Bloomberg Opinion — A reunião de banqueiros centrais dos Estados Unidos em Jackson Hole no fim de agosto foi uma espécie de volta olímpica para o Fed. Ela também pode ter marcado o auge de seu poder.
Os sucessos recentes do Federal Reserve são inegáveis: a inflação parece estar sob controle e os temores de uma recessão desapareceram, o que permite que o banco comece a normalizar as taxas de juros.
Mas um trabalho de pesquisa apresentado há duas semanas sugere que esse pode ser o último grande feito do Fed. Nos próximos anos, é provável que ele se enfraqueça, resultado de dois acontecimentos distintos, mas relacionados – um positivo e outro negativo.
Nas últimas décadas, o Fed adquiriu um poder extraordinário sobre a economia dos EUA. Isso se deve, em parte, ao fato de o governo federal ser visto como ineficaz.
Parte da abordagem de não interferência foi deliberada; os formuladores de políticas tinham receio de microgerenciar a economia e apoiavam, em sua maioria, o livre comércio. E, mesmo com o aumento dos déficits, houve pelo menos alguma restrição fiscal, principalmente após a crise financeira e a recessão que se seguiu.
Como resultado, muitas pessoas esperavam que o Fed expandisse seu escopo para além de seu mandato duplo tradicional de manter a inflação e o desemprego baixos. Elas queriam que o banco assumisse desafios como a redução da taxa estrutural de desemprego, a desigualdade e até mesmo as mudanças climáticas.
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Essa era chegou ao fim.
Em artigo, três economistas da Universidade de Nova York, de Stanford e da London Business School argumentam que os EUA estão passando de um regime de “dominância monetária” para um de “dominância fiscal”.
No primeiro, o Fed controla a inflação ao ajustar as taxas de juros nominais de curto prazo. O governo apoia esses esforços e se compromete a aumentar os impostos futuros, garantindo que outras taxas de juros não mudem muito e que a dívida não sobrecarregue os mercados. Em um regime de dominância monetária, as taxas de juros e a inflação são baixas e relativamente estáveis.
O regime mudou durante e após a pandemia, quando uma dívida do tamanho de uma guerra foi emitida sem a preocupação de pagá-la. Como resultado, as taxas de juros aumentaram e ficaram muito mais voláteis, as correlações entre ações e títulos se inverteram e a inflação voltou – todas as marcas registradas de um regime de dominância fiscal.
Em um regime como esse, o Fed é menos poderoso.
Ele precisa administrar surtos regulares de inflação e enfrenta compensações reais entre administrar o mercado de trabalho e a inflação. Além de seu trabalho ser mais difícil, suas ferramentas são menos poderosas – ele tem menos influência sobre as taxas de juros.
Depois que os gastos se moderaram e a política monetária se tornou mais restritiva, os EUA retornaram a um regime de política monetária. Mas a trajetória da dívida do país corre o risco de uma futura volta ao domínio fiscal.
E, no entanto, nem tudo são más notícias para o Fed. Sim, o tamanho da política fiscal enfraquece o poder que o banco deveria ter – mas o escopo da política fiscal mudou para melhor.
A política fiscal, que se tornou mais ambiciosa nos últimos anos, está finalmente fazendo o trabalho que deveria. Ambos os partidos têm manifestado apoio às políticas que visam transferir a produção de serviços para a manufatura, seja por meio de tarifas ou de política industrial.
Há também metas relacionadas à melhoria da infraestrutura, à redução do custo de moradia e à reforma do sistema de imigração. Essas políticas alteram o lado da oferta da economia, o que influenciará a taxa de crescimento, a inflação e a taxa estrutural de emprego – todos os objetivos que, há apenas alguns anos, esperava-se que o Fed assumisse.
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De certa forma, esse é um modelo melhor, embora eu seja a favor de uma abordagem mais favorável ao mercado.
A política industrial, as tarifas e a dívida excessiva podem levar a uma economia mais lenta e menos produtiva. A melhor opção é um regime de dominância monetária e um governo que tenha como objetivo expandir o lado da oferta da economia com políticas pró-crescimento que não exijam tanta dívida.
Ainda assim, à parte os argumentos sobre o tamanho e o papel adequados do governo, uma coisa que ele deveria fazer é assumir o lado da oferta, facilitando o crescimento e adotando políticas que afetem a distribuição de recursos. Além de ter melhores ferramentas para fazer isso, o governo – ao contrário do Fed – também é responsável perante os eleitores.
Não é aconselhável nem sustentável que o Fed seja o único ator.
Ele pode suavizar os solavancos do ciclo de negócios e gerenciar as expectativas de inflação, mas, a longo prazo, o Fed precisa manter a independência. Quando assume um papel maior na economia, ele coloca em risco essa independência. Ao mesmo tempo, as políticas de alto endividamento que arriscam um retorno a um regime de dominância fiscal também prejudicam a independência do Fed.
É bom que o governo enfatize o lado da oferta da economia – e pelo menos tente estimular a produção. Seu sucesso será julgado pelos eleitores, como deveria ser. Mas ele também precisa se concentrar em administrar sua dívida.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Allison Schrager é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de economia. É pesquisadora sênior do Manhattan Institute e autora de “An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk”.
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