Bloomberg — Se você conversar com executivos do setor de energia renovável por tempo suficiente, quase todos reclamarão do tempo necessário para obter licenças do governo para construir usinas de energia. A menos que você opere na Alemanha.
“Estamos muito satisfeitos”, disse Karsten Brüggemann, vice-presidente da Nordex, que fabrica turbinas eólicas. Principalmente desde 2022, disse ele, a Nordex teve um rápido aumento no número de turbinas instaladas e de futuros parques eólicos autorizados.
A Alemanha está entre os países mais afetados pela invasão da Ucrânia pela Rússia, que obrigou a nação a acabar com o uso de gás russo. A urgência se traduziu na construção de mais instalações de importação de gás natural liquefeito e na aceleração das instalações de energia renovável.
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Na época, os projetos de energia solar e eólica em toda a Europa eram prejudicados pela burocracia. O tempo necessário para obter licenças havia dobrado desde 2017. Na Alemanha, a obtenção de aprovações para um projeto de 2022 para a instalação de três turbinas eólicas exigiu a entrega de 36.000 páginas de documentação impressa às autoridades.
Desde então, a burocracia alemã foi drasticamente reduzida, de acordo com entrevistas com executivos de energia renovável. Em pouco mais de dois anos, o país implantou mais energia renovável do que qualquer outro país europeu.
“Passamos por um aumento significativo na geração de eletricidade renovável”, disse Fiete Wulff, porta-voz da Agência Federal de Redes da Alemanha, responsável pela regulação da eletricidade e de outros mercados.
Isso aconteceu porque o governo abordou o problema de forma sistemática e ancorou as soluções na legislação.
Uma lei designou os projetos de energia limpa como um “interesse público primordial” que serve à segurança do país. Outra, exigia que os estados alemães alocassem cerca de 2% de suas terras para turbinas eólicas.
Demais emendas reduziram o número de diagnósticos ambientais necessários para apenas um e simplificaram o processo anterior de planejamento de rede com duas vias, eliminando o envolvimento de toda uma agência.
“Economizamos de dois a três anos para novos players [de transmissão]”, disse Werner Götz, CEO da operadora de rede de transmissão TransnetBW. “É definitivamente uma melhoria significativa.”
A Alemanha pretende obter 80% de sua eletricidade de fontes renováveis até 2030. Isso significa que o país precisa implantar muito mais energia solar e eólica, conectando-as por meio de linhas de transmissão mais longas. As reformas realizadas até agora ajudaram especialmente a implantação de energia solar.
Os números de 2023 não refletem o impacto total que essas mudanças regulatórias causaram. Muitos projetos que receberam licenças ainda não foram construídos.
Recentemente, o parlamento da Alemanha também facilitou a implantação de energia solar em varandas de imóveis e dificultou para os proprietários se oporem a isso. Berlim, que ofereceu subsídios para esses painéis prontos para uso, já havia recebido quase 10.000 solicitações em abril.
O que a Alemanha fez “com certeza pode ser um modelo para outros países europeus”, disse Bärbel Heidebroek, presidente da Associação Alemã de Energia Eólica.
Algumas medidas especialmente favoráveis incluem a designação de projetos de energia renovável como interesse nacional, o compartilhamento dos lucros da geração de energia com os habitantes locais que instalaram painéis solares ou turbinas eólicas, e a garantia de longo prazo para as empresas de energia de que o governo leva a sério suas metas climáticas.
“A Alemanha combina duas coisas: uma abordagem estratégica de longa data e a grande oportunidade econômica recém-desenvolvida para a implantação de energias renováveis”, disse Simon Müller, do think tank Agora Energiewende.
Ainda há problemas a serem resolvidos. Agora que os projetos receberam licenças para construção, o desafio para as empresas eólicas é obter permissão para transportar as enormes pás das turbinas. Obtê-las ainda pode levar meses na Alemanha, disse Brüggemann, da Nordex, enquanto alguns outros países europeus as disponibilizam em dias ou semanas.
Outro problema é a cadeia de suprimento. Os principais desafios que surgiram após a pandemia foram resolvidos, mas ainda há atrasos em alguns equipamentos importantes. Os transformadores, por exemplo, são necessários para usar a eletricidade das linhas de transmissão de alta tensão em residências e escritórios. Mas os prazos de entrega para eles são grandes, disse Heidebroek.
A Europa ainda fabrica apenas uma pequena fração do que usa em energia limpa. Embora a Lei de Redução da Inflação dos Estados Unidos tenha criado um caso convincente para a transferência da fabricação para o país, a tendência de terceirização da produção na Europa continuará, segundo Oliver Beckel, diretor de estratégia corporativa da fabricante de células solares Qcells.
“Há vontade política para o ‘Made in Europe’, mas até agora não há medidas concretas para facilitar isso”, disse ele.
E os preços da energia na Alemanha ainda são mais altos do que eram antes da pandemia. “O que precisa ser um foco de atenção para a próxima legislatura é a eletrificação acessível”, disse Müller. “Esse é provavelmente o componente mais importante para solidificar esse avanço.”
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