Por que a Venezuela e seus cidadãos precisam dos países vizinhos mais do que nunca

Governos que desejam uma Venezuela democrática e próspera devem se envolver para respeitar a vontade dos milhões de cidadãos que enfrentaram a obstrução e a violência para votar

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Bloomberg Opinion — De todos os diferentes cenários da eleição da Venezuela no domingo (28), testemunhamos o mais provável: Nicolás Maduro foi anunciado como o vencedor da votação pela autoridade eleitoral do país, controlada pelos aliados próximos do presidente autoritário.

Pouco depois da meia-noite em Caracas, o Conselho Nacional Eleitoral disse que Maduro obteve 51% dos votos, em comparação com 44% do rival Edmundo González, apesar de as pesquisas mostrarem o candidato da oposição claramente à frente por margens de dois dígitos.

O órgão eleitoral não apresentou as apurações individuais de cada seção de votação para apoiar esse resultado depois de dizer que recebeu um ataque “terrorista” em seus sistemas de transmissão.

Também chamou o resultado de “irreversível”, mesmo que 20% dos votos ainda não tivessem sido contados e a diferença entre os dois candidatos fosse de apenas sete pontos percentuais.

Igualmente suspeito foi o fato de terem levado mais de seis horas para divulgar a contagem; seria de se esperar que um resultado tão inesperadamente favorável ao governo tivesse sido publicado rapidamente para acabar com qualquer especulação maligna.

A oposição denunciou o resultado como uma farsa que apenas coroa um processo viciado desde o início, e sua principal líder, María Corina Machado, afirmou que, com base nos 40% das cédulas tabuladas que conseguiram obter, González liderava com 70% dos votos. Com ambos os lados reivindicando a vitória, a perspectiva de curto prazo é de maior instabilidade política e incerteza.

A América Latina e os países que desejam ver uma Venezuela democrática e próspera devem se envolver rapidamente para ajudar a encontrar um caminho que respeite a vontade dos milhões de cidadãos que enfrentaram a obstrução e a violência para votar.

Leia mais: Eleições na Venezuela: Maduro é apontado vencedor, mas oposição e países questionam

Maduro nunca aceitaria a derrota, e a ideia de que ele sairia tranquilamente do palácio presidencial sempre foi uma ilusão. Ao mesmo tempo, sua estratégia não pode ser confundida com força ou invencibilidade: é uma aposta consistente com o comportamento hegemônico do chavismo, o movimento que governa a Venezuela há mais de 25 anos e que, no entanto, contém vários riscos para o regime.

Para começar, o órgão eleitoral deve mostrar as apurações que comprovam o resultado (o CNE se comprometeu a fazê-lo nas “próximas horas”).

Isso é fundamental porque, neste momento, apenas os aliados mais ferrenhos da Venezuela (ou seja, Cuba, Nicarágua, Bolívia, Irã, Rússia e China) parabenizaram Maduro por sua “vitória”. E se for verdade que a oposição certificou 40% dos votos, isso deve ser suficiente para provar que os números não batem.

Como bem disse o presidente do Chile, Gabriel Boric, os resultados são “difíceis de acreditar”, acrescentando que seu país não reconheceria resultados não verificáveis. Os Estados Unidos e a União Europeia expressaram preocupações semelhantes.

Embora o silêncio de Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente colombiano Gustavo Petro na noite de domingo possa ser interpretado como uma concessão tática, também pode ser um sinal de negociações diplomáticas por trás – o ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, posteriormente solicitou uma rápida verificação e auditoria independentes.

É improvável que Petro (e o mexicano Andrés Manuel López Obrador, outro grande líder de esquerda da região) se pronuncie duramente contra Maduro, mas Lula expressou sua frustração com o líder venezuelano dias antes da votação. E seu assessor de relações exteriores, Celso Amorim, estava em Caracas para a votação. A posição do Brasil terá um peso significativo nesse drama, em que a legitimidade já prejudicada do regime diminui ainda mais.

Além disso, temos as forças armadas da Venezuela, que agora devem estar fazendo seus próprios cálculos. Machado apelou para os militares mais uma vez na noite de domingo, dizendo que esperava que eles fizessem valer o voto popular. Embora ela tenha dito que seu movimento é pacífico, a capacidade da oposição de mobilizar manifestantes, se necessário, não deve ser descartada.

Leia mais: Eleições na Venezuela 2024: Maduro ou González terá país ‘quebrado’ pela frente

Em suma, essas são águas traiçoeiras para o chavismo, que podem levar a novas sanções (pessoais e governamentais), isolamento e desentendimentos internos que podem acabar com a estabilidade econômica artificial de Maduro.

Não foi à toa que o líder pediu um “novo consenso” dentro do país em seus comentários pós-eleitorais. E se os 11 anos de Maduro no poder nos ensinaram alguma coisa, é que não devemos subestimar sua capacidade de sobrevivência. O próximo passo dessa história dependerá de como o governo e a oposição jogarão suas novas mãos.

Para aqueles que ainda duvidam dos resultados do pleito, não devemos esquecer que essa não foi uma eleição típica, mesmo antes dos erros de domingo.

O regime se esforçou ao máximo para inclinar a balança da votação a seu favor e baniu candidatos (Machado, principalmente), permitiu que apenas uma pequena margem da diáspora venezuelana votasse no exterior, suprimiu a presença de observadores e até mesmo barrou a entrada de líderes regionais que buscavam avaliar a votação no país.

Isso é suficiente para ser considerado uma eleição injusta em qualquer democracia.

O espetáculo de milhões de venezuelanos corajosos e esperançosos no país e no exterior tentando mudar o destino de seu país pacificamente deveria ser uma fonte de inspiração global.

Neste ano de eleições, ele deve mobilizar as democracias para que elas reúnam a engenhosidade e a determinação coletivas necessárias para defender a primazia das cédulas sobre os cassetetes e as balas. Os vizinhos democráticos da Venezuela devem se levantar, e o resto do mundo livre deve apoiá-los.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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