Além da Faria Lima: Kinea aposta em migração de demanda com volta a escritórios

Em entrevista à Bloomberg Línea, Carlos Martins, da Kinea, e Danilo Monteiro, da CBRE, explicam a tese que levou a gestora a pagar R$ 571 mi por 57% da Torre Crystal no complexo Rochaverá, na Chucri Zaidan

Vista aérea do complexo Rochaverá Corporate Towers, na zona sul de São Paulo (Foto: CBRE/Divulgação)
10 de Setembro, 2024 | 06:53 AM

Bloomberg Línea — Em cidades como São Paulo, o crescimento corporativo e residencial resulta naturalmente em novas frentes de ocupação. É um processo que foi interrompido pelos impactos da pandemia, mas que, cada vez mais, tem sido retomado. E há ativos que representam melhores oportunidades para se beneficiar do movimento.

Essa foi a tese que norteou a decisão da Kinea Investimentos, uma das maiores e mais longevas gestoras do país, ao desembolsar R$ 570,8 milhões para adquirir 57% da Torre Crystal no complexo Rochaverá, na região da Chucri Zaidan, na zona sul da capital paulista. O negócio, anunciado ao mercado no fim de julho, teve o contrato assinado há poucos dias e contou com a comercialização pela CBRE.

“As oportunidades estão dadas para quem consegue levantar recursos. Quando olhamos para o mercado, com taxas de vacância cada vez menores, este é o melhor momento para entrar”, disse Carlos Martins, sócio e gestor dos fundos imobiliários de equity da Kinea, em entrevista à Bloomberg Línea.

“Essa torre no Rochaverá é uma dessas oportunidades únicas no mercado”, afirmou. Segundo ele, a Kinea tem o direito de compra dos 43% restantes e pretende exercê-lo no futuro.

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“Nós gostamos muito da classe de escritórios. Nunca achamos que o home office acabaria com o presencial. O modelo híbrido tem vantagens, mas, por outro lado, os desafios do home office, à medida que o tempo evolui, ficam mais evidentes, e empresas pressionam por mais dias no escritório”, disse.

Esse movimento se reflete em aumento da demanda por escritórios, com redução das taxas de vacância e valorização do preço do aluguel, em particular em regiões como a da Faria Lima.

“Temos visto prédios na Faria Lima com R$ 300 o metro quadrado [para locação], o que já não é considerado algo extraordinário. Por outro lado, algumas empresas possuem modelos em que essa conta não fecha. O maior questionamento que se fazem é: ‘preciso estar nessa região?’”, disse Martins sobre a tese.

“Entendemos que haverá naturalmente um movimento de migração para outras áreas da cidade.”

A aposta é que um dos hubs com maior potencial de atração é a da Chucri Zaidan, uma das duas áreas em que houve uma atividade mais intensa de construção de prédios de escritórios nos últimos anos, junto com a própria Faria Lima - esta em razão também de incentivos da prefeitura para a verticalização.

Visão de longo prazo

A Chucri Zaidan hoje já reúne a maior área de edifícios corporativos AAA - classificação mais alta em qualidade do ativo - da cidade, com cerca de 580 mil metros quadrados, segundo dados da CBRE.

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Nos últimos anos e trimestres, a taxa de vacância na região tem caído gradualmente: chegou a 24,5% no segundo trimestre, depois de ter subido para quase 34% em 2021, no auge da pandemia.

“Poucos investidores têm condições de enxergar e apostar em uma estratégia que mira mais o longo prazo. A tese da Kinea, com a qual concordamos, pode levar a uma valorização importante do ativo”, disse Danilo Ferrari Monteiro, diretor de Capital Markets & Land Services da CBRE, à Bloomberg Línea.

Segundo Monteiro, a região da Chucri Zaidan não apenas superou a Faria Lima em volume de metros quadrados de edifícios “triple A” como “deve se consolidar nos próximos anos nessa liderança”.

“Diferentemente do mercado de shopping center, em que unidades próximas dividem a demanda e o potencial de consumo e uma prejudica a outra, no segmento de edifícios corporativos a concentração leva a uma valorização do entorno em que todos se beneficiam”, disse o executivo da CBRE.

Outra diferença relevante, segundo ele, diz respeito ao perfil médio do investidor, de caráter institucional, como property companies e grandes fundos imobiliários. “São proprietários que têm uma visão de longo prazo e que investem em melhorias dos imóveis, o que nem sempre acontece em casos de famílias que estão à frente, como é mais comum em edifícios nos Jardins e na região da Paulista”, comparou Monteiro.

Há outras diferenças. Em contraposição às características dessa “nova fronteira”, o bairro de Pinheiros, por exemplo, tem atraído novos prédios comerciais “boutiques”, com lajes menores, que não chegam a 1.500 metros quadrados, insuficientes para empresas que precisam de mais espaço.

Na região da Chucri Zaidan, Monteiro e Martins apontam que o Rochaverá apresenta uma rara conjunção de fatores, como a proximidade com os shoppings Morumbi e Market Place, saídas viárias pela marginal Pinheiros e pela própria avenida que empresta o nome à região, além da estação de trem da CPTM.

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“É um ativo que, quando eu tenho uma reunião com um potencial inquilino, ele me diz que não preciso convencê-lo das características positivas, pois já conhece porque já teve reunião lá ou por outros motivos. E diz que podemos começar a discutir os termos financeiros”, contou Martins.

Nesse aspecto, os preços estão na faixa de R$ 110 a R$ 120 o metro quadrado, menos da metade, portanto, do que é cobrado nos edifícios “triple A” mais valorizados da região da Faria Lima.

A Kinea já possui, em conjunto com fundos imobiliários do BTG Pactual e do Safra, a propriedade das torres A e B do complexo do Rochaverá, em transação concluída no início de 2021 por R$ 1,25 bilhão - a sua fatia é de 20%. Os imóveis pertenciam à Mirae Asset Global Investments.

Segundo Martins, a taxa de vacância nas três torres que hoje são alugadas a inquilinos está na casa de 15%, abaixo, portanto, da média da região, como citado acima (a quarta torre, de tamanho menor, é ocupada pela Dow). Na Torre Crystal, esse índice é um pouco menor, de 14%.

Condições financeiras

“Temos um business muito importante de desenvolvimento. Construímos prédios, galpões, residenciais... e eu olho os preços e os custos de novos projetos e o que está no mercado e vejo que tem uma arbitragem”, explicou o sócio da Kinea.

“E a arbitragem vem efetivamente porque os prédios de escritórios acabaram ficando um pouco para trás na retomada [do mercado] e isso acaba afetando dividendos. No mercado de capitais, fundos imobiliários são muito ditados pela capacidade de distribuição de dividendos. Identificamos oportunidades.”

A aquisição se deu pelo fundo imobiliário KNRI11, que investe em edifícios corporativos - inclui a participação nas outras duas torres do Rochaverá - e galpões logísticos. No início de junho, o fundo concluiu uma captação de R$ 666,4 milhões com a oitava emissão de cotas para investidores.

A transação na Torre Crystal teve um valor líquido de aquisição perto de R$ 16.400 o metro quadrado, que Martins descreveu como uma “boa negociação comercial com uma condição financeira interessante”, diante da comparação com o que seria desembolsado para erguer algo novo.

“O prédio está pronto, alugado e gerando renda com inquilinos”, resumiu.

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Martins ressaltou que a transação aconteceu em um momento em que há escassez de recursos no segmento, dado que, além do impacto de dividendos mais baixos e dos juros elevados, um perfil de investidor que historicamente costuma se aproveitar desse quadro, que é o estrangeiro, não está tão presente.

“Há muitas oportunidades no mercado americano atualmente, com movimentos como a migração para novas áreas como a Flórida, sem que esse investidor tenha que correr risco cambial e de legislação e tributário”, afirmou.

Nesse contexto de oportunidades para quem está capitalizado, há um ano, a Kinea já havia realizado a aquisição de quatro ativos de lajes corporativas que pertenciam à São Carlos, dos quais três em São Paulo e um no Rio de Janeiro, por R$ 865 milhões, com uma estruturação que previu o pagamento de forma parcelada, lembrou o executivo.

“O mercado de escritórios tem melhorado e acreditamos que essa tendência vai continuar. As áreas que se beneficiam primeiro são as mais bem posicionadas, que é a Faria Lima. A Chucri Zaidan, com o preço certo, tem tudo para ser uma das próximas”, reforçou o sócio da Kinea.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.