Bloomberg — Quando Frank Strang visitou SaxaVord há quase 20 anos, ficou tão encantado com a propriedade escocesa que a comprou na hora, sem nem mesmo contar à sua esposa.
Agora, a dupla de empreendedores está prestes a abrir o mais novo centro espacial da Europa. Ele ocupa uma antiga estação militar na ilha de Unst, cerca de 640 quilômetros ao norte de Edimburgo.
As poucas pessoas que escolhem viver por lá são superadas em grande número por ovelhas e coelhos, bem como por baleias e golfinhos que brincam nas águas que banham o litoral rochoso.
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A estação de radar em SaxaVord foi inaugurada em 1950 pela Força Aérea Real britânica (RAF) para avisar o continente sobre qualquer aeronave que se aproximasse pelo mar. Ela foi fechada em 2006, levando a pequena população local a dificuldades econômicas.
Strang, de 66 anos, conhecia a vida militar, tendo conhecido sua esposa, Debbie, há três décadas, quando ambos estavam na RAF. Assim, quando recebeu uma oferta para comprar o terreno depois que o complexo militar foi desativado, Strang aproveitou a oportunidade, sem nenhum plano do que fazer em seguida.
“Foi um chute”, disse ele. “Nem por um minuto pensei que construiríamos uma base de lançamento.”
Mas quando o governo disse que buscava locais para portos espaciais, Strang aproveitou a oportunidade, dadas as vantagens geográficas de SaxaVord e à sua experiência em aviação e defesa. As obras em SaxaVord começaram em meados de 2022.
Desde a compra de SaxaVord, os Strangs procuraram tornar o local mais aconchegante – o que não é uma tarefa fácil, já que as instalações militares e os depósitos de armazenamento exalam a elegância da Estrela da Morte, de “Guerra nas Estrelas”. Há um conjunto de casas baixas e cinzentas com uma torre abandonada que ainda protege as ruas.
Apesar da aparência rústica do lugar, os Strangs afirmam que criaram uma fórmula vencedora que combina turismo com seus sonhos espaciais.
Eles veem SaxaVord como uma atração única, com casas de veraneio, um hotel, um restaurante, retiros de bem-estar e uma destilaria de gim, além de três plataformas de lançamento.
Ao atrair entusiastas do espaço e da vida ao ar livre, eles esperam criar um fluxo de receita durante todo o ano para complementar a renda que obterão com lançamentos sazonais.
Ainda hoje, SaxaVord mantém muito de sua herança militar. O local é inóspito – sítios arqueológicos vikings e edifícios da era da Guerra Fria estão espalhados pelas colinas cobertas de musgo.
Os funcionários são focados e pontuais. As instruções são entregues rapidamente, os almoços embalados são rotulados e são poucas as opções de comida. Afinal de contas, o assunto é sério. Quem procura um spa com aulas de ioga deve ir para outro lugar.
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SaxaVord é uma das sete bases de lançamento construídas no Reino Unido na esteira das novas leis que incentivam o investimento privado no setor espacial.
Em dezembro, tornou-se o primeiro local totalmente licenciado na Europa Ocidental para lançamentos verticais para levar satélites ao espaço.
Os Strangs podem fazer até 30 lançamentos por ano, e o primeiro – da startup alemã Rocket Factory Augsburg – pode ser lançado já em agosto.
Este seria o primeiro lançamento de foguete orbital a partir de solo britânico, um marco para um país que há muito tempo está atrás na corrida espacial global.
Mas será necessário muito mais dinheiro para transformar o sonho dos Strangs em realidade.
Frank Strang diz que a construção custou cerca de 48 milhões de libras esterlinas (US$ 61 milhões) até agora, e ele estima que precisarão de mais 100 milhões de libras para terminar a pista de pouso e o hotel.
Ele acha que levará mais uma década para construir todas as comodidades planejadas e não espera que a base de lançamento dê lucro nos próximos dois anos.
Até agora, o dinheiro veio de investidores privados, incluindo o bilionário dinamarquês Anders Holch Povlsen, bem como de outros indivíduos e pequenos fundos. Uma das plataformas de lançamento recebeu o nome do falecido filho de Povlsen, Fredo.
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Strang diz que recentemente foram “muito decepcionados” com um fundo dos Estados Unidos e começaram a ficar sem dinheiro.
Enquanto faziam outra rodada de investimentos, o governo do Reino Unido interveio, em março, com um prêmio de 10 milhões de libras (US$ 12,8 milhões) em para ajudar no lançamento de foguetes. O montante restante provavelmente virá de uma combinação de fontes privadas e públicas, disse ele.
Desde o apoio do governo, “temos muitas pessoas que antes não acreditavam no projeto e agora querem participar”, diz Strang. Ele espera abrir o capital de SaxaVord “no momento certo”.
Há uma enxurrada de atividades acontecendo no momento. A base de lançamento recebeu o ministro do espaço do Reino Unido para uma cerimônia de inauguração em 29 de maio.
O primeiro estágio do foguete da RFA já está em uma das plataformas de lançamento – é possível vê-lo das janelas dos chalés de férias que abrigam funcionários e clientes.
O foguete teve que ser transportado para SaxaVord em partes: primeiro, por meio da Alemanha e do Canal da Mancha, depois, por transporte rodoviário até a balsa de Aberdeen antes de finalmente chegar a Shetland.
Antes do lançamento, SaxaVord precisa aumentar sua força de trabalho de 75 pessoas e contratar mais 40 pessoas para atuar como equipe de segurança, comissários de bordo, governantas e suporte técnico, diz Strang.
Encontrar funcionários é um desafio devido à escassa população da ilha. Alguns dos membros mais jovens da equipe são estagiários.
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Algumas empresas da ilha já perceberam os benefícios da base de lançamento. Uma loja de chá local que costumava ficar aberta apenas durante o verão agora tem negócios suficientes com clientes de SaxaVord para ficar aberta o ano todo.
Strang disse que uma senhora idosa que ele conheceu na balsa lhe disse que “Unst precisa do espaço”, dado que o fechamento do campo de aviação ameaçava o setor de salmão local.
Unst é a ilha habitada mais ao norte da Grã-Bretanha. Para chegar lá, é preciso fazer uma longa viagem que envolve vários voos e balsas da Inglaterra, seguida de uma viagem de carro de três horas por outras ilhas até chegar a um local tão remoto que parece ser de outro mundo por si só.
Em sua missão de unir espaço e turismo, os Strangs querem transformar as instalações atuais em um complexo moderno com interiores em estilo escandinavo.
Os planos, que já foram apresentados ao Shetland Islands Council, incluem um edifício circular com escritórios, acomodações, um restaurante e uma plataforma de observação, tudo isso em cima de um estacionamento subterrâneo.
“Não será como um lançamento da NASA na Flórida, mas pode ser uma versão menor dele”, diz Jodi Bartin, CEO da Citicourt, uma consultora financeira que diz ter ajudado os Strangs a levantar recursos.
Enquanto isso, os clientes fazem fila. A Lockheed Martin e a empresa britânica de foguetes Skyrora planejam fazer lançamentos no local ainda este ano.
O CEO da Skyrora, Volodymyr Levykin, disse que quer fazer até oito lançamentos por ano, todos no quintal dos Strangs.
Pelo menos cinco fornecedores de lançamentos dos EUA abordaram a SaxaVord nos últimos três anos para missões espaciais, juntamente com empresas da Europa, África e Ásia, diz Strang.
Ele espera que o local também faça lançamentos da OTAN e do governo dos EUA no futuro.
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Há planos para construir uma plataforma de observação em uma colina próxima. Enquanto isso, Scott Hammond, vice-CEO de SaxaVord, diz que os turistas que quiserem assistir aos primeiros lançamentos terão sorte se conseguirem um lugar em uma das poucas travessias diárias de balsa.
“Acho que esses ingressos serão um sucesso”, diz Hammond, um ex-piloto de caça que conheceu Strang na RAF.
Outras bases de lançamento do Reino Unido, como a da Cornualha, em Newquay, focarão em lançamentos horizontais, nos quais os foguetes podem ser acoplados a aeronaves especializadas.
Sutherland, localizada ao sul, é a base do serviço de lançamento orbital Orbex e tem autorização para até 12 lançamentos por ano, mas ainda está aguardando uma licença oficial.
Strang não vê pressão por parte dos concorrentes. “Vamos ficar lotados”, diz ele.
No momento, ele está focado em encontrar o “ponto ideal” de investir dinheiro suficiente no negócio para atrair clientes sem falir e fracassar.
“Se ficar de bobeira, você fica para trás”, diz Strang.
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