Opinión - Bloomberg

A IA não vai dominar os bancos centrais tão cedo, mas pode se tornar uma aliada

A evolução dos algoritmos pode proporcionar uma análise de dados mais precisa, mas as principais decisões continuarão sendo tomadas por humanos

Sede do Federal Reserve em Washington
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Os chefes dos bancos centrais não nascem preocupados, mas rapidamente adquirem essa característica.

Atualmente eles gastam um tempo considerável aflitos com a inteligência artificial (IA) e sua capacidade de causar estragos nos preços, nos empregos e na segurança dos bancos. Por mais angustiante que tenha sido o colapso financeiro de 2008, imagine se uma máquina desonesta turbinasse uma queda no mercado.

Não se trata de um cenário apocalíptico em que a IA se descontrola e destrói a Terra, disse Eddie Yue, da Autoridade Monetária de Hong Kong, em uma conferência recente. Mas há muitos perigos em ascensão, acrescentou ele. O colega de Yue em Singapura alertou sobre o potencial de fraudes e ciberataques.

As autoridades americanas e britânicas temem que os algoritmos sejam usados para restringir empréstimos às minorias. Embora reconheçam os benefícios dos rápidos avanços tecnológicos para a economia em geral, a maioria está cautelosa.

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Uma coisa com a qual os magnatas das finanças não devem se preocupar é a diluição de seu poder. É claro que as legiões de economistas com doutorado que trabalham nos bancos centrais podem encolher.

Novos algoritmos que filtram dados em tempo real sobre tudo, desde a venda de carros até o tráfego de pedestres em shopping centers, obrigarão os analistas a pensar em como suas funções serão transformadas.

Leia mais: No radar dos CEOs dos maiores bancos, o impacto da IA se tornou protagonista

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Porém, em vez de tornar redundantes os homens e as mulheres que de fato definem as taxas de juros, a IA poderá torná-los cidadãos mais poderosos.

O Bank for International Settlements (BIS) - entidade que é uma espécie de Banco Central dos bancos centrais - fez uma declaração nesse sentido, dizendo que a mais básica das tarefas, decidir os juros, ainda será feita por humanos. HAL, o computador que assume qualidades divinas no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, não chegará ao Comitê Federal de Mercado Aberto dos EUA e aos comitês equivalentes mundo afora.

“A maneira como nos organizamos e organizamos nossas sociedades é que gostamos de responsabilizar os seres humanos”, disse Cecilia Skingsley, chefe do Centro de Inovação do BIS, a repórteres no mês passado. “Você sabe, ao mudar políticos e possivelmente mudar presidentes de bancos centrais de tempos em tempos.”

Ela pode estar exagerando. Mas a importância do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, e de seu grupo só pode crescer.

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À medida que os varejistas desenvolvem aplicativos para acompanhar cada vez mais de perto os concorrentes e os mercados mais amplos, o preço do leite na Dinamarca, por exemplo, pode flutuar durante uma coletiva de imprensa de Powell, argumenta Lars Christensen, professor associado da Copenhagen Business School.

Quando a OPEP aumenta ou reduz a produção de petróleo, isso se reflete rapidamente no preço da gasolina. Por que o mesmo não se aplicaria aos alimentos básicos, pergunta Christensen, cofundador da PAICE, uma empresa de consultoria especializada em IA e análise de dados.

“Em muitos países de alta renda, já temos etiquetas eletrônicas de preços”, ele me disse. “É melhor conectá-las a um algoritmo. Não acho que meu exemplo de ficar em um supermercado observando o preço do leite variar à medida que Powell fala sobre os juros seja irrealista.

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Por motivos práticos, podemos alterar o preço somente após o supermercado fechar ou você pode ter um mecanismo que diga que o preço não pode ser aumentado enquanto o cliente estiver na loja. O conceito existe.”

Expressões de décadas atrás podem ser ressuscitadas para fornecer sinais do mercado de títulos, graças a um modelo de linguagem baseado no ChatGPT. O JPMorgan (JPM) criou um programa que usa discursos passados para detectar a evolução dos sinais de política monetária.

Os economistas do banco descobriram que, quando o modelo mostrava um aumento na preocupação com a inflação entre os palestrantes do Fed entre as reuniões, a declaração seguinte do Federal Open Market Committee (FOMC, na sigla em inglês) se tornava mais hawkish (a favor de taxa de juros elevadas).

O oposto também acontece. Se transformarmos isso em uma estratégia de negociação, as oportunidades de ganhar dinheiro são muitas. Inicialmente acompanhando o Fed, o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra, o JPMorgan expandiu o método para 10 grandes bancos centrais de mercados desenvolvidos.

Leia mais: JPMorgan vai treinar novos funcionários para usar inteligência artificial

Sempre há espaço para nuances e opiniões ponderadas. Às vezes, os sinais não são claros. Por exemplo, como interpretar a frase do Reserve Bank of Australia: “não estamos descartando nada”? Um diretor de carreira do Bundesbank pode estar menos inclinado a reduzir os juros do que, por exemplo, alguém do Banco da França. O presidente do Banco do Japão, Kazuo Ueda, pode sair pela tangente. Seu antecessor gostava de surpreender os investidores.

A IA funciona melhor quando complementa o julgamento humano. Em algumas áreas, não há substituto para a experiência. As máquinas que ajudam a reduzir a evasão fiscal na Turquia prestam um serviço público, por exemplo. Ainda assim, ninguém consideraria o país uma referência global em desempenho: a inflação é de estratosféricos 72%.

É preciso haver uma combinação de elétrons e ondas cerebrais. É improvável que o mandato dos próprios diretores dos bancos centrais desapareça. Se Donald Trump vencer as eleições presidenciais deste ano, ele se comprometerá a não reconduzir Powell, que talvez nem queira um terceiro mandato. É seguro dizer que as máquinas não entrarão na lista de candidatos à presidência do Fed – pelo menos desta vez.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Daniel Moss é colunista da Bloomberg Opinion e cobre economias asiáticas. Anteriormente, foi editor executivo de economia da Bloomberg News.

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