De sucessão a filantropia, BTG Pactual estreita a relação com famílias mais ricas

Banco avança em frentes de educação financeira e temas diversos para a segunda geração, contam Mariana Oiticica e Fernando Coelho, heads de wealth planning e family office, respectivamente, à Bloomberg Línea

Sede do BTG Pactual na Faria Lima, em São Paulo (Divulgação)
02 de Julho, 2024 | 05:10 AM

Bloomberg Línea — O mercado de family offices passa por mudanças importantes no país e aumento da competição. Nessa disputa, estreitar o relacionamento com as famílias mais ricas e oferecer serviços sob medida podem fazer a diferença para ganhar a confiança do cliente. É nessa abordagem que aposta o BTG Pactual, segundo contaram Mariana Oiticica, Head de Wealth Planning, e Fernando Coelho, Head de Family Office, em entrevista à Bloomberg Línea.

Segundo eles, há uma mudança geracional que se reflete no escopo de serviços demandados, com planos de sucessão dos negócios empresariais e do patrimônio em jogo, interesse crescente da segunda geração por projetos de filantropia e investimento de impacto, sem contar as novas regras de ordem tributária. Empresários que ergueram grandes grupos estão envelhecendo e passam a gestão para os filhos.

As sucessivas mudanças em impostos para investimentos adotadas nos últimos meses pelo governo federal, como as que afetaram fundos offshore e exclusivos, só reforçaram a relevância e a procura pelo trabalho das áreas de planejamento patrimonial nos principais bancos do segmento.

“No fim, não se trata de uma mudança só do Brasil. Vemos essa incerteza de tributação presente em outros países. Em momentos de dificuldade fiscal, muitos governos adotam uma agenda que afeta os mais ricos”, disse Mariana Oiticica, que lidera a área de planejamento patrimonial no BTG Pactual.

PUBLICIDADE

Leia mais: ‘Sucessores’: do Pão de Açúcar a novos negócios, as lições de Ana Maria Diniz

“Hoje temos quase uma sobredemanda pelos serviços, que passa pelo desejo de cuidar do seu patrimônio de uma maneira mais profissional. E que é contracíclico, na medida em que há mais incertezas e mudanças fiscais”, disse Fernando Coelho, à frente da área de Multi Family Office (MFO) do banco.

O segmento que Coelho lidera atende famílias com liquidez acima de R$ 150 milhões, sendo que o valor médio está muito acima desse valor. Essa franquia de negócios do BTG Pactual (BPAC11) tinha cerca de R$ 30 bilhões sob seu “guarda-chuva” ao fim de 2023.

O estado de São Paulo, capital e interior, ainda é o principal mercado para o banco, mas a demanda vem também de áreas que experimentaram crescimento mais acelerado nos últimos anos e que não são atendidas da mesma forma - ou não o são - pelas instituições financeiras de modo geral. Um exemplo é o Centro-Oeste, com impulso do agronegócio.

São áreas - de planejamento patrimonial e de family office - com atuações relacionadas e que envolvem temas como sucessão, doações, arbitrar relações em disputas familiares e atender objetivos da segunda geração, entre outros, que estão entre os mais procurados.

“Entender quais são os objetivos das famílias e colocar nos veículos corretos é o primeiro pilar do planejamento patrimonial”, explicou a executiva.

O segundo pilar se relaciona com a família e em como manter o patrimônio da maneira mais eficiente possível, dado que os objetivos da segunda geração não necessariamente se alinham com os da primeira.

PUBLICIDADE

Eventos para segunda geração e mulheres

Esse pilar hoje envolve a organização de eventos voltados para membros da segunda geração, que incluem a apresentação de pessoas que já passaram por experiências diversas, de empreender em “voo solo” a se dedicar a projetos de filantropia e de investimento de impacto. São eventos que acontecem há treze anos.

Há quatro anos, o banco montou uma frente de educação de planejamento patrimonial para mulheres, diante da constatação de que os pais de famílias atendidas em geral ainda direcionam a sucessão nos negócios para filhos homens, que representam dois terços do público de eventos para a segunda geração.

Mariana Oiticica, sócia e Head de Wealth Planning do BTG Pactual (Foto: Divulgação)

“São eventos não só para mulheres da segunda geração como para esposas e mães. Já vimos casos em que uma mulher com 50 anos ou mais recebeu a herança da família e passou a responsabilidade para o patrimônio para o filho de 20 e poucos anos que ainda estava na faculdade”, disse Oiticica.

Segundo a executiva, que é advogada de formação, esse processo envolveu aprendizados, como saber que há interesse, sim, das mulheres dessas famílias em aprender sobre investimentos mas também outros temas mais convidativos que entram na programação; além da preocupação em adotar linguagem acessível, evitando o estrangeirismo tão comum na Faria Lima, que pode gerar o efeito indesejado de afastar as pessoas.

“No fim, buscamos quebrar o paradigma sobre quem pode tomar decisões de investimento e mostramos que o que importa é bom senso sobre os riscos que você está disposto a correr - e os que não está.”

Uma nova iniciativa são encontros de alumni, ou seja, de mulheres que passaram pelos eventos, para que possam compartilhar experiências e insights sobre o patrimônio da família e outros temas. “Percebemos que em eventos só com mulheres elas se sentem mais confortáveis para falar.”

Filantropia e mudança de domicílio

Segundo ela, o terceiro pilar é o da devolução à sociedade de parte do que foi construído - algo que se torna mais comum entre famílias brasileiras. Isso pode acontecer com ações que busquem impactar a comunidade no entorno de um ativo, como uma indústria, até algo mais abrangente.

“Também montamos um braço de educação voltada à filantropia e ao investimento de impacto. Pode ser tanto com o impacto em primeiro lugar, em que o retorno financeiro não é fundamental, como o segundo caso, em que o retorno é perseguido e que pode gerar impacto para a sociedade”, disse a head da área.

“E é um braço muito voltado para a segunda geração, que é quem mais tem interesse hoje em dia.”

Segundo Coelho, “essa é uma das tendências que envolve as famílias e que deve crescer ao longo dos próximos anos, e o banco se posicionou para prestar o serviço. A demanda existe”. E isso apesar da complexidade e da falta de incentivos fiscais na legislação, diferentemente do que acontece em outros mercados - cada estado tem as suas próprias regras de imposto sobre herança, o ITCMD, por exemplo.

Por fim, outra frente de atuação do banco tem a ver com a assessoria para a mudança de domicílio fiscal, seja pela geração que construiu o patrimônio ou pelas seguintes. “É um movimento mais global do que local, ainda que exista essa percepção de que se trate algo mais concentrado no Brasil”, disse Coelho.

Diante dessas demandas mais recorrentes, o banco tem buscado apresentar as melhores soluções com a visão de todo o patrimônio, destacou o executivo.

Leia mais: BTG Pactual compra banco americano M.Y. Safra para avançar em wealth no exterior

Fernando Coelho, Head do BTG Pactual Family Office (Foto: Divulgação)

Mariana Oiticica montou a área de planejamento patrimonial no banco, que já se aproxima de duas décadas de existência e foi uma das pioneiras em grandes instituições no mercado doméstico.

A franquia de family office, por sua vez, foi montada no BTG Pactual há mais de uma década, na virada de 2011 para 2012, diante da percepção de que tais clientes têm duas características principais: o primeiro é a complexidade inerente que exige uma atenção que vai além de montar, por exemplo, apenas uma carteira de investimentos.

E a segunda veio do entendimento de que, dado que tais famílias mantêm relações comerciais com mais de uma instituição financeira, faz sentido cuidar de todo o patrimônio.

“Um pedra fundamental do nosso modelo de negócios é que a relação da família com o banco independe de ser nossa cliente. Vamos olhar 100% dos recursos, o que está no BTG e também no Itaú, no Safra, no JPMorgan ou em outra instituição”, explicou o head da área de multi family office.

Trata-se de uma visão já contemplada por grandes famílias há muito mais tempo e cuja barra tem descido de modo que fique acessível a clientes com patrimônios menores.

O executivo explicou que o trabalho de sua área é dividida em três verticais: o primeiro é consolidar em relatórios mensais as posições das famílias, em bancos no Brasil e no exterior e em ativos reais.

Leia mais: Quem são e quanto ganham os gestores à frente de family offices no mundo

“É um trabalho ainda muito artesanal, apesar do uso de tecnologia. É o início do trabalho e exige um esforço de parametrização para consolidar uma cota tanto no Brasil como no exterior.”

Outra vertical tem a ver com o serviço mais tradicional de advisory financeiro, mas, de novo, com a visão do todo, e não apenas dos recursos mantidos no banco, ressaltou.

E o terceiro pilar é justamente o do planejamento patrimonial, a partir da compreensão dos objetivos e das estruturas existentes, em parceria com a área respectiva do banco, além de advogados e contadores. Uma vez tomada a decisão, o time ajuda com a execução e a implementação do que foi deliberado.

O banco, por sua vez, é remunerado pelo modelo de fee based, ou seja, um percentual em cima do patrimônio sob seus cuidados, como é mais disseminado em mercados no exterior e que começa a ganhar alcance no Brasil. “Há um vento a favor desse modelo no Brasil”, disse Coelho.

Segundo Oiticica, a importância do planejamento patrimonial, não importa a renda ou os valores em si, permeia os negócios do banco e tem se tornado mais presente, seja por meio de lives ou eventos com banqueiros, advisors e com clientes, disseminando os conceitos essenciais.

“O banco hoje tem a capacidade de gerar conhecimento e de espalhar pelas áreas de produtos”, disse Coelho, citando que um cliente de varejo terá acesso às principais informações e orientações, ainda que não aos profissionais mais sêniores da equipe de Wealth Planning, por exemplo.

Leia também

Na corrida pelos bilhões de wealth, esta gestora buscou um caminho diferente

UBS amplia acesso a research para reter clientes de wealth do Credit Suisse

Etti Partners nasce com R$ 1 bi em ativos e mira wealth e consultoria patrimonial

Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.