‘Overtourism’: a estratégia de países para mitigar o impacto do excesso de turistas

Em 2024, 142 países devem ver o setor de turismo superar o desempenho visto no pré-pandemia, de acordo com o World Travel & Tourism Council

Barcelona
Por Lebawit Lily Girma
31 de Agosto, 2024 | 04:29 PM

Bloomberg — Os protestos contra o turismo em cidades populares da Europa como Barcelona, Mallorca ou Veneza têm crescido e levantado questões que vão desde o comportamento de estrangeiros à desigualdade na distribuição da renda gerada com as visitas.

Em 2024, 142 países devem ver o setor de turismo superar o desempenho pré-pandemia, de acordo com o World Travel & Tourism Council. Na próxima década, a expectativa é de que o turismo cresça e se torne um setor de US$ 16 trilhões que gerará 12,2% dos empregos globais.

Mas as multidões e os custos crescentes que vêm com esse aumento têm preocupado os moradores de muitas cidades.

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Ondrej Mitas, professor sênior da Universidade de Ciências Aplicadas de Breda, na Holanda, que é especialista no fenômeno chamado overtourism, ou turismo excessivo, diz que a cobertura jornalística geralmente o descreve como um problema único e incontrolável. Mas, se separar o fenômeno em componentes menores, argumenta, será mais fácil de encontrar soluções.

Na opinião dele, o excesso de turismo diz respeito a quatro problemas distintos: há a clássica superlotação de locais populares, bem como os visitantes que desrespeitam as normas culturais – como, por exemplo, mostrar os ombros dentro de uma igreja ortodoxa.

Depois, há os festeiros que cometem atentados ao pudor ou destroem patrimônio público. Já o último está relacionado ao fato de os habitantes locais não se beneficiarem suficientemente do turismo devido à distribuição desigual dos lucros.

Isso é o que mais frequentemente leva à resistência dos moradores, como visto na Espanha neste verão do hemisfério norte. “Esse é um problema político”, diz Mitas. “É muito mais difícil de se resolver.”

Há motivos, contudo, para ser otimista. Soluções para cada um desses problemas são testadas em diferentes destinos ao redor do mundo, de Copenhague à Tailândia e no Havaí.

Confira, a seguir, três dessas iniciativas pioneiras, algumas novas, outras em andamento há anos. Embora ainda sejam relativamente pequenas, cada uma delas têm o potencial de se expandir pelo mundo e impactar uma parcela cada vez maior de viajantes.

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Redefinir o que é ‘imperdível’ em um destino

Em um experimento realizado em 2021 por Mitas e sua equipe na Universidade de Breda, 155 visitantes da província holandesa de Overijssel receberam uma de duas ferramentas de planejamento digital para inspirar suas viagens.

Um grupo recebeu um aplicativo com os pontos turísticos tradicionais marcados e outro recebeu um concierge de IA chamado Travel With Zoey, que recomendou atrações turísticas menos visitadas, conforme verificação de um funcionário nos bastidores.

Os viajantes de ambos os grupos levaram as recomendações a sério e foram aos pontos indicados, em vez de traçar seus próprios itinerários.

Em pesquisas posteriores, eles demonstraram igual satisfação com as suas férias. “As pessoas se divertiram da mesma forma, independentemente de terem ido ou não aos pontos mais badalados, e isso é muito importante”, diz Mitas.

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A realidade é que a maioria dos destinos tem lugares menos visitados que merecem receber turistas. Mas, enquanto a maioria dos viajantes usarem as mesmas fontes para roteiros de viagem – como o Google Maps, da Alphabet (GOOGL), ou o TripAdvisor – eles serão direcionados para as mesmas atrações.

É claro que nada impede que os viajantes pesquisem suas viagens no Google. Mas o estudo pode convencer os conselhos de turismo e os agentes de viagem de que há um bom motivo para se desviar das recomendações mais comuns.

Mitas e a equipe do Travel With Zoey agora trabalham com os conselhos de turismo de Amsterdã e Copenhague para recriar a experiência em centros urbanos superlotados.

Distribuição da receita do turismo

Nos últimos sete anos, a ONG Tourism Cares criou um “mapa de turismo com propósito”, repleto de fornecedores com experiências sustentáveis em todo o mundo.

É o caso de uma oficina de tecelagem com um grupo de mulheres na zona rural da Jordânia, da observação de pássaros com conservacionistas locais no Santuário Otún Quimbaya, na Colômbia, ou um passeio histórico liderado por mulheres em Ponce, em Porto Rico.

Até o momento, o mapa inclui 321 parceiros de impacto em 22 países, embora tenha como objetivo principal ser uma ferramenta business-to-business para operadoras de turismo e agentes de viagem, que podem criar roteiros inteiros em torno das experiências e oferecer uma escala maior de reservas.

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Para construir seu mapa, a organização fecha parcerias diretamente com conselhos de turismo, como os da Colômbia e da Tailândia, que devem identificar, cada um, pelo menos 10 empresas de turismo responsável que estejam prontas para receber um fluxo de visitantes.

A ideia começou na Jordânia, que queria ver o turismo se espalhar para além de Petra, seu famoso Patrimônio Mundial da Unesco; desde então, empresas como Insight Vacations, Intrepid Travel e G Adventures reforçaram seus itinerários com oficinas de cerâmica, culinária e tecelagem – tudo isso gerando negócios para cooperativas rurais em pequenas comunidades, como Bani Hamida, 90 minutos ao sul de Amã.

Entre os desafios do projeto está o fato de que os conselhos de turismo nem sempre são experientes na identificação de parceiros de impacto local.

Mas o CEO da Tourism Cares, Greg Takehara, diz ter visto um impulso, com um número recorde de destinos, incluindo Panamá, Escócia, Irlanda, Havaí e San Luis Obispo, adicionando cerca de 200 parceiros de impacto em 2024.

Criação de incentivos comportamentais

O que é necessário para que os turistas façam escolhas sustentáveis? O conselho de turismo de Copenhague acredita que brindes divertidos podem ser a solução. Em julho, começou a recompensar os visitantes por ações simples e favoráveis ao clima por meio de um programa piloto, com duração de um mês, em parceria com 20 locais.

Optar por andar de bicicleta ou usar o transporte público para uma determinada atração, por exemplo, renderia um passeio gratuito pelo museu, aluguel de caiaque ou um almoço vegetariano tradicional.

Qualquer pessoa que leve resíduos plásticos para a Galeria Nacional da Dinamarca pode participar de um workshop gratuito sobre como transformá-los em uma obra de arte. O piloto terminou em 11 de agosto, e o Visit Denmark espera publicar os resultados no final do mês.

No Havaí, uma campanha semelhante chamada Malama Hawaii tem incentivado os visitantes a participarem de atividades voluntárias em toda a ilha desde 2020. No primeiro trimestre de 2024, a Autoridade de Turismo do Havaí afirma que quase 20% de todos os visitantes do estado participaram dessas atividades, em comparação com 16% na base anual.

As atividades incluem tudo, desde limpeza da costa até propagação de plantas nativas e alimentação de animais em um santuário agrícola; desde abril, elas foram centralizadas em um painel online para facilitar o acesso.

Assim como em Copenhague, o Havaí recompensa os visitantes pela participação em atividades selecionadas com descontos ou pernoites gratuitos nos hotéis participantes.

Participar de uma limpeza de praia com o Hawaii Land Trust, por exemplo, pode lhe render uma sexta noite de estadia gratuita no Grand Wailea em Maui, um resort Waldorf Astoria.

A tendência continua a se popularizar, caso do Vancouver Island. Se você recolher o lixo ao longo das praias ou das florestas e levá-lo a um ponto de coleta designado, ganhará recompensas que variam de descontos em hotéis a um litro de cerveja grátis.

É um pequeno passo na direção certa para um setor que costuma ser lento para mudar.

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