Atração de jovens talentos em Wall St entra em xeque com jornadas de 100 horas

Cargas de trabalho crescentes testam as promessas dos bancos de melhores condições; para novas gerações, isso amplia o risco de frustração com a carreira no mercado

Distrito financeiro de Nova York: semanas de trabalho de 100 horas estão se tornando mais comuns em Wall Street
Por Katherine Doherty
29 de Junho, 2024 | 06:10 AM

Bloomberg — A maior pressão e as longas jornadas de trabalho entre banqueiros juniores de Wall Street têm ficado ainda pior à medida que os bancos saem de um momento menos movimentado de negócios – e com um número menor de funcionários – para grandes projeções à frente, em um cenário de juros mais baixos.

Um trainee do JPMorgan (JPM) e outro do UBS, por exemplo, disseram que registram mais horas semanais nos sistemas de ponto para que os chefes não os obriguem a abrir mão dos únicos momentos livres do dia.

No Bank of America (BAC), dois trainees disseram que, em vez disso, registram menos horas para evitar violar os limites de 100 horas, o que pode levar a uma ligação do RH, o que causa problemas aos gerentes.

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Quando os bancos ficam com menos funcionários juniores para ajudar com análises e apresentações, cabe aos superiores informarem os chefes sobre a “falta de braço”. Mas nem sempre a mensagem é bem recebida.

Recentemente, uma funcionária do Citigroup (C) lembrou que teve que responder a um diretor que não conseguiria entregar uma demanda, já que todos da equipe estavam ocupados. A resposta chegou mais tarde com a frase: “Estou decepcionado com você”.

Entrevistas com banqueiros juniores atuais e recém-saídos e seus gerentes mostram que as semanas de trabalho de 100 horas, que nunca desapareceram, estão novamente se tornando mais comuns à medida que os bancos de investimento buscam um fluxo modesto, mas crescente, de negócios.

Os funcionários que falaram à Bloomberg News pediram para não serem identificados para proteger suas carreiras.

As cargas de trabalho crescentes testam as promessas que os bancos fizeram há apenas alguns anos de dar pausas aos trainees e proteger sua saúde - inclusive a mental. E, para os jovens profissionais, isso traz o risco de frustrações de volta à tona.

Operações de M&A voltaram a sugir no fim do ano passado. Fonte: Bloombergdfd

A morte, em 2 de maio, de Leo Lukenas, do Bank of America, em decorrência de um ataque cardíaco - apenas alguns dias depois de ele ter concluído um negócio de US$ 2 bilhões – desencadeou uma manifestação desses sentimentos em grupos online.

Embora as autoridades tenham atribuído a morte de Lukenas a causas naturais, os usuários anônimos desabafaram sobre o excesso de tarefas e pediram uma greve, algo que nunca se concretizou.

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O Bank of America disse que seus executivos levam a sério a saúde dos trainees e que a empresa revisa frequentemente as políticas para garantir que eles estejam protegidos.

Quanto à forma como são registradas as horas, a empresa disse: “nossa prática é clara e esperamos que os funcionários registrem suas horas com precisão”.

Os porta-vozes do JPMorgan, UBS e Citigroup não quiseram comentar.

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Longas horas sempre foram uma faceta dos programas de treinamento de Wall Street.

Mas, diferentemente da grande quantidade de atividades que os trainees de bancos enfrentaram durante a pandemia, a sensação recente é a de que grande parte do trabalho é “especulativo”, já que os chefes tentam posicionar suas empresas para uma recuperação, especialmente quando as taxas de juros caírem.

Como muitas mesas de trading estão apenas começando a ver a receita aumentar, os trainees têm pouca influência para exigir melhores condições.

“A cultura no setor bancário não está acompanhando os tempos e as necessidades dos banqueiros juniores”, disse Stephan Meier, professor da Columbia Business School. Em vez disso, os supervisores continuam cometendo o erro de ver os trainees como recursos a serem usados ou desperdiçados, disse ele.

Saúde em jogo

Nos últimos anos, as empresas reforçaram as proteções e os benefícios, como garantir alguns sábados de folga ou oferecer planos gratuitos em academias.

No entanto, as cargas de trabalho não foram reduzidas para permitir isso, disseram os funcionários em entrevistas. Isso faz com que eles discutam com seus colegas ou, pior ainda, irritem os chefes mais poderosos que precisam impressionar.

Uma banqueira júnior que deixou o Lazard no final do ano passado disse que não conseguiu pedir ajuda, mesmo com a piora de sua saúde.

Ela sentiu uma pressão no peito enquanto trabalhava, pesquisou no Google “sintomas de ataque cardíaco” e entrou em contato com uma linha direta de atendimento médico, que a aconselhou a procurar um médico.

Mas ela ficou em sua mesa, preocupada com o fato de que, se fosse um alarme falso, os chefes considerariam a ida ap médico como uma desculpa ruim para não cumprir os prazos. Sentindo-se pior meses depois, ela pediu demissão para começar uma nova carreira.

Um trainee de outro grande banco disse que também continuou trabalhando enquanto sentia dores no peito depois de tomar um energético para terminar uma semana de 100 horas.

Ele pensou em consultar um médico, mas todos os outros membros de sua equipe estavam trabalhando as mesmas horas, e ele não queria se destacar como aquele que não conseguia trabalhar.

Uma pesquisa feita em maio pela plataforma de mídia social Overheard on Wall Street constatou que os banqueiros juniores estão trabalhando, em média, cerca de 80 horas por semana – o que equivale a mais de 11 horas por dia, incluindo os fins de semana – e dormindo cerca de cinco horas por noite.

No entanto, alguns dos cerca de 200 participantes afirmaram ter cumprido semanas de 140 horas, deixando apenas quatro horas por dia para dormir e resolver assuntos pessoais.

Quando pedidos para classificar sua saúde mental e física em uma escala de 1 a 10, as respostas médias foram 2 e 3, respectivamente, de acordo com uma cópia dos resultados vista pela Bloomberg News.

Uma pergunta sobre a pressão exercida sobre os jovens banqueiros chegou a ser incluída no dia anual do investidor do JPMorgan no mês passado.

Jennifer Piepszak, codiretora de bancos comerciais e de investimento, respondeu que nada é mais importante do que o bem-estar dos funcionários e que os gestores precisam garantir isso.

Conflitos na equipe

Em muitos bancos, a função de subgerente existe há décadas. Eles aparecem no livro de Michael Lewis, que retrata a vida no Salomon Brothers nos anos 80, e no livro de John Rolfe e Peter Troob, que narra a vida de jovens banqueiros na Donaldson, Lufkin & Jenrette durante a bolha das empresas ponto-com.

Embora muitos desses funcionários não estejam no topo da hierarquia corporativa, os bancos geralmente pedem a eles que garantam que os superiores não exijam demais dos recém-chegados.

Ainda assim, vários banqueiros juniores entrevistados pela Bloomberg News descreveram seus colegas de equipe como conflitantes – querendo mais impressionar os profissionais da área e subir na hierarquia do que reagir a condições ruins de trabalho.

Um funcionário do Citigroup disse que sempre dizia a seu responsável que suas horas semanais estavam ultrapassando as 100 horas que o software do banco permitia que ele registrasse – e a resposta era que todos estavam sobrecarregados e que as tarefas ainda precisavam ser feitas.

Para aqueles que persistem, o objetivo continua sendo uma carreira bem remunerada. Nos bancos de investimento, esse beneficio pode não ser tão abundante como quando os programas de trainee foram criados.

Mas a experiência ainda é valiosa, com muitos banqueiros juniores logo migrando para casas de private equity ou wealth management.

- Com a colaboração de Todd Gillespie, Ryan Gould e Peter Eichenbaum.

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