Como o crédito privado se tornou uma aposta de gestoras de ações e multimercados

Empresas recorrem à modalidade diante da performance ruim das ações e da saída de investidores; Verde e Drýs Capital - antiga Equitas - lançaram os seus primeiros fundos do tipo

Vista de prédios na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo, que concentra escritórios de empresas do mercado financeiro
Por Cristiane Lucchesi - Giovanna Belotti Azevedo - Leda Alvim
10 de Julho, 2024 | 02:29 PM

Bloomberg — As gestoras de fundos multimercado e de ações do Brasil estão se voltando para o crédito privado em meio ao aumento dos resgates de clientes e às mudanças nas preferências dos investidores com taxas de juros altas por um período de tempo mais longo.

A famosa gestora de fundos multimercados Verde e a Equitas – agora chamada de Drýs Capital –, especializada em ações, estão entre as companhias que estão lançando seus primeiros fundos de crédito privado. É um esforço de adaptação a uma nova realidade na qual esses fundos, incluindo Fiagros e FIDCs, estão atraindo seus clientes.

“Precisamos entregar bons retornos ajustados ao risco aos nossos clientes e, nos últimos anos, as indústrias de multimercado e fundos de ações tiveram desafios importantes em relação a isso”, disse Luiz Parreiras, sócio da Verde, em entrevista à Bloomberg News. “Portanto, estamos repensando processos, repensando o que podemos fazer para entregar esses bons retornos aos nossos clientes.”

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O crédito privado ganhou força no mundo todo após a crise financeira de 2008 como uma alternativa aos bancos, pois os reguladores passaram a desestimular a oferta de empréstimos de maior risco por parte de instituições financeiras que aceitam depósitos de clientes de varejo.

Os juros mais elevados nos Estados Unidos ajudam a tornar os retornos mais atrativos. O mercado naquele país atingiu US$ 1,5 trilhão este ano, em comparação com US$ 1 trilhão em 2020, de acordo com um relatório de junho do Morgan Stanley, que estimou que poderá atingir US$ 2,8 trilhões até 2028.

No Brasil, o mercado expandiu-se quando o Banco Central começou a aumentar agressivamente os juros em 2021 para combater a inflação, forçando as empresas a procurar financiamento mais barato fora dos bancos e oferecendo aos investidores retornos mais suculentos.

Os fundos multimercado começaram então a ter dificuldades crescentes para ter retornos maiores que seus benchmarks. O Verde, que tinha R$ 55 bilhões em ativos sob gestão em 2021, agora tem R$ 22 bilhões.

Um índice que acompanha o desempenho dos fundos multimercado no Brasil ficou quase estável nos primeiros seis meses do ano, o pior primeiro semestre desde 2020 e atrás do ganho de 5,2% da taxa de referência do CDI no mesmo período. Em comparação, um índice para títulos corporativos de baixo risco retornou 7,29%.

Não é apenas o mau desempenho que provoca resgates nos fundos multimercado, que registaram saídas líquidas de R$ 81 bilhões no primeiro semestre deste ano, segundo a Anbima, a associação do mercado de capitais do país. Uma nova regra aumentou a carga tributária sobre os investidores ricos que utilizam fundos exclusivos para aplicar em fundos multimercado, ao mesmo tempo em que reduziu impostos para alguns dos fundos de crédito privado.

Os fundos de ações, sofrendo com a queda da bolsa de valores brasileira, tiveram R$ 100 milhões em resgates, enquanto o índice de referência Ibovespa caiu 7,66%.

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Em contraste, os chamados FIDCs – fundos que representam parte da indústria de crédito privado do Brasil – tiveram entradas líquidas de R$ 20,4 bilhões. Os FIDCs, que existem apenas no Brasil e são semelhantes ao mercado de securitização dos EUA, são fundos que investem em pacotes de crédito e vendem cotas aos investidores em tranches que podem ser separadas por risco.

“Os FIDCs são estrelas em ascensão e agora que os reguladores permitem que os clientes de varejo invistam neles, o mercado vai explodir”, disse Samer Serhan, sócio da gestora de fundos de crédito Jive Investments, que possui R$ 18,5 bilhões em ativos. Ele se referiu a uma mudança de regra feita pela Comissão de Valores Mobiliários que passou a vigorar em outubro do ano passado.

A Solis Investimentos está entre as empresas que se preparam para lançar um FIDC para pessoas físicas que comprará cotas de outros FIDCs.

“Cada FIDC é diferente dos outros e suas estruturas não são óbvias, são muito difíceis de analisar”, disse Ricardo Binelli, sócio da Solis, que tem cerca de R$ 16 bilhões sob gestão. “Mas é exatamente nesses detalhes que reside a proteção aos investidores.”

Rafael Fritsch, sócio e diretor de investimentos da Root Capital, concorda. “Não é porque alguém sabe negociar ações que sabe investir em crédito”, disse ele. “Para comprar crédito você precisa ter um mindset neurótico, pensar o tempo todo que pode perder.”

As altas taxas de juros trazem oportunidades para comprar crédito com retornos atraentes, mas também aumentam os riscos de inadimplência, disse Marcelo Mifano, chefe de situações especiais da Vinci Partners Investments, uma das maiores gestoras de ativos alternativos da América Latina.

O Verde começou a investir em crédito em 2006, por meio dos seus multimercados, e desde então veio construindo experiência e equipe. Em maio, lançou um FIDC batizado de Ipê, em homenagem à árvore conhecida por sua madeira extremamente sólida. Inicialmente, o fundo será distribuído apenas nas plataformas do BTG Pactual para investidores institucionais e qualificados. A meta é chegar a R$ 1 bilhão até o fim de 2025, disse Parreiras.

Também em maio, Luis Stuhlberger, fundador da Verde e um dos gestores mais reverenciados do Brasil, passou a se tornar responsável pelos fundos de ações locais da gestora após a saída de quase metade da equipe. Os próximos planos do Verde incluem lançar um fundo que compra títulos de infraestrutura isentos de impostos, disse Parreira.

Os FIDCs podem comprar crédito de empresas menores que pagam taxas de juro muitas vezes superiores à taxa básica e, ao fazê-lo, oferecem retornos mais atrativos do que os fundos que investem em títulos de dívida mais tradicionais, que vêm enfrentando uma compressão dos spreads em um contexto de demanda crescente.

E isso mesmo depois que a emissão desses títulos mais que dobrou, para R$ 204,2 bilhões até agora neste ano, em relação ao mesmo período de 2023, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

O cenário contrasta com o mercado de ações, no qual a última oferta pública inicial de ações de uma empresa brasileira ocorreu há dois anos e meio.

As altas taxas de juros estruturais do Brasil são “muito ruins” para a bolsa de valores e o número de empresas que planejam emitir ações é muito pequeno, reduzindo as oportunidades de compra dos fundos, disse Luis Felipe Amaral, sócio fundador da Drýs Capital. Anteriormente chamada de Equitas, a empresa mudou de nome em maio para se ajustar melhor ao novo negócio de crédito, disse Amaral.

A Porto Asset, braço da seguradora Porto Seguro, com R$ 32,5 bilhões sob gestão, cortou parte de sua equipe de ações e transferiu outra parte para focar em fundos de renda fixa, diante da percepção de que o cenário negativo para ativos de risco “pode durar um pouco mais”, disse o diretor de investimentos, Izak Benaderet. A Porto firmou uma parceria estratégica com a gestora SFA Investimentos para cuidar de maior parte de seus fundos de ações.

“Ainda há um espaço enorme para a desintermediação bancária no Brasil”, disse Marcello Almeida, sócio e responsável para área de crédito da Vinci. “O cenário de juros mais elevados contribui ainda mais para esta tese, criando todas as condições para o crescimento do crédito privado.”

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