Opinión - Bloomberg

O que a correção nas ações da Nvidia revela sobre a tese de investimento em IA

Investidores têm precificado os papéis da empresa com base em expectativas de lucros cada vez maiores, mas há muito espaço para correção se as projeções não se confirmarem

Apostar em um setor relativamente novo e em rápida evolução pode não significar lucro certo (Foto: Ian Maule)
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg — De vez em quando, surge uma empresa que é tão dominante e cresce tão rapidamente que parece ser a única ação com a qual todos se importam.

Estou me referindo, é claro, à Nvidia (NVDA), a gigante dos chips que alimenta a inteligência artificial (IA). Suas ações subiram 4.000% nos últimos cinco anos, tornando-a uma das três empresas mais valiosas do mundo, ao lado da Microsoft (MSFT) e da Apple (AAPL).

A Nvidia merece toda a atenção. Sua participação no mercado de chips de IA é de cerca de 90%. Sua margem de lucro é de 57% sobre uma receita de US$ 80 bilhões, de longe a maior entre as empresas com rentabilidade comparável no índice S&P 500. Ela também aumentou suas vendas em 64% ao ano nos últimos cinco anos, a maior taxa de crescimento entre as empresas do S&P 500.

A Nvidia é claramente uma grande empresa, mas será que é um grande investimento?

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Para responder a essa pergunta, é preciso considerar também o valuation, que geralmente é o outro lado da lucratividade. As empresas de crescimento rápido e altamente lucrativas tendem a ter um prêmio, e a Nvidia não é exceção. A 76 vezes o lucro operacional de um ano, seu valuation é mais de três vezes maior que a do S&P 500 e duas vezes mais alto que a da Microsoft e da Apple.

Leia mais: Como a Nvidia se tornou a empresa mais valiosa do mundo, à frente de Microsoft e Apple

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Sem dúvida, os investidores argumentariam que apostam no futuro da Nvidia, não em seu passado, e que o crescimento futuro justifica seu preço atual.

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Para ajudar, a Bloomberg compila as estimativas de crescimento dos lucros de “longo prazo” dos analistas, que representam a taxa anual à qual os analistas esperam que as empresas aumentem os lucros operacionais por ação em seu próximo ciclo de negócios, geralmente de três a cinco anos.

A taxa de crescimento de longo prazo consensual da Nvidia é de 43% ao ano, que está entre as mais altas para as empresas do S&P 500 e múltiplas vezes maior que a da Microsoft e da Apple.

Nesse ritmo, o lucro operacional por ação da Nvidia deve subir de US$ 19 atualmente para US$ 80 em quatro anos, resultando em uma relação preço/lucro (P/L) de longo prazo, digamos assim, de 18.

Classificando as empresas do S&P 500 nessa medida em ordem decrescente, a relação P/L de longo prazo da Nvidia está em 116º lugar e é quase idêntica à da Microsoft e da Apple. Em outras palavras, depois de levar em conta o maior crescimento esperado da Nvidia, ela não é mais cara do que outras gigantes da tecnologia.

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Leia mais: Como esta empresa de tecnologia expandiu as vendas de IA sem contratar vendedores

Há apenas um problema: quanto mais os analistas tentam estimar os lucros, mais incertas se tornam suas projeções, e essa incerteza é maior para algumas empresas do que para outras.

A Microsoft e a Apple são empresas maduras que ganham dinheiro com uma base de clientes que inclui quase todas as pessoas com uma tela. A Nvidia, por outro lado, atende a um mercado mais novo, embora mais promissor, focado em IA, cujo futuro é menos certo, assim como o papel da Nvidia nele.

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Portanto, seria de se esperar mais discordância sobre o crescimento futuro da Nvidia do que o da Microsoft e da Apple e, de fato, esse é o caso.

A Bloomberg também calcula o desvio padrão – ou variabilidade – das estimativas de crescimento dos lucros de longo prazo dos analistas. Uma variabilidade maior indica menos concordância entre os analistas e vice-versa.

Acontece que a variabilidade das estimativas de crescimento de longo prazo da Nvidia é três vezes maior que a da Microsoft e quatro vezes maior que a da Apple.

Portanto, embora os três tenham índices P/L de longo prazo semelhantes, os da Microsoft e da Apple são sustentados por previsões mais modestas, mas também mais estáveis, enquanto os da Nvidia se baseiam em projeções mais otimistas e mais difíceis de serem definidas.

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Isso destaca o risco de depender de lucros futuros para justificar o preço atual de uma ação, principalmente quando a perspectiva é nebulosa, como parece ser o caso da Nvidia.

Se as previsões consensuais de crescimento da empresa se mostrarem muito otimistas, as ações serão reavaliadas, e há muito espaço para correção.

Recentemente, houve várias comparações entre a Nvidia e a Cisco Systems (CSCO), e por um bom motivo. Assim como os chips da Nvidia que impulsionam a IA hoje, a Cisco construiu os roteadores que alimentaram uma internet em expansão na década de 1990, e o frenesi em torno das ações da internet fez da Cisco a empresa mais valiosa do mundo por um tempo.

Leia mais: O que o Vale do Silício pode aprender com os ‘unicórnios’ de IA do Japão

O que é mais instrutivo nessa comparação é o quanto os investidores da Cisco se mostraram equivocados. Durante a década de 1991 a 2000, a Cisco aumentou seus lucros operacionais em 71% ao ano, ostentando lucros de US$ 4,6 bilhões no ano fiscal de 2000 e um valuation robusto de 233 vezes os lucros finais, sem dúvida justificada por previsões confiantes de um crescimento contínuo e extraordinário.

Mas quando a bolha da internet estourou em 2000, a sorte da Cisco mudou rapidamente. Os lucros operacionais despencaram para apenas US$ 21 milhões no ano fiscal de 2001 e, quando recuperaram o nível de 2000, dois anos depois, a Cisco era negociada a 39 vezes os lucros finais – uma fração do valuation de 2000. Desde então, esse valor tem apresentado uma tendência de queda.

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Isso não significa que um destino semelhante aguarda a Nvidia, mas demonstra os perigos de se apostar em um futuro brilhante em um setor novo e em rápida evolução.

“Os chips de GPU da Nvidia são basicamente o novo ouro ou petróleo do setor de tecnologia”, escreveu recentemente Daniel Ives, analista da Wedbush Securities. Talvez não seja coincidência o fato de que a trajetória de ambas as commodities seja notoriamente difícil de prever.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Nir Kaissar é colunista da Bloomberg Opinion e cobre mercados. Fundou a Unison Advisors, uma empresa de gestão de ativos.

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