiro para o resto da vida, mas já não tenho a mesma energia quando abri o D.O.M. com 30 e poucos anos. Não reclamava de estar aqui sete dias por semana, de ser o primeiro a chegar e o último a sair, de estar aqui de manhã, tarde e noite. A vida é mais do que muito trabalho. Queria uma vida familiar, pessoal e profissional mais equalizada.

O senhor vai supervisionar os restaurantes dos hotéis em construção no clube?

Sim, tudo, desde o café da manhã. Queremos ser uma bandeira hoteleira de referência em excelência de brasilidade. Vejo poucos hotéis que vendem a experiência brasileira. Estamos abrindo o Nas Rocas, primeiro hotel próprio do Resid, na Ilha Rasa, em Búzios. Quero incorporar a comida daquela região. Vamos primar pelo localismo, pela identidade de estar lá. Esse é o fio condutor da minha cozinha.

Haverá também hotel em Fernando de Noronha, estamos checando Amazônia, quero comprar uma instância no Rio Grande do Sul, não na Serra Gaúcha, mas em Sant’Ana do Livramento ou Bagé.

Como chegou o convite para essa empreitada?

O PH [investidor Paulo Henrique Barbosa] me procurou. Antes da pandemia, eu estava construindo um hotel. Vendi. Foi o que nos sustentou, vender hotel foi a nossa boia de salvação. Foi triste, mas importante para tudo está bem hoje. O D.O.M. Hotel seria na Augusta com Franca.

Com a história da pandemia, precisei vender para sobreviver. Achei que não voltaria com esse sonho. Por causa da idade, tive que aceitar. Pensei ‘vou sossegar, é assim a vida, o hotel não iria acontecer’. Aí veio o convite do PH. Demorei 15 minutos para dizer sim.

Como é o formato de sua sociedade no clube?

Sou um sócio minoritário. São projetos caros, não tenho condições financeiras de bancar sozinho. Entro no Resid com o know-how que construí. Participo de todos os negócios. Sou um profissional de alimentos e bebidas. No D.O.M., não tenho sócios.

Já o membro do Resid vai ter facilidades e privilégios que poderá usar. Pode até não pagar a conta do restaurante, pois tem o direito de uso de um determinado crédito e abater de lá.

De onde surgiu a inspiração para adotar esse modelo de clube social?

É um modelo de membership, de time sharing que se originou na Inglaterra e começou com pubs e restaurantes. Estamos alargando esse conceito. O membro poderá usar do fee anual para aproveitar não só as camas do hotel e as diárias mas também a comida e as experiências.

No começo de novembro, levo uma turma para Itália para fazer uma vivência comigo e com o Massimo Bottura, para uma degustação de balsâmico, parmigiana e presunto de Parma. Vamos andar de Ferrari. É uma experiência obviamente cara. O sócio do Resid poderá escolher a experiência. O restante do crédito ele pode acumular ou não usar ou repassar para outra pessoa. É assim que funciona. É um modelo flexível de clube.

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Como tem sido a experiência de estar mais próximo dos apreciadores de sua cozinha?

Muito positiva. No mundo, é comum ver chefs com parcerias com agências de viagem. Eu não cedia a essa facilidade, mas trouxe esse conceito para dentro do Resid. São grupos pequenos. Não dá para levar 40 pessoas a um jantar com Massimo Bottura, conseguir ficar na Osteria Francescana, comer o jantar em que ele e eu cozinhando juntos. São coisas muito especiais, restritas e seletas.

Com o Resid, o senhor vai viajar mais?

Sim. Vamos viajar mais nos próximos meses. É uma rotina gostosa. No ano que vem, planejamos ir para Japão e México com grupos pequenos. Vamos sentir a adesão dos membros e definir os próximos destinos.

O Resid poderá também atrair membros estrangeiros?

Sim. Quando se fala em uma experiência com os caiapós na Amazônia, na divisa entre Mato Grosso e Pará, o europeu quer ir. O que é sexy para um brasileiro, como andar de Ferrari na Itália, não é para o estrangeiro, que vem para a Amazônia e não tem a opção de estar com um chef de cozinha conhecendo a cultura caiapó.

Outros chefs brasileiros podem também investir nesse tipo de experiência?

Espero que sim. Essa experiência dá ao chef a possibilidade de atuar em outro segmento, em usar os conhecimentos e os contados. Imagina o que seria ir para o sertão da Paraíba com o chef Rodrigo Almeida, do Mocotó? O que seria conhecer o Paraná guiado pela Manu Buffara [chef do Manu em Curitiba]? Essas belezas ficam muito restritas a quem é amigo do chef. O Resid abre essa possibilidade para todo o mercado.

Além do Resid, há algum novo propósito que pretende perseguir?

Busco hoje fortalecer a cena de restaurantes no Brasil. Sou de uma geração em que gastronomia se limitava à europeia. Com minha geração de chefs, quebramos esse paradigma. Hoje não é só mais Rio de Janeiro e São Paulo. Temos bons chefs em Manaus, Paraíba. Antes, entre as grandes cozinhas do mundo, a América Latina era um traço. Isso mudou.

É muito gratificante ser da geração de chefs que chegaram com uma certa descontração, que têm tatuagem, trabalham de tênis, fora do perfil clássico do chef europeu. Falo de nomes como Mássimo Bottura, René Redzepi [do dinamarquês Noma], Gastón Acurio [do peruano Astrid&Gastón], Andoni Luis Aduriz [do espanhol Mugaritz] e David Chang [do nova-iorquino Momofuku]. Conseguimos colocar nossas origens e países dentro do nascimento dessas listas de melhores do mundo.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.