Opinión - Bloomberg

Caos na final da Copa América evidencia despreparo de Conmebol e autoridades

A delinquência orquestrada teria sido desafiadora até para os promotores de eventos mais experientes. Infelizmente, os responsáveis pela organização da final não atendiam a esses padrões

Contingente policial se mostrou ineficiente: eram 800 agentes para um público de 65.000 pessoas (Foto: Maddie Meyer/Getty Images)
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Duas horas depois de tentar entrar no Hard Rock Stadium em Miami antes da tão aguardada final da Copa América entre Argentina e Colômbia no domingo (14), estava claro que eu não iria a lugar nenhum. A frustração entre os torcedores continuou a crescer, a paciência dos policiais estava se esgotando e o início da partida se aproximava rapidamente.

Cada vez que os portões eram abertos brevemente, a multidão de torcedores – com ou sem ingressos – abria caminho por meio dos sistemas de escaneamento automático. As cenas eram caóticas. Com duas crianças pequenas, eu não podia arriscar fazer nada perigoso, então minha esposa e eu decidimos esperar até que fosse possível uma entrada segura.

Esse momento nunca chegou: as autoridades mantiveram as portas fechadas pouco antes do início do jogo, deixando para fora muitos torcedores que pagaram caro pelos ingressos.

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Nada disso teria acontecido sem os milhares de vândalos sem ingressos que fizeram de tudo para assistir à maior partida de futebol do continente. A delinquência orquestrada teria sido desafiadora até para os promotores de eventos mais experientes. Infelizmente, os responsáveis pela organização da final não atendiam a esses padrões.

O resultado é um sinal de alerta que estádios e cidades nos Estados Unidos devem levar a sério, já que o país se prepara para sediar a Copa do Mundo junto com o México e o Canadá em 2026. É também um lembrete de quanto o futebol sul-americano precisa melhorar se quiser entrar para a primeira divisão do entretenimento esportivo global.

É fácil entender porque as autoridades americanas subestimaram os riscos potenciais em torno do jogo: no calor do momento, um deles gritou do outro lado da cerca: “isso nunca aconteceu aqui antes”, insinuando que o caos seria produto do comportamento dos torcedores sul-americanos.

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O responsável ignorou – como provavelmente fizeram seus superiores – o que os grandes jogos de futebol significam para muitos mortais, independente da nacionalidade ou da classe social. Se você não acredita em mim, basta assistir A Final: Caos em Wembley, da Netflix, que descreve os acontecimentos dramáticos em torno da final da Eurocopa de 2020, em Londres.

Mas, ao contrário daquele caso, o desastre da Copa América podia ter sido evitado.

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Para começar, as autoridades deveriam ter estabelecido perímetros de segurança para identificar os vândalos muito antes de se aproximarem do estádio, como é habitual nessas partidas.

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Há razões para crer que essa foi uma solicitação da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), que as autoridades, por algum motivo, ignoraram (eles só obrigaram os torcedores a mostrar seus ingressos na entrada dos estacionamentos, fazendo com que os maus elementos simplesmente estacionassem seus carros do lado de fora e caminhassem livremente até os portões).

O número de agentes de segurança mobilizados também foi inadequado: pouco mais de 800 para um jogo com um público de 65.000 pessoas.

Em comparação, quando assisti a uma partida das eliminatórias para a Copa do Mundo entre Argentina e Uruguai, em Buenos Aires, em novembro, cruzei dois postos de controle antes de chegar à entrada do estádio, e o evento tinha 1.100 agentes de segurança, além da equipe de apoio, para uma multidão de cerca de 55.000 pessoas (e mesmo assim alguns detentores de ingressos ficaram de fora naquela noite).

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Apesar de se vangloriar, a polícia de Miami também não pareceu muito eficaz: durante a final, prenderam 27 pessoas e expulsaram outras 55. Pressupondo de forma conservadora que 1.000 pessoas entraram ilegalmente, isso significa que 9 em cada 10 não foram capturadas – probabilidades tentadoras para que tentem repetir o feito.

De certa forma, os acontecimentos de domingo são consequência do choque entre duas culturas muito diferentes: o estilo transgressor, focado em faturamento e sempre opaco das tomadas de decisão da Conmebol, combinado com a atitude arrogante do estádio e das autoridades locais.

Essa combinação disfuncional ecoa as dificuldades que autoridades latino-americanas e dos EUA têm às vezes em se compreender mutuamente. E garante que não haverá outra Copa América nos EUA em um futuro próximo.

Como dona e organizadora do torneio, a Conmebol certamente tem a maior parte da responsabilidade.

Desde o início, tentou desviar a culpa para os outros e ainda não pediu desculpas aos torcedores que não puderam utilizar seus ingressos – nem demonstrou qualquer intenção de indenizá-los. A prisão do presidente da Federação Colombiana de Futebol por supostamente agredir funcionários do estádio foi a cereja do bolo.

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Mas as cidades e os estádios americanos se enganam se pensam que podem se preparar para o futebol como para qualquer outro grande evento, como fez Miami. Na verdade, a violência dos torcedores é, infelizmente, uma tendência que acontece em todo o mundo, incluindo nos EUA.

A Copa América teve outras falhas de segurança, como brigas entre jogadores uruguaios e torcedores colombianos nas arquibancadas durante uma semifinal.

É verdade que a FIFA supervisionará as coisas em 2026. Isso significa uma segurança muito mais rigorosa, como vimos nos dois últimos torneios mundiais no Catar e na Rússia. Se há um aspecto positivo em tudo isso é a chance que as autoridades têm agora de aprender com os erros e se preparar para a maior e mais complexa Copa do Mundo de todos os tempos.

Eu carrego certo ressentimento do colombiano ao meu lado que se vangloriava de não ter ingresso enquanto tentava forjar sua entrada. Após pagar ingenuamente quase US$ 4.400 pelos quatro ingressos da minha família, talvez eu tenha razão em achar que toda a experiência foi injusta. Mas o pior de tudo foi perder o sonho de longa data de ver Lionel Messi erguer mais uma taça para a Argentina.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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