Da Indonésia ao Vietnã, países asiáticos veem os Brics como alternativa ao Ocidente

Assim como a América Latina, países da Ásia buscam trilhar um caminho próprio para não ficarem à mercê dos Estados Unidos ou da China

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Bloomberg Opinion — Da Índia à Indonésia, os países asiáticos têm se tornado menos dependentes do Ocidente. Surge uma nova autoconfiança à medida que esses países contrapõem seus interesses de segurança com os dos Estados Unidos e suas necessidades econômicas com as da China ou as da Rússia.

Esse é o tema do novo livro do autor e ex-diplomata britânico Samir Puri, Westlessness: The Great Global Rebalancing (“Para longe do Ocidente: o grande reequilíbrio global”, em tradução livre), e é um fenômeno que as pessoas de fora da região precisam entender melhor.

A decisão do primeiro-ministro da Malásia, Anwar Ibrahim, na semana passada, de declarar seu interesse em se juntar aos Brics – bloco econômico cofundado em 2009 por Brasil, Rússia, Índia e China e, posteriormente, pela África do Sul - é um bom exemplo disso.

O grupo de economias emergentes foi ampliado em janeiro de forma a incluir outros países do chamado “Sul Global”, como Irã, Etiópia, Egito e Emirados Árabes Unidos. Os Brics agora representam 42% da população mundial e 36% do PIB global.

Anwar destacou o fato de que os Brics dobraram de tamanho este ano, em parte por oferecer acesso a financiamento, mas também porque esses países sentem que podem operar sem ter que se curvar aos EUA ou ao Ocidente. O Vietnã, a Indonésia e a Tailândia também consideram a possibilidade de aderir ao grupo.

É claro que há riscos, devido à sua possível irrelevância e o que parece ser uma busca equivocada de uma estratégia de desdolarização.

Entretanto, o bloco oferece uma alternativa às instituições lideradas pelo Ocidente, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) – entidade lembrada menos por suas previsões econômicas e mais pelas dolorosas medidas de austeridade que impôs após a crise financeira asiática do final da década de 1990.

Embora os bancos centrais de países como Indonésia e Coreia do Sul tenham sido, sem dúvida, responsáveis por grande parte de seus próprios problemas, as altíssimas taxas de juros que o FMI insistiu em impor tiraram a vida de suas economias e dizimaram a classe média.

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Por ter crescido na Indonésia na década de 1990, vi as consequências em primeira mão. Uma de minhas lembranças mais marcantes é a foto infame, em 1998, do então chefe do FMI, Michel Camdessus, de braços cruzados, erguendo-se acima do presidente da Indonésia, Suharto, enquanto ele assinava um impopular acordo de resgate.

É a imagem de um mestre colonial que domina seu protetorado, um símbolo do imperialismo ocidental e da mão pesada. A ditadura de 32 anos de Suharto terminou quando ele deixou o poder em meio a protestos de rua desencadeados pelo caos econômico quatro meses depois.

Desde então, o FMI reconheceu seus erros. Os cortes de gastos e as dolorosas reformas impostas à Indonésia na época paralisaram a economia, em um cenário de crescente descontentamento e protestos políticos que ameaçaram destruir o arquipélago.

Em uma recente viagem a Jacarta, algo que ouvi de políticos e cidadãos foi que Washington não manda mais – e nem Pequim, a nova superpotência da Ásia que agora é a maior ameaça militar e também um dos maiores clientes de Jacarta e de muitos de seus vizinhos.

Esse é um equilíbrio difícil de ser alcançado, mas que mais líderes asiáticos estão interessados em demonstrar. O presidente das Filipinas, Ferdinand Marco Jr., em uma cúpula de segurança em Singapura no início deste mês, refletiu essa autoconfiança quando disse: “somos os personagens principais de nossa história coletiva. Somos os donos das narrativas de nossa comunidade regional”.

Esse desejo de criar uma Ásia para os asiáticos, sem a influência prepotente do Ocidente, não é novo. Em 1955, o então primeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, e o presidente da Indonésia, Sukarno, deram início ao Movimento dos Países Não Alinhados na Conferência de Bandung, cujo nome vem da cidade da Jamaica Ocidental que a sediou.

A ideia era dar um papel aos países em desenvolvimento em face da Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, bem como defender a descolonização de países ainda sob ocupação.

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Países como a Índia e a Indonésia se livravam dos grilhões do império e tinham o desejo de tomar emprestadas algumas ideias do Ocidente, mas rejeitar aquelas de que não gostavam.

Isso significava manter Shakespeare e o Rijsttafel – uma refeição e um estilo de alimentação que pode incluir até 40 pratos indonésios e que é uma herança dos tempos coloniais holandeses – mas eliminar o racismo e a condescendência, marcas registradas da era colonial.

A diferença agora, como Puri aponta, é que isso está acompanhado por uma mudança no poder global do Ocidente para o Oriente, mais visível na ascensão da China como a segunda maior economia do mundo.

Ele observa que não se trata de uma rejeição total das normas ocidentais, mas de um distanciamento da era na qual o Ocidente tinha uma influência global incontestável.

“Todos nós que estamos vivos hoje viveremos essa era de transição”, ele me disse. “A Ásia está na vanguarda da mudança, e é injusto caracterizar isso apenas como uma atitude de cercamento, de hesitação ou até mesmo de reviravolta.”

Isso não quer dizer que a Ásia não precise do Ocidente e, em particular, dos Estados Unidos. Mas há ceticismo em relação à vulnerabilidade dos valores ocidentais quando se trata de normas democráticas e compromissos com o direito internacional, principalmente em conflitos como o que ocorreu entre Israel e o Hamas, que causou um sofrimento civil incalculável em Gaza; um ponto sensível para muitos no Sul Global.

Quando Puri fala sobre ficar em cima do muro, é um indicativo de como a região é frequentemente vista como dividida entre os Estados Unidos e a China, incapaz de forjar seu próprio caminho além das duas grandes superpotências rivais. No entanto, esse é um prisma redutor para se enxergar a Ásia. Cada vez mais, a região traça seu próprio curso, exatamente como deveria.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Karishma Vaswani é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a política da Ásia com foco especial na China. Anteriormente, foi a principal apresentadora da BBC na Ásia e trabalhou para a BBC na Ásia e no Sul da Ásia por duas décadas.

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