Bloomberg — Para o ketchup da Heinz, nada é mais importante do que o tomate.
Em termos de calorias, uma colher de sopa do condimento principal contém 80% de açúcar adicionado. Mas, em termos de peso - e, francamente, de reputação -, o nome é Heinz Tomato Ketchup por uma razão. Agora, alguns desses tomates estão em perigo devido às mudanças climáticas.
A marca, avaliada em mais de US$ 5 bilhões e considerada uma referência e uma líder global, é fundamental para a Kraft Heinz, a gigante de alimentos embalados de US$ 42 bilhões que é sua proprietária. Ela produz 660 milhões de garrafas de ketchup por ano, 300 milhões delas nos Estados Unidos.
Em uma entrevista recente, Pedro Navio, presidente da empresa na América do Norte, referiu-se à Heinz como sua “força motriz”.
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A Kraft Heinz também investiu em versões orgânicas e sem adição de açúcar - e cobra mais por elas -, o que o então CEO Miguel Patricio, executivo de confiança dos então controladores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, da 3G Capital, disse em uma call de resultados de 2019 que valia pena.
“Esse é um exemplo muito bom do que fazer”, disse Patricio, que observou que investir na marca levou a uma participação de mercado de 70% nos EUA.
Os tomates usados no ketchup da Heinz são um ponto de orgulho especial. Em seu centro de pesquisa HeinzSeed, na Califórnia, a empresa passou mais de 150 anos desenvolvendo o fruto para garantir que os tomates que crescem no campo possam ser transformados em uma pasta de tomate perfeita.
As sementes patenteadas são vendidas aos comerciantes de sementes, que as vendem aos agricultores. A Kraft Heinz compra os tomates de volta dos agricultores, o que a torna a “maior compradora de tomates para processamento do mundo”, de acordo com um porta-voz.
A Califórnia, estado em que são cultivados todos os tomates para o ketchup da Heinz vendido nos EUA, acabou de passar pelo mês de julho mais quente de todos os tempos.
Daniel Swain, cientista climático da Universidade da Califórnia em Los Angeles, descreveu o calor em seu blog como “notável não apenas por sua intensidade absoluta... mas também pela duração”.
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Algumas áreas registraram recordes de temperaturas diurnas e noturnas, que frequentemente ultrapassaram os 38°C (100° F).
O que isso significa exatamente para o lote de tomates de ketchup da Heinz deste ano ainda é uma questão a ser respondida.
Independentemente da temperatura e da região, os tomates para ketchup não são iguais aos tomates de supermercado: eles têm pouco suco e uma cor vermelha mais saturada.
A pasta na qual eles são amassados é transformada em ketchup, portanto a consistência e a cor são cruciais. Embora a Heinz adicione xarope de milho com alto teor de frutose como adoçante, ela não adiciona nenhum corante. O vermelho é puro tomate.
Em 2007, o aumento dos preços do xarope de milho com alto teor de frutose fez com que a Heinz falasse em criar um tomate naturalmente mais doce. Hoje, a pesquisa da empresa está focada exclusivamente na mudança climática.
Resiliência, calor, estresse hídrico e salinidade do solo estão entre os desafios que Patrick Sheridan, vice-presidente de agricultura global e sustentabilidade da Kraft Heinz, chama de “problemas de longo prazo”.
A empresa não divulga detalhes específicos sobre seus gastos com pesquisa e desenvolvimento, mas diz que investiu milhões de dólares na pesquisa da HeinzSeed nos últimos cinco anos, desenvolvendo variedades que possam sobreviver a estações de crescimento mais quentes e secas no condado de Merced, na Califórnia.
Derek Azevedo, vice-presidente executivo da Bowles Farming Company - um dos principais produtores da Heinz -, disse que a área é para a pasta de tomate o que “Napa é para o vinho”.
800 testes de variedade
A HeinzSeed realiza cerca de 800 testes de variedades de tomate ao mesmo tempo para identificar gradualmente as plantas mais promissoras (nos últimos cinco anos, Sheridan disse que a empresa quadruplicou seu investimento nos testes, que levam cerca de cinco anos desde o inicial até o cultivo em massa).
A temporada de colheita deste ano está bem encaminhada, mas não será concluída até meados de outubro, quando os pesquisadores da Kraft Heinz descobrirão como suas frutas se saíram no calor extremo do verão.
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Segundo os especialistas, é quase certo que o rendimento será afetado, mas é difícil dizer em que proporção. “Algumas pessoas dizem que 20%”, disse Sheridan sobre a minoria de culturas expostas ao calor durante a frutificação, o período em que a flor se torna um fruto. “Outros dizem que ninguém sabe.”
Zach Bagley, diretor administrativo do California Tomato Research Institute, disse que é muito cedo para prever resultados específicos. Ainda assim, “é certo que haverá alguma perda de rendimento”, disse ele.
A busca por frutos que possam suportar altas temperaturas faz parte do processo de criação de tomates, mas o calor deste ano foi especialmente intenso. “O que há de novo neste ano é um período de calor tão prolongado durante o período de floração”, disse Sheridan, referindo-se a uma pequena flor amarela que anuncia a chegada dos frutos.
Os agricultores já estão fazendo ajustes.
A maioria enterra seus sistemas de irrigação profundamente no solo para incentivar as raízes a encontrarem a água, e Azevedo acompanha a precipitação natural em relação ao ciclo de vida do tomate, de modo que ele só dá às plantas a quantidade de hidratação de que elas precisam.
Às vezes, a Bowles Farming também pulveriza as folhas com um polímero de argila para protegê-las do sol, uma tática que Azevedo compara à dos elefantes que jogam lama em suas costas.
Bagley acredita que pesquisas adicionais identificarão mais abordagens, observando que os tomates selvagens são geneticamente desenvolvidos para tolerar o calor e a seca.
“A expectativa é a de que veremos períodos de calor como esse de tempos em tempos”, disse. “Não que sejam normais, mas já ocorreram no passado, esperamos que ocorram no futuro, [e] esperamos que ocorram com maior frequência.”
A criação do melhor tomate para o ambiente atual sempre foi iterativa.
“Todo ano recebemos constantemente novas genéticas”, disse Mike Montna, presidente e CEO da Associação de Produtores de Tomate da Califórnia. “Ainda não encontramos um tomate resistente à seca, mas mudamos as práticas de cultivo para usar menos água.”
Ainda assim, Aidan Farrell, professor sênior de fisiologia vegetal da Universidade das Índias Ocidentais, fez um alerta. “Uma planta ‘tolerante ao calor’ ainda perderá produtividade em altas temperaturas”, disse Farrell. “A criação de uma planta bem adaptada a um clima que é, em média, 1ºC mais quente pode não oferecer muita proteção contra uma onda de calor pouco frequente.”
A Kraft Heinz, por sua vez, vê o calor deste ano como apenas mais um teste para as variedades de tomate que já tem no campo, seja em testes em estágio inicial ou prontas para a produção. “As variedades que não conseguirem lidar com isso serão retiradas do programa”, disse Sheridan.
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Em uma resposta, Sheridan descreveu as primeiras leituras da Heinz sobre o rendimento como “boas”, mas disse que a empresa “só terá números precisos após a safra”. Bagley observou que os verdadeiros impactos ficarão mais claros em algumas semanas, “à medida que entrarmos na safra que estava em estágios mais vulneráveis de desenvolvimento quando o calor intenso chegou”.
Se a produção for baixa, a Heinz dará um jeito. A empresa pode recorrer ao estoque de pasta de tomate ou obter tomates de outras regiões.
"No final do dia, pode ser que falte", disse Lynn Veenstra, gerente de vendas da HeinzSeed na América do Norte, em 25 de julho, enquanto a onda de calor ainda estava ocorrendo. "Só temos que esperar pelo melhor."
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