Bilionários colhem frutos de aposta em renascimento desta cidade americana

Amazon, Microsoft e Alphabet, do Google, além das tradicionais montadoras GM e Ford, estão entre as empresas que se mudaram para o centro de Detroit ou têm planos de fazê-lo

Michigan Central Station in the Corktown neighborhood of Detroit.
Por David Welch
30 de Junho, 2024 | 07:08 AM

Bloomberg — Para o bilionário Dan Gilbert, fundador da Rocket, uma aposta de US$ 6 bilhões no ressurgimento de Detroit, uma das mais tradicionais cidades americanas, começa a dar frutos.

A General Motors (GM) concordou em meados de abril em mudar sua sede de torres isoladas no rio Detroit para o Hudson’s Detroit, um complexo de vidro e ouro que o investidor e empresário construiu no coração da cidade.

Menos de duas semanas depois, mais de 800.000 pessoas lotaram as ruas para o Draft da NFL, que Gilbert ajudou a levar para a cidade graças ao seu relacionamento com o principal executivo da liga profissional de futebol americano - é o evento anual de recrutamento de novos atletas.

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E, em um centro da cidade em que, até pouco tempo atrás, poucos ousavam andar nas ruas após o escurecer, moradores de longo prazo também estão chegando: novos dados mostram que a população de Detroit aumentou no ano passado pela primeira vez em quase sete décadas.

Para Gilbert e para os jovens que se mudaram para os condomínios luxuosos da cidade, Detroit pouco se assemelha à imagem de crimes da derrocada industrial dos Estados Unidos, há pouco mais de uma década.

Enquanto os centros de cidades como Los Angeles e Chicago lutam contra escritórios vazios e uma recuperação lenta da pandemia, a Motown atravessa uma fase de renascimento, graças em grande parte ao envolvimento de um pequeno grupo de bilionários.

Gilbert, a família Ford, da Ford Motor, e a família Ilitch, que construiu uma fortuna por meio da rede de pizzarias Little Caesars, investiram bilhões em Detroit – tanto que eles ou suas empresas acumularam cerca de 70% do espaço de escritórios no centro da cidade, de acordo com dados da Colliers e documentos das empresas.

Eles têm ocupado imóveis com seus trabalhadores e atraíram empregadores como Amazon (AMZN) e Microsoft (MSFT), que se mudaram dos subúrbios para o centro da cidade.

No início de junho, a Ford abriu a Michigan Central Station, complexo em que a montadora e a Alphabet, holding dona do Google (GOOGL), terão escritórios em uma estação de trem reformada que, por décadas, foi um edifício com arame farpado, grafite e janelas quebradas.

A melhoria da fortuna da cidade atraiu mais um bilionário: o magnata imobiliário Stephen Ross, um nativo de Detroit mais conhecido por seus empreendimentos em Nova York - como o Hudson Yards - e, mais recentemente, no sul da Flórida.

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Ele e os Ilitches elaboraram planos para um projeto de incorporação de US$ 1,5 bilhão que começa com um campus de pós-graduação e tecnologia da Universidade de Michigan, juntamente com mais escritórios, hotéis e prédios residenciais.

“Quem olha para trás, em 2013, vê uma diferença gritante,” disse Gilbert, de 62 anos, em uma entrevista à Bloomberg News. “A cidade tem uma energia que nunca teve antes.”

Gilbert disse que o Hudson’s Detroit vendeu a maioria dos seus novos condomínios de US$ 1 milhão.

Os antigos moradores de Detroit ainda podem encontrar uma franquia da Coney Island vendendo o prato culinário básico da cidade, um cachorro-quente coberto com chili, cebolas e mostarda, mas hoje em dia há listas de espera para restaurantes que vendem bifes envelhecidos a US$ 70 por porção e cordeiro provençal assado por quase US$ 50.

O aluguel médio de apartamentos na área metropolitana subiu quase 5% em abril, para US$ 1.400 por mês, cinco vezes o aumento nacional.

Desafios: atrair mais empresas

Detroit enfrenta desafios para manter esse impulso. Isso porque o grupo tem planejado projetos que trarão mais 190 mil metros quadrados de novos espaços de escritórios para uma área com uma taxa de vacância de 14%.

Para que esses novos empreendimentos funcionem, a cidade precisa atrair mais empresas de fora — sem mencionar os trabalhadores que têm se mantido em home office desde a pandemia.

Em um momento de altas taxas de juros e cautela dos credores em relação ao mercado imobiliário comercial, o projeto Ross-Ilitch ainda não obteve financiamento.

E, embora o centro da cidade tenha atraído jovens trabalhadores abastados, a cidade como um todo ainda luta com uma taxa de pobreza de 30%, que é o triplo da média nacional.

O desemprego na região aumentou em abril e, embora as taxas de criminalidade tenham melhorado, ainda estão entre as piores dos Estados Unidos.

“Estamos em um ponto crucial para a cidade”, disse Randall Book, vice-presidente executivo da Colliers em Michigan e neto de Frank Book, um dos três irmãos que construíram a Book Tower, um dos edifícios que Gilbert reabilitou.

“Tivemos três ou quatro investidores que investiram muito na cidade, mas a comunidade e o sistema educacional precisam se fortalecer para atrair outras empresas para cá.”

Aposta de Gilbert

Ninguém teve um impacto maior no centro da cidade que Gilbert, com uma fortuna estimada em US$ 29,3 bilhões, de acordo com o índice de bilionários da Bloomberg.

Seu plano para Detroit começou com uma reunião em sua sede da Quicken Loans no subúrbio de Livonia em 2007. Sua empresa havia crescido rapidamente e ele queria reunir todos os funcionários em um só lugar, então sugeriu uma mudança para o centro da cidade.

Ele mudou seus primeiros 1.500 funcionários para um espaço alugado em 2010. Uma vez que a economia começou a se recuperar da crise de 2008, Gilbert iniciou uma onda de compras de imóveis em Detroit, muitas vezes pagando em dinheiro, já que nenhum banco tradicional financiaria os negócios.

Ele disse que conseguiu a maioria dos edifícios a preços baixos, porque muitos estavam completamente vazios ou precisavam de grandes reformas.

Na época, o crime no centro de Detroit não era policiado como é hoje e serviços básicos como iluminação pública e limpeza de neve eram, na melhor das hipóteses, irregulares.

O governo da cidade tinha um balanço financeiro que indicava o caminho da falência. Após décadas de êxodo, a população havia diminuído — atualmente são cerca de 633.000 pessoas, um terço do que era no auge, em 1950.

“Os centros das cidades sempre foram lugares em que os ricos e poderosos acumulam propriedades”, disse Conrad Kickert, professor da Universidade de Buffalo que estudou a recuperação de Detroit. “O centro de Detroit é um dos exemplos mais extremos. Nesse caso, ninguém mais o queria. Ninguém em sã consciência teria financiado as aquisições de Gilbert.”

O braço imobiliário Bedrock Detroit de Gilbert acabou acumulando 131 propriedades e 1,7 milhão de metros quadrados, de acordo com documentos da Rocket. Gilbert disse que 90% do espaço que possui no centro está alugado, com 34% ocupado por seus 20.000 funcionários.

“Adotamos a abordagem do Big Bang”, disse Gilbert. “Acreditávamos que se colocássemos nossos funcionários aqui, outras pessoas viriam.”

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Seu projeto mais recente, o Hudson’s Detroit, será inaugurado no próximo ano com um prédio de escritórios ao lado de um arranha-céu de 49 andares com lojas, restaurantes, um hotel e apartamentos. A GM assinou um contrato de aluguel por 15 anos que a manterá como a única grande montadora com sede na cidade.

O Renaissance Center é a casa da GM desde a década de 1990.dfd

Mas mesmo essa mudança mostra alguns dos ventos contrários que Detroit enfrenta. Os dois andares da GM representam menos da metade do espaço que Gilbert queria que a empresa ocupasse, o que significa que ele ainda precisa de outros inquilinos.

“A GM realmente tem apenas uma presença simbólica no centro”, disse Ross em uma entrevista à Bloomberg News.

Ross, que dá nome à escola de negócios da Universidade de Michigan, há muito tempo pensava em retornar a Detroit antes de finalmente se associar à família Ilitch.

O prefeito de Detroit, Mike Duggan, fazia viagens anuais a Nova York para visitar o bilionário e pedir que ele investisse em sua cidade natal. E todos os anos a resposta era a mesma. “Ele dizia que o momento não era certo”, disse Duggan em uma entrevista.

Ele finalmente se interessou pela cidade por volta de 2019. Ross, de 84 anos, disse que viu o que Gilbert havia feito em Detroit e sentiu que o risco era baixo. Ele viu uma oportunidade de criar uma incubadora de talentos com a Universidade de Michigan, que mais tarde seria chamada de Centro de Inovação de Detroit.

Primeiro, ele fez um acordo com Gilbert para criar o centro de inovação da Universidade de Michigan. Mas Gilbert teve um derrame em 2019 e estava lutando com complicações. Sem ele no comando, sua organização não conseguiu fechar o acordo, disse Ross. A sugestão de Duggan foi ligar para Chris Ilitch, que dirige a Ilitch Holdings desde a morte de seu pai, Mike, em 2017.

A volta do entretenimento

Mike Ilitch foi fundamental para criar um distrito de entretenimento na cidade, começando pela compra do histórico Fox Theatre em 1987 e por trazer 1.600 funcionários para o centro da cidade.

Ele negociou um acordo para construir o Comerica Park para os Detroit Tigers, time de beisebol da MLB que é de propriedade da família.

Em 2017, eles abriram a Little Caesars Arena para jogos de hóquei e basquete do Detroit Red Wings e do Detroit Pistons, dois dos times mais tradicionais da NHL e da NBA, respectivamente, substituindo uma instalação antiga que tinha a atmosfera de um armazém e ficava em um canto escuro do centro.

Os acordos para os estádios ancoraram o distrito de entretenimento, que também inclui o Ford Field para os Detroit Lions, da NFL. Durante esse tempo, Ross disse que a família Ilitch adquiriu cerca de 1,3 milhão de metros quadrados de terra ao longo de 20 anos que estavam amplamente subdesenvolvidos e tinham potencial.

Ele e Chris Ilitch esboçaram um plano diretor para localizar um distrito empresarial e educacional perto dos estádios e teatros, com dois hotéis, habitação e espaço para escritórios construídos em um estacionamento com o estádio de beisebol de um lado e o Fox Theatre do outro.

Ross e Ilitch obtiveram aprovação da cidade e do estado de Michigan para um pacote de incentivos públicos no valor de US$ 800 milhões, o que representa metade do custo do projeto. Ainda assim, os bancos estão à margem.

“Com as taxas de juros no patamar em que estão e com o trabalho remoto, levará um tempo para o segmento imobiliário se normalizar”, disse Ilitch. “Estamos confiantes de que isso acontecerá, e, quando os mercados se alinharem, estaremos prontos.”

Isso pode levar tempo. Os inquilinos estão renovando contratos, mas, por causa dos planos flexíveis de trabalho remoto, muitos estão ocupando menos espaço do que tinham.

Os aluguéis de escritórios em Detroit subiram mais do que na maioria das cidades no ano passado, mas a demanda por arrendamento esfriou, disse AJ Weiner, gerente da JLL, empresa de comercialização de imóveis. “Você tem muito espaço bom, mas não há muitos inquilinos procurando”, disse.

Ilitch disse que o desejo dos jovens profissionais de viver na cidade atrairá mais empresas. Mas atrair jovens trabalhadores para empregos de alta tecnologia não ajudará necessariamente os trabalhadores menos qualificados que vivem nos bairros fora do centro, disse Avis Vidal, professora emérita de planejamento urbano na Wayne State University.

“Não há derramamento [de capital] suficiente para melhorar os bairros”, disse ela. “A cidade não tem recursos para tirar essas pessoas da pobreza.”

Incubadora da Ford

O projeto Michigan Central da Ford, localizado em Corktown, o bairro mais antigo de Detroit, visa ser um local para novos talentos. A empresa usará os escritórios da antiga estação de trem para jovens funcionários de tecnologia que desenvolvem veículos elétricos.

O Google também se juntou como inquilino, usando o prédio para abrigar funcionários que desenvolvem drones e soluções de carregamento elétrico.

“Estamos em uma guerra por talentos”, disse o presidente executivo da Ford, Bill Ford. “Precisamos atrair pessoas para espaços de trabalho incríveis. Um parque de escritórios suburbanos não será suficiente.”

Ele assinou com a Newlab, uma incubadora de empresas de tecnologia com sede no Brooklyn que quer fabricar novos produtos, para ocupar uma propriedade ao lado da antiga estação de trem chamada Book Depository Building.

Várias cidades tentaram atrair a Newlab. A proposta da Ford foi que Detroit tem engenheiros que podem fabricar coisas, disse Bill Ford.

A propriedade foi inaugurada em outubro e agora abriga mais de cem startups, que trabalham em avanços como tecnologia resistente ao fogo para baterias de veículos elétricos, robótica e controle de tráfego aéreo para drones. A montadora também desenvolve habitação perto de Michigan Central, com a expectativa de que jovens graduados se mudem para lá.

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À medida que os projetos imobiliários continuam avançando, Gilbert disse que sua aposta não terminou. A sede atual da GM precisará ser reurbanizada e, embora ele não veja muitos edifícios restantes para reformar, ele está aberto a mais negócios.

“Estamos totalmente comprometidos”, disse ele. “Invisto minha riqueza em Detroit.”

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