No embate entre o X e o STF, os usuários brasileiros são os principais prejudicados

Ao retirar uma ferramenta que os brasileiros têm usado para se informar e se expressar livremente, a decisão do STF pune usuários sem culpa que não fazem parte do imbróglio jurídico.

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Bloomberg Opinion — O X foi suspenso no Brasil – que se junta a China, Rússia e Coreia do Norte no clube de países que proíbem o acesso à rede social.

A medida extrema ordenada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes na semana passada – e ratificada por unanimidade por uma turma do Supremo na segunda-feira (2) – ocorre após a recusa da empresa em nomear um representante legal no país, conforme exigido pela legislação, e o encerramento das operações alguns dias antes.

Mas, de forma mais ampla, é o resultado de meses de tensão crescente entre as mais altas instâncias da Justiça e o volátil proprietário egocêntrico do X, Elon Musk.

Moraes liderou a ofensiva do tribunal contra o discurso de ódio e a desinformação, obrigando o X e outras redes sociais a bloquear usuários brasileiros, incluindo políticos e outros influenciadores que os juízes consideraram uma ameaça à democracia. A recusa de Musk em atender às últimas solicitações legais resultou na suspensão do X.

Infelizmente, essa penalidade desproporcional afeta a todos: ela não impede a propagação do discurso de ódio – que é teoricamente o objetivo de Moraes – porque o X é apenas uma das muitas plataformas que operam na maior economia da América Latina; ela prejudica a empresa em um de seus principais mercados, com mais de 20 milhões de usuários.

E, mais fundamentalmente, ao retirar uma ferramenta que os brasileiros têm usado para se informar e se expressar livremente, ela pune usuários sem culpa que não fazem parte desse imbróglio jurídico.

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Com as eleições municipais em um mês, o X não desempenhará seu papel habitual como meio de comunicação e mensagem política – outro motivo para ver a suspensão como uma perda para a democracia do Brasil.

Além disso, ao colocar o Brasil no mesmo grupo de governos autoritários que punem ferozmente qualquer sinal de dissidência de discurso, a decisão manchou – de forma justa ou não – a reputação do país.

Aqueles que argumentam que o Supremo Tribunal Federal abusa de seus poderes e interfere indevidamente na política encontraram novas e fortes evidências com essa decisão.

A ameaça de Moraes de impor uma multa diária de R$ 50 mil a qualquer pessoa que acessar o X por meio de sistemas de criptografia e, ao mesmo tempo, perseguir a Starlink – a empresa de internet via satélite de Musk – parece mais uma vingança pessoal do que uma grande estratégia coesa contra a desinformação.

O resultado é a diminuição da credibilidade da poderosa burocracia judicial do país, algo que deveria preocupar seus principais juízes.

Esse é apenas um dos muitos casos recentes em que o STF extrapolou seu mandato. A intensificação da polarização do país, que culminou com o ataque em Brasília em janeiro de 2023, fez com que os juízes acumulassem mais poder a cada ação que tomavam.

Por um lado, eles defenderam a Constituição e o sistema político da desestabilização e de uma possível insurreição; por outro lado, eles também desencadearam controvérsias, incluindo o desmantelamento da Operação Lava Jato e a repetida censura de vozes políticas.

Visto dessa forma, a decisão de remover o X da vida pública do Brasil é como optar por silenciar a todos por medo de que um grupo de insurgentes diga algo ameaçador. Isso é excessivo e inaceitável em uma democracia confusa, mas vibrante.

Sem dúvida, o debate sobre como ponderar o direito à liberdade de expressão em relação aos perigos e danos do discurso de ódio continua complexo. Em todo o mundo, governos e empresas tentam calibrar políticas e respostas e tatear em direção a um entendimento comum de direitos e responsabilidades.

Nos últimos dias, vimos a França prender e acusar Pavel Durov, fundador do Telegram, por cumplicidade na disseminação de crimes por meio de seu aplicativo de mensagens, e o CEO da Meta Platforms (META), Mark Zuckerberg, lamentar a decisão da empresa de censurar o conteúdo sobre a covid-19 sob pressão do governo dos EUA.

Até onde pode ir a liberdade de expressão antes de se transformar em uma ameaça individual ou institucional?

A resposta não é uniforme, e nem todos os países têm as proteções à liberdade de expressão dos EUA (e mesmo essas parecem estar cada vez mais abertas a questionamentos); a regulamentação do conteúdo nas redes sociais exige uma profunda discussão e colaboração entre políticos, especialistas e operadores de tecnologia.

O mundo deveria prestar muita atenção em como o Brasil lida com essa situação para obter pistas sobre como resolver, ou complicar ainda mais, um dos enigmas políticos mais complexos da governança moderna.

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Infelizmente, Musk parece estar mais interessado em usar o Brasil como um suporte em sua cruzada pela liberdade de expressão (enquanto se recusa a seguir a legislação local que ele aceita devidamente em outros países menos democráticos).

Mas a percepção absolutista de Musk sobre a liberdade de expressão é profundamente falha: ao dar tratamento igual a fatos não verificados ou até mesmo a mentiras ao lado de fontes de notícias respeitáveis, tudo em nome da liberdade de expressão, o X prejudica os usuários e a democracia de forma mais ampla.

A decisão de Musk de expressar apoio às posições de direita de grupos próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro é um direito dele. No entanto, sua hipérbole grosseira e seu ativismo político, incluindo chamar Moraes de “ditador tirânico” ou “pseudo-juiz” e equiparar o Brasil a uma ditadura, levam as coisas a um nível diferente.

Esse tipo de linguagem revigora pontos de vista mais extremos e fornece inspiração e incentivo para aqueles que advogam pela da mudança de regime. Também é desrespeitoso e cínico.

Vou esperar até que Musk diga algo semelhante sobre um juiz da Suprema Corte americana ou sobre seus sócios chineses antes de dar qualquer importância à sinceridade de suas intenções.

No entanto o fato é que o STF deveria ter sido mais sensato e evitado marcar um gol contra.

Forçar os brasileiros a buscar plataformas alternativas para debater ideias é errado. Fazer eco à mensagem de Nicolás Maduro, que recentemente justificou o fechamento do X na Venezuela porque ela “incita o ódio”, não é algo que o Brasil deveria fazer.

De sua parte, Musk deveria ao menos cumprir a lei e nomear um representante legal para o X no Brasil.

Isso pode ser suficiente para que Moraes desista do bloqueio. Porque, do jeito que as coisas estão, cada dia que o X permanece suspenso no Brasil é mais um golpe contra sua credibilidade, o judiciário do país em geral e a democracia que todos os brasileiros desfrutam no momento.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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