De ‘botão do pânico’ a choro: os bastidores do julgamento da década em Wall Street

Colapso de US$ 36 bilhões da Archegos Capital em 2021 resultou nesta semana na condenação do fundador Bill Hwang e seu ex-CFO, Patrick Halligan, por fraude e outros crimes

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Bloomberg — Depois de sete semanas de julgamento, o fundador da Archegos Capital Management, Bill Hwang, foi considerado culpado na quarta-feira (10) de acusações criminais no cerne do colapso de sua empresa, o que praticamente encerra um caso que prendeu as atenções em Wall Street.

Os 12 jurados que participaram do julgamento em Manhattan ouviram uma série de testemunhos que reviveram o colapso de março de 2021, que acabou com a fortuna de US$ 36 bilhões de Hwang.

Hwang e o ex-CFO, Patrick Halligan, foram condenados por fraudar as contrapartes da Archegos, como o Credit Suisse e o UBS, mentindo sobre a atividade de trading da empresa e o nível de risco em sua carteira. Os dois foram condenados ainda por participar de uma conspiração de extorsão.

Cada acusação tem uma pena máxima de 20 anos de prisão. O juiz distrital dos EUA, Alvin Hellerstein, marcou para 28 de outubro a sentença para os dois executivos.

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Hwang permanece em liberdade sob fiança de US$ 100 milhões garantida por US$ 5 milhões em dinheiro e duas propriedades. Já Halligan está livre, após pagamento de US$ 1 milhão em fiança.

Banqueiros descreveram como a Archegos mentiu para suas contrapartes comerciais – incluindo os gigantes Morgan Stanley (MS), Goldman Sachs (GS) e UBS – sobre a concentração e o risco de seus investimentos, e como esses players perderam US$ 10 bilhões quando a Archegos quebrou.

Em meio a gráficos de ações e slides técnicos, o júri, com pouco conhecimento financeiro, também se deparou com uma dose de drama quando dois dos principais executivos de Hwang da época da Archegos testemunharam contra seu antigo chefe.

Confira a seguir os principais momentos do julgamento:

“Botão do pânico”

O ex-gestor de risco do UBS Bryan Fairbanks foi o primeiro insider do banco a testemunhar, e foi um dos mais poderosos.

Fairbanks, que agora trabalha no Bank of Montreal, contou ao júri que acreditou que o UBS tinha um portfólio único com a Archegos e disse que, se soubesse que as posições do family office eram tão concentradas como de fato eram, ele “provavelmente teria apertado o ‘botão do pânico’”.

O depoimento de Fairbanks sobre os últimos dias da empresa se destacou daquele dado por muitas outras testemunhas, pois os promotores reproduziram ligações gravadas entre ele e funcionários-chave da Archegos.

‘Aqui é Bill, Bill Hwang’

As ligações gravadas entre os funcionários da Archegos e os bancos foram algumas das provas mais fortes apresentadas no julgamento. Mas o destaque foi a teleconferência de Hwang com alguns dos maiores bancos de investimento do mundo na noite de 25 de março de 2021.

O portfólio da Archegos estava em ampla queda, e a empresa não conseguiria atender às chamadas de margem. Os jurados ouviram que os bancos lidavam principalmente com o chefe de operações da Archegos, William Tomita, com o diretor de risco Scott Becker e com o copresidente Brian Jones, e que eles nem sempre estavam disponíveis.

Com a crescente preocupação, Hwang decidiu ele mesmo entrar em contato com os bancos Goldman Sachs, Morgan Stanley, UBS, Deutsche Bank, Nomura Holdings e Credit Suisse para responder às perguntas.

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"Aqui é Bill, Bill Hwang", começou ele, antes de garantir às contrapartes que a Archegos tinha uma sólida base de capital de US$ 9 bilhões a US$ 10 bilhões, apesar dos três dias de perdas. Essa foi a primeira vez que o júri ouviu a voz de Hwang e a descrição de sua situação financeira.

O gestor de risco do UBS, Fairbanks, testemunhou que não falou durante a ligação.

“A essa altura, o UBS tinha quase certeza de que as informações que tínhamos recebido eram falsas”, disse ele, “e não valia a pena fazer muitas perguntas, porque estava claro que iríamos entrar em default”.

Como era de se esperar, as garantias de Hwang não funcionaram e a Archegos quebrou.

Tomita e Becker foram as principais testemunhas do lado da acusação, com ambos tendo se declarado culpados e concordado em cooperar com os promotores na expectativa de ter uma redução de sentença.

‘Morte lenta e dolorosa’

Becker era uma das testemunhas mais esperadas da acusação. Ele foi fundamental para o caso.

No banco das testemunhas, ele descreveu ter enganado as contrapartes da empresa várias vezes sobre a concentração da carteira e a liquidez da Archegos.

Becker alegou que o então CFO, Patrick Halligan, que também foi condenado na quarta-feira (10), lhe ensinou a mentir para os bancos e o instruiu a nunca dizer a eles que as posições da Archegos eram superiores a 35% do patrimônio líquido, mesmo que fossem.

Em um dos momentos mais dramáticos do julgamento, a advogada de Halligan, Mary Mulligan, questionou Becker sobre mensagens que ele havia enviado anos antes.

Em 2018, Becker escreveu que desejava que Halligan tivesse morrido em um acidente de avião e, em 2020, que ambos os seus chefes “tivessem uma morte lenta e dolorosa” por causa da covid-19, de acordo com as mensagens.

Becker disse que se arrependia disso, mas a divulgação delas não o ajudou perante o júri.

Lágrimas de Tomita

Tomita, o principal trader, trabalhou para Hwang durante anos. Ele contou aos jurados como o fundador da Archegos orientava de perto seus traders para atingir determinados preços e que muitas das operações eram o oposto do que um fundo normal faria.

No final de 2020 e em 2021, Hwang e seus traders faziam ligações entre si pelo Zoom diariamente. Certa vez, Hwang gritou com um funcionário por ter feito uma pausa para ir ao banheiro, testemunhou Tomita.

Assim como Becker, Tomita disse que foi orientado a mentir para os bancos para garantir mais capacidade de negociação.

Os bancos provavelmente teriam rejeitado a empresa como cliente se soubessem de sua verdadeira estratégia de tentar manipular uma série de ações relativamente ilíquidas, como a empresa chinesa de educação on-line GSX Techedu e a ViacomCBS, disse ele.

Pelo menos duas vezes em seu depoimento, Tomita começou a chorar, inclusive ao contar sobre sua decisão de cooperar no julgamento contra Hwang. Ele também se emocionou ao contar como Hwang gritou com ele por ter perguntado ao compliance da empresa sobre a estratégia de trading.

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US$ 500 mi enviados por engano

Enquanto as contrapartes da Archegos esperavam que suas chamadas de margem fossem atendidas em 24 de março de 2021, um funcionário júnior da Archegos enviou por engano quase meio bilhão de dólares para o Goldman Sachs, em vez de pedir esse valor ao banco para negociação.

O erro veio à tona durante o interrogatório de Becker, que disse que isso significava que a Archegos tinha quase US$ 1 bilhão a menos do que deveria.

Apesar dos pedidos da Archegos para devolver os fundos, o Goldman – que planejava emitir sua própria chamada de margem de US$ 1,5 bilhão no dia seguinte – optou por manter o montante.

O Goldman era uma contraparte relativamente nova para a Archegos, depois que as primeiras conversas entre as empresas fracassaram em 2019. Depois de ouvir sobre os milhões em taxas anuais que outros bancos estavam gerando com a Archegos, ele mudou de ideia, de acordo com o testemunho no julgamento.

Uma vice-presidente do Goldman, Nastassia Locasto, testemunhou sobre Tomita ter apresentado a perspectiva de um portfólio de US$ 2,8 bilhões com o banco em 2020. Mas a oferta era urgente, e ele pressionou o Goldman a abrir uma conta.

Naquela época, a Archegos estava atingindo os limites de crédito com outros bancos e seguia em busca de novas fontes.

O testemunho de Locasto abordou dois temas fundamentais do caso: a busca agressiva da Archegos pela capacidade para promover seus tradings de alto risco – e o FOMO (Fear of Missing Out, em inglês, ou o medo de ficar de fora, em tradução livre) em Wall Street.

- Com a colaboração de Bob Van Voris.

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