Bloomberg Opinion — Joe Biden poderia ter começado a escrever o capítulo final de sua carreira política há mais ou menos um ano, quando ainda controlava a narrativa.
Ele poderia dizer que encerrou sua longa jornada no serviço público após derrotar Donald Trump nas eleições em 2020, revitalizar a economia dos Estados Unidos e levar o país a superar a covid e que, portanto, decidiu não buscar um segundo mandato para que a próxima geração de democratas possa garantir a Casa Branca e a democracia para o povo americano.
Em vez disso, um desempenho humilhante e perturbador no debate da quinta-feira (27) domina o capítulo final de Biden.
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Ele entrou no palco do debate como a velha alma que é, raramente respondia às perguntas com mais do que um sussurro rouco, muitas vezes parecia confuso e não conseguiu deixar sua marca com momentos memoráveis.
Biden foi tão abismal que Donald Trump, um criminoso condenado e predador sexual, dominou o debate e deixou Biden parecendo um saco de pancadas.
Talvez seja hora de Biden considerar a possibilidade de abdicar a candidatura e seguir em frente – e uma intervenção pode ser necessária para acelerar esse processo antes da Convenção Nacional Democrata em agosto.
Essa realidade torna a primeira-dama Jill Biden, a irmã do presidente, Valerie Biden Owens, e outros conselheiros de confiança, incluindo Mike Donilon, Anita Dunn, Ted Kaufman e Ron Klain, as pessoas mais importantes do Partido Democrata neste momento.
Eles precisam convencer Biden a liberar seus delegados e abrir caminho para um sucessor – um grupo que certamente inclui a vice-presidente Kamala Harris, o governador da Califórnia Gavin Newsom e a governadora de Michigan Gretchen Whitmer.
Outros candidatos, como o governador de Illinois, J.B. Pritzker, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e o secretário de Transportes, Pete Buttigieg, também podem estar interessados em candidaturas presidenciais.
Biden concorreu à presidência três vezes antes de vencer em 2020, e seu ego pode impedi-lo de desistir.
Ele passou a maior parte de sua vida adulta no Senado e na Casa Branca. Ele também fez uma aposta admirável, corajosa e necessária ao escolher debater com Trump tão cedo no ciclo eleitoral.
Biden apostou que poderia ficar lado a lado com Trump e provar que ele era mais vital. Mas ele perdeu a aposta.
Embora Trump tenha mentido de forma ampla e descarada durante todo o debate, ele foi mais afiado e muito mais rápido do que nas últimas aparições de campanha. Ele ofuscou Biden e a presença nebulosa e lenta do presidente, reforçando as dúvidas sobre sua capacidade de conduzir o Estado.
Isso não significa que Trump esteja apto para o cargo. O gabinete de Biden é composto por pessoas criteriosas e talentosas, e o próprio presidente tem sido determinado ao longo de sua carreira.
Mas esta é uma eleição, não um boletim de administração. Os eleitores geralmente reagem aos candidatos de forma emocional e as percepções de liderança podem ser profundamente subjetivas.
Nesse universo, o debate de quinta-feira foi um revés monumental e debilitante para Biden. Ele não conseguiu apresentar argumentos completos e lineares sobre sua posição em relação a questões fundamentais, como aborto e imigração.
Algumas perguntas com as quais ele lidou inicialmente de forma eficaz, como uma sobre inflação e economia, acabaram seguindo um caminho sinuoso e desconcertante.
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Os partidários mais leais de Biden podem perdoar tudo isso, assim como os fãs de Trump têm uma paciência infinita com suas ilegalidades e palhaçadas.
Mas os eleitores moderados e independentes em estados decisivos têm tido pouca paciência com qualquer um dos dois homens, e o debate pode deixá-los permanentemente desconfiados em relação a Biden.
Biden teve um desempenho tão desconcertante que Trump se safou de todas as suas atrocidades habituais.
Trump sofreu processo de impeachment duas vezes como presidente, e recentemente foi considerado culpado em três tribunais diferentes por agressão sexual e fraude criminal e civil. Ele enfrenta três outros processos criminais. Mesmo assim, ele conseguiu tentar rotular Biden de “criminoso” durante o debate.
Trump, de 78 anos, também ofereceu uma lista de declarações falsas, incluindo a alegação de que Biden quer quadruplicar as taxas de impostos pessoais e foi subornado pela China; que o déficit federal é o maior de todos os tempos; que ele aprovou o projeto de lei Veterans Choice; que Biden o indiciou; que mais de 18 milhões de imigrantes sem documentos entraram nos EUA durante a presidência de Biden; que os EUA pagaram 100% dos gastos com defesa da OTAN antes de sua própria presidência; que nenhum ataque terrorista ocorreu durante sua presidência e que os estados liderados por democratas permitem que bebês sejam executados depois de nascerem.
Mesmo assim, Trump tentou rotular Biden de “mentiroso” durante o debate.
Biden, por outro lado, foi certeiro quando disse a Trump que ele tem “a moral de um gato de rua” por ter se envolvido com uma atriz pornô durante seu terceiro casamento. O próprio Trump também se entregou brevemente à verdade quando disse que não aceitaria o resultado da eleição deste ano caso perdesse.
Trump também mencionou durante o debate que estava concorrendo à presidência porque achava que Biden tinha sido um presidente singularmente ruim.
Suspeito que o principal fator que motiva a candidatura de Trump é sua crença de que uma segunda permanência na Casa Branca permitirá que ele escape dos vários processos judiciais que o perseguem.
A sórdida história política e de negócios de Trump e suas declarações durante o debate são lembretes de como é imperativo que os eleitores não o mandem de volta ao Salão Oval.
Ele e Biden devem debater novamente em setembro, e talvez o democrata veja isso como uma oportunidade de dar uma guinada em sua candidatura. Infelizmente, pode ser tarde demais.
Os EUA estão em águas perigosas e Biden sempre reconheceu isso. Ele também fez um enorme bem ao proteger e preservar a democracia no país e no exterior. Mas ele teve sua chance e agora não conseguiu. Ele deveria considerar a possibilidade de deixar a disputa.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Timothy L. O’Brien é editor executivo senior da Bloomberg Opinion. É ex-editor e repórter do New York Times e autor de “TrumpNation: The Art of Being the Donald”.
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