Com prisão de fundador, Telegram é pressionado por sua postura tolerante

As escolhas de política da plataforma permitiram a proliferação de abusos na distribuição de conteúdo, gerando resposta de autoridades europeias

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Bloomberg Opinion — A recente prisão do fundador e CEO do Telegram, Pavel Durov, no aeroporto de Le Bourget, perto de Paris, causou um choque no mundo da tecnologia.

Elon Musk pediu que a França “libertasse Pavel” para evitar uma ameaça à democracia; Paul Graham, cofundador da Y Combinator, aceleradora líder do Vale do Silício, sugeriu que isso prejudicaria as chances do país de ser “um importante centro de startups”.

No entanto, embora alguns citem um ataque à liberdade de expressão e à inovação liderado pela França, a realidade é mais sutil.

A detenção de Durov não é um ato chocante e exagerado do governo, mas o ponto culminante de anos de tensão entre sua abordagem extremamente tolerante e a crescente preocupação com o papel do Telegram na viabilização de atividades criminosas.

As acusações são extensas e sérias e abrangem a cumplicidade do Telegram na distribuição de material de abuso sexual infantil, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Embora plataformas como a Meta Platforms (META), o TikTok e o YouTube, da Alphabet (GOOGL), tenham proibições muito mais rígidas para essas atividades, a prisão de Durov também deve ser vista como um sinal de que a era de impunidade das redes sociais está desaparecendo à medida que os governos pressionam para responsabilizar as empresas pelo que acontece em seus aplicativos.

O Telegram é uma das maiores plataformas de mídia social do mundo, com uma estimativa de 900 milhões de usuários mensais, muitos dos quais seguem canais populares que transmitem conteúdo para milhares de pessoas.

Ele também é único em sua abordagem para supervisionar toda essa atividade – essa supervisão simplesmente não existe.

Enquanto seus pares investem pesadamente em moderação de conteúdo e cooperam com a aplicação da lei, o Telegram tem uma política de intervenção mínima que contribuiu para seus baixos custos operacionais.

Durov disse certa vez ao Financial Times que cada usuário do Telegram custava à empresa apenas US$ 0,70 por ano para ser mantido.

Sua plataforma tem sido associada à disseminação de grupos de teoria da conspiração, material de abuso sexual infantil e terrorismo – o Estado Islâmico supostamente usou o aplicativo como centro de comunicação por quase uma década.

Esses grupos não usam o aplicativo apenas pelo suposto sigilo, mas por sua abordagem de moderação “vale tudo”.

Leia mais: França avalia como proceder com CEO do Telegram perto do fim de prazo legal

Durante os recentes tumultos no Reino Unido, os apelos à violência se proliferaram na plataforma, apesar de violarem as regras do aplicativo.

Apesar de tudo isso, o Telegram mantém orgulhosamente uma postura de não cooperação. Em suas perguntas frequentes, a empresa afirma que “até hoje, divulgamos 0 bytes de dados de usuários a terceiros, incluindo governos”.

Agora, em resposta à prisão, o Telegram disse que é “absurdo afirmar que uma plataforma ou seu proprietário são responsáveis pelo abuso dessa plataforma. O Telegram cumpre as leis da União Europeia, incluindo a Lei de Serviços Digitais – sua moderação está dentro dos padrões da indústria e está em constante melhoria”.

Mas está longe de ser “absurdo” que uma empresa seja responsabilizada por atividades criminosas em sua plataforma.

O Telegram está nessa posição por causa de sua escolha de evitar a moderação de conteúdo – e não por causa de um esforço invasivo de um governo para conduzir vigilância em seus chats supostamente secretos.

Especialistas em criptografia há muito apontam que o Telegram não é totalmente criptografado de ponta a ponta.

A maioria dos bate-papos no aplicativo usa criptografia cliente-servidor, o que significa que o Telegram poderia acessar o conteúdo das mensagens se quisesse (e grande parte do conteúdo na plataforma está em canais públicos).

O recurso “Chats Secretos” da empresa oferece criptografia de ponta a ponta, mas não é o padrão e nem sempre é usado para comunicação regular.

Essencialmente, o Telegram criou uma ilusão de privacidade total enquanto mantém os meios técnicos para monitorar o conteúdo – um recurso que a empresa opta por não usar.

A ação da França contra Durov marca um acerto de contas com essa escolha, e o envolvimento de unidades especializadas, como o Centro de Combate ao Crime Cibernético (C3N) do país e o Escritório Nacional Antifraude (ONAF), destaca a gravidade das supostas infrações do aplicativo.

Musk e outros críticos podem argumentar que sua prisão ameaça a liberdade de expressão, mas a abordagem não intervencionista do Telegram em relação a grande parte da atividade em sua plataforma não o isenta de consequências.

O mundo digital exige tanta governança quanto o mundo físico e, quando uma plataforma se torna uma ferramenta para atividades criminosas generalizadas, fechar os olhos não é uma defesa da liberdade, mas uma negligência do dever.

Uma lição que o setor de tecnologia pode tirar dos acontecimentos desta semana é que os gigantes de mídia social não podem mais esperar continuar operando em um vácuo regulatório.

A Europa deve adotar uma linha mais dura em relação aos danos que ocorrem nas redes sociais, com leis como a Lei de Serviços Digitais e a Lei de Segurança Online da Grã-Bretanha, que entrarão em vigor em 2025.

As acusações feitas pelos promotores franceses não estão relacionadas à nova lei da UE, mas fazem parte de uma mudança mais ampla. Os principais players da tecnologia não são tão intocáveis quanto pensavam ser.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Parmy Olson é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia. Já escreveu para o Wall Street Journal e a Forbes e é autora de “We Are Anonymous”.

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