Bloomberg Opinion — A partir desta semana que está acabando, Paris começou a encarar o teste de realizar os Jogos Olímpicos de forma segura e econômica em um momento de guerras, polarização política e agitação social. Não é nada fácil.
Barreiras de segurança pesadas e placas com códigos QR contendo informações já aborrecem os cidadãos locais e turistas que tentam navegar pelo Rio Sena, limpo com muito custo.
No entanto o verdadeiro desafio começará quando os atletas fizerem as malas e voltarem para casa. A cidade, uma das cinco maiores do mundo, deve concluir sua transformação em algo maior: uma megalópole que una hipsters, financistas e boêmios da histórica e densamente povoada Paris à economia regional em expansão, onde muitos eventos olímpicos realmente acontecerão.
Essa seria uma mudança mais inclusiva do que a enfrentada por Paris recentemente.
A cruzada da prefeita Anne Hidalgo para modernizar e “desmotorizar e tornar grandes áreas da cidade amigáveis para pedestres fez com que o congestionamento nas ruas diminuísse e a qualidade do ar melhorasse, mas também a transformou em uma figura polêmica e irritou os trabalhadores que não fazem parte de sua base eleitoral principal.
Certamente, é emocionante passear pelas margens do Sena ou pela Rue de Rivoli sem carros – desde que seja possível se esquivar dos insultos dos ciclistas que parecem pensar que os semáforos estão ali apenas para decoração. No entanto também houve erros, como a adoção de scooters elétricas que acabaram proibidas em 2023.
A gentrificação e o turismo também tornaram a cidade mais cara e mais exclusiva, mesmo com o aumento da agitação social e dos episódios de violência.
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Um influxo pós-Brexit de banqueiros e profissionais de tecnologia impulsionou o soft power de Paris, seu cenário de startups e sua atração por especuladores do Airbnb – embora essa bolha tenha estourado um pouco.
O público descolado migrou para o leste, para Belleville, longe da descolada Champs Elysées. A recém-reaberta loja Samaritaine tornou-se um símbolo da duplicação do luxo em Paris; a LVMH de Bernard Arnault patrocina a Olimpíada e também contribuiu para ajudar a reparar a Catedral de Notre-Dame após o incêndio de 2019.
Desde a renda até o acesso a serviços, a diferença aumentou entre os 2 milhões de habitantes de Paris e os 10 milhões que vivem na região. “O centro se gentrificou e a periferia ficou mais pobre”, diz o especialista em urbanismo Laurent Chalard.
Eu vi isso em primeira mão, pois morei em ambos os lados do anel viário da periferia, que acabou com os muros da cidade, mas não com as barreiras psicológicas de viver dentro ou fora dos muros.
Morando “dentro dos muros”, posso aproveitar o que realmente é uma cidade de 15 minutos: esse é o tempo que levo para caminhar até a creche dos meus filhos, o parque local, o médico e a estação de metrô. No entanto muitos trabalhadores essenciais vivem muito além desse raio e pagam aluguéis exorbitantes em uma cidade que não constrói moradias suficientes.
Os muros desapareceram, mas a segregação permanece: um estudo de 2019 constatou que a diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres da região de Paris – aqueles que ganham 4.500 euros por mês e os que ganham menos de 900 euros – era a maior da França.
Obviamente, a Europa continua mais igualitária – e com maior expectativa de vida – do que os Estados Unidos, por exemplo.
As cidades sempre serão lugares em que ricos e pobres vivem lado a lado. E as instalações reluzentes dos Jogos Olímpicos transformaram algumas áreas de Paris, como o subúrbio de Saint Ouen. Ainda assim, uma melhor coesão social e econômica seria boa em uma época de política polarizada.
Isso poderia resolver parte do ressentimento que alimentou os tumultos e saques do ano passado em cidades periféricas, como Bondy, a cidade natal do jogador de futebol Kylian Mbappé, em que lojas e negócios considerados inacessíveis pelos habitantes locais foram atacados.
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Os parisienses sem carro também se beneficiariam de uma integração mais inteligente: Paris depende de trabalhadores que vêm de fora da cidade para compor mais da metade de sua força de trabalho (de acordo com os números pré-pandemia), e a greve dos coletores de lixo do ano passado também mostrou o quanto ela depende dos pontos de estrangulamento dos incineradores além da periferia.
Uma Grande Paris mais coesa precisa reconectar a região, conforme imaginado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy na esteira das agitações sociais de 2005 e do fracasso em ganhar a disputa pela sede dos Jogos Olímpicos de 2012 (que foram para Londres).
Isso já começou com o “Grand Paris Express”, um plano para criar quatro novas linhas circulares de metrô em 200 quilômetros de trilhos para conectar os subúrbios.
É um projeto que não tem nada do glamour da icônica remodelação de Paris feita pelo Barão Haussmann no século XIX, que nos deu marcos como a Ópera Garnier e as avenidas largas e arejadas que levam seu nome.
Mas é igualmente vital se considerarmos que os alunos poderão chegar à escola em meia hora, em vez de uma hora, ou que os empregos e as moradias poderão ser redistribuídos de forma mais uniforme. “Está ocorrendo um reequilíbrio... É uma grande alavanca para a mudança”, diz o geógrafo Daniel Behar.
As conexões de transporte não podem fazer tudo, é claro.
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O maior passo em direção a um pensamento e a uma política mais unificados na Grande Paris seria a integração política, que unificaria a tomada de decisões para toda a região.
Isso poderia ajudar mais projetos habitacionais a sair do papel e reduzir a probabilidade de guerras territoriais entre a capital e outras autoridades locais. Também será muito difícil de conseguir.
Ainda assim, podemos estar a apenas alguns anos de distância de um motor regional mais eficiente, responsável por 30% da produção econômica da França.
Nesse meio tempo, porém, Paris precisa navegar pela Olimpíada e pelas agitações políticas. Talvez seja apropriado o fato de que o lema da cidade – fluctuat nec mergitur – possa ser traduzido aproximadamente como: “atingida pelas ondas, mas não submersa”. Ainda.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre o futuro das finanças e da Europa. Já trabalhou para a Reuters e a Forbes.
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