Bloomberg Opinion — A aposta da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, de 1,4 bilhão de euros para limpar o rio Sena a tempo para a prova do triatlo olímpico desta semana quase não deu certo.
O evento masculino foi adiado na terça-feira (30) devido à poluição ainda excessiva (a prova acabou realizada juntamente com a competição feminina nesta quarta-feira, 31), em uma aparente demonstração de que, depois de um século em que a natação na cidade foi proibida, ela finalmente estava segura para o estilo livre.
Até certo ponto.
É admirável melhorar a qualidade da água de uma grande cidade, mas colocar toda essa campanha em um único evento olímpico foi um ato de arrogância totalmente previsível.
Os rios urbanos são algumas das características mais indisciplinadas de nosso meio ambiente e não se submetem docilmente a calendários ou vontade política.
Ao prometer uma prova de natação no Sena em uma data específica, à mercê da chuva e das condições do rio, Hidalgo e os organizadores dos Jogos Olímpicos transformaram os atletas de elite em cobaias em nome de uma oportunidade de foto.
É uma ideia adorável que os rios que correm por nossas poderosas cidades possam um dia voltar às suas condições primitivas de outrora. Mas é uma fantasia.
Desde as primeiras pontes construídas antes dos romanos, que uniam a capital da ilha de Parisii à terra firme, passando pelas margens de calcário que confinavam o córrego no século XIX, até as praias artificiais de Paris-Plages construídas nas últimas décadas com o despejo de areia ao longo da orla, o Sena tem sido um lugar totalmente projetado.
Isso significa que cada decisão tomada sobre ele é uma barganha entre a natureza e o setor de construção.
Talvez as estações de tratamento de esgoto modernizadas e a bacia de transbordamento de 50.000 metros cúbicos para impedir que as águas pluviais bombeiem efluentes para o sistema fluvial pudessem ter sido construídas com padrões ainda mais elevados.
Então, talvez, o triatlo pudesse ter ocorrido conforme o planejado na terça-feira. Mas eu duvido.
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Isso porque o transbordamento dos esgotos é apenas parte do problema para os nadadores urbanos.
Muito escoamento é feito diretamente das ruas e das calçadas para a água. Em uma área metropolitana com 2,1 milhões de cães e gatos, além de um número estimado de 3,8 milhões de ratos somente no centro da cidade, não é necessário que uma única gota transborde do sistema de esgoto para fornecer matéria fecal mais do que suficiente para elevar a poluição além dos níveis aceitáveis.
Sou triatleta amador e, morando em Sydney (Austrália), na maioria das semanas nado alguns quilômetros em alguns dos locais urbanos de águas abertas mais bonitos do mundo. Mesmo assim, eu nem sonharia em dar um mergulho na Bondi Beach depois de uma chuva forte como a que Paris sofreu na semana passada.
Um site administrado pelo governo do meu estado monitora a qualidade da água e me alerta para esperar vários dias após uma chuva antes de me aventurar no oceano.
Nos pontos do porto de Sydney, que são limpos com menos facilidade pelo fluxo e refluxo das marés, sou ainda mais cauteloso. A situação de Paris é ainda pior: a centenas de quilômetros do mar, ela não tem nenhuma mudança de maré.
Além disso, a França já tem um dos locais mais icônicos do mundo para esse evento. A duas horas de carro ao longo da costa do centro de vela da Olimpíada em Marselha, Nice realizou a primeira grande competição internacional de triatlo da Europa em 1982.
Ao lado de Kona, no Havaí, é um dos dois locais que sediam campeonatos mundiais do Ironman, a prestigiada competição de propriedade da dinastia de mídia bilionária Newhouse, de Nova York. Os atletas de lá teriam nadado nas águas cristalinas do Mediterrâneo e pedalado pelas estradas vertiginosas dos Alpes-Marítimos, que ficaram famosas com o Tour de France.
Hidalgo tem razão em gastar dinheiro limpando o Sena, mesmo que a maioria dos 12 milhões de habitantes da cidade tenha lugares melhores para nadar em águas abertas.
Londres, cuja empresa de serviços públicos mal administrada, a Thames Water, despeja dezenas de bilhões de litros de esgoto bruto no rio, ao mesmo tempo em que se debate com uma dívida de 16,5 bilhões de libras esterlinas (US$ 21 bilhões), poderia aprender com essa visão.
Se, no futuro, os parisienses puderem nadar no rio sempre que não chover em dois dias (a meta do plano atual), ela terá revitalizado um bem público precioso e amado.
Seu erro foi vincular tudo isso a um evento que depende dos caprichos do clima, com toda a mídia do mundo assistindo. Longe de consolidar na mente do público a ideia de que Paris é um local ideal para banhos, Hidalgo apenas lembrou as pessoas de que, a cada mergulho, jogamos os dados que podem levar a uma infecção por E. coli ou norovírus.
É comovente que queiramos que nossos rios urbanos voltem a um estado natural. No entanto é um sonho fútil. Os paraísos que construímos em nossas cidades sempre serão paraísos caídos. Seria bom que os políticos e organizadores de eventos se lembrassem disso.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
David Fickling é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre mudança climática e energia. Já trabalhou para a Bloomberg News, o Wall Street Journal e o Financial Times.
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