Opinión - Bloomberg

Há 30 anos, o real salvava a economia e mostrava que as reformas podem dar certo

Criação da nova moeda encerrou uma década de hiperinflação galopante e pode servir de inspiração para outros países, mas desde então o Brasil tem enfrentado outros problemas

Notas de reais
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Julho marca o 30º aniversário do real, uma conquista significativa que ilumina tanto as promessas quanto os limites das reformas econômicas.

Por um lado, a criação da nova moeda foi um sucesso. Lembro-me de ter visitado o Rio de Janeiro no início da década de 1990 e de ter vivenciado a hiperinflação. Tentei manter a maior parte do meu dinheiro em dólares; se eu pegasse alguma moeda brasileira, na época chamada de cruzeiro real, eu a gastava imediatamente. Em 1990, a taxa de inflação no Brasil foi de 2.948%.

Felizmente, economistas e outros reformistas elaboraram um plano eficaz para a estabilização da moeda. Primeiro, o Brasil criou uma moeda virtual, chamada URV, e transferiu contratos e preços para a nova unidade contábil. Em seguida, uma nova moeda, o real, foi introduzida como igual em valor à URV e aproximadamente igual ao dólar americano. Isso criou a perspectiva de uma moeda nova e mais estável.

A parte crucial das reformas foi um plano confiável para a estabilidade fiscal. O Brasil não sofria a hiperinflação sem motivo – ao contrário, o dinheiro recém-impresso era necessário para pagar as despesas prometidas pelo governo.

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Assim, para que os números fossem somados sem hiperinflação, o governo brasileiro realizou cortes orçamentários, privatizou alguns ativos, transferiu algumas funções para os governos estaduais e municipais e fez algumas promessas constitucionais e legislativas rumo a um orçamento equilibrado.

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Funcionou. Em 1995, a taxa de inflação caiu para 66% e atualmente está em torno de 4%. Foi aplicada a fórmula econômica clássica para corrigir uma hiperinflação, e ela foi bem-sucedida.

O ajuste causou uma séria recessão, mas, nessas situações, é melhor passar logo pelo processo doloroso do que por algo pior mais à frente. E embora a moeda brasileira tenha se desvalorizado recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agora tem sido pressionado a tentar resolver esse problema com mais restrições de gastos.

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Na Argentina, o presidente Javier Milei está bem ciente de que precisa seguir um caminho semelhante. O Brasil mostrou que uma grande economia latino-americana pode introduzir e manter uma grande reforma econômica.

No entanto, o final dessa história não é de forma alguma totalmente feliz. Por vários anos, a economia brasileira cresceu abaixo de 1%, embora recentemente tenha subido acima de 2%.

O país tem recursos naturais abundantes, muito talento humano, algumas empresas e universidades excelentes e nenhum inimigo geopolítico natural. Ainda assim, o crescimento econômico tem sido medíocre. O Brasil deveria conseguir atingir um crescimento anual de 4% a 6%.

As causas desse crescimento decepcionante são variadas e sujeitas a debates. Entre os possíveis culpados estão a corrupção, o excesso de protecionismo, uma economia muito dependente de recursos naturais, um sistema educacional não confiável e, talvez, uma perda de dinamismo econômico.

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Nos anos dourados do final da década de 1960 e início da década de 1970, o Brasil teve taxas de crescimento muito altas, chegando a 14% em 1973, portanto, um desempenho extremamente bom é possível.

Leia mais: As lições dos ‘pais’ do Plano Real sobre os desafios do Brasil além da inflação

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Ninguém argumenta que o Brasil hoje estaria melhor com uma nova dose de hiperinflação. No entanto, também é difícil negar que os limites das reformas se tornaram evidentes. É difícil mudar a maioria das características de um país no curto ou mesmo no médio prazo, mesmo quando os reformistas basicamente acertam o roteiro.

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É provável que as reformas tenham o maior impacto quando todo um sistema econômico disfuncional é derrubado de uma só vez. A Polônia sofreu durante décadas sob o regime comunista, mas desde a terapia de choque orientada para o mercado aplicada no início da década de 1990, o país cresceu de forma constante e se aproxima dos padrões de vida da Europa Ocidental. A China, o Vietnã e a Estônia também fizeram mudanças fundamentais e, em sua maioria, para melhor.

Infelizmente, o resultado do Brasil – de um sucesso moderado – é mais comum entre os países. O acordo comercial NAFTA solidificou a democracia mexicana e ajudou a desenvolver um setor de manufatura no norte do país. Mas não fez com que o México se tornasse parecido com os tigres asiáticos. A Nova Zelândia iniciou algumas reformas bastante radicais e, em sua maioria, bem-sucedidas na década de 1980, mas a diferença nos padrões de vida entre o país e os Estados Unidos não diminuiu. A Nova Zelândia é um país pequeno e distante do resto do mundo, e nenhuma mudança de política econômica pode alterar essa realidade.

A estabilidade monetária do Brasil é digna de comemoração. Ao mesmo tempo, a economia do Brasil cresce muito mais lentamente do que deveria. Às vezes, o melhor que qualquer reforma pode esperar conseguir é não piorar as coisas. E às vezes – muitas vezes – isso é uma grande conquista.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Tyler Cowen é colunista da Bloomberg Opinion, professor de economia da George Mason University e escreve para o blog Marginal Revolution.

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