Opinión - Bloomberg

Por que nos sentimos mais cansados apesar de termos mais tempo para dormir

Mudança em rotinas com a pandemia gerou mais minutos de sono, mas o aumento do estresse, do tempo com telas e jornadas irregulares de trabalho pioraram a sua qualidade

Pessoa debruçada sobre mala, provavelmente dormindo
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Os americanos estão dormindo mais do que em qualquer outro momento nos últimos 20 anos, segundo uma nova pesquisa que mede a forma como usamos o tempo. Mas um novo estudo da Gallup diz que estamos mais estressados e dormindo menos. Os dois podem estar certos.

Uma análise mais detalhada mostra que a pandemia causou uma mudança no uso do tempo para alguns de nós, mas não mudou um problema de sono de longa data.

As pessoas com os trabalhos mais cansativos e que prejudicam o sono não colheram nenhum dos bônus de sono pós-pandemia. Outros passam mais tempo na cama, mas se revirando.

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As duas pesquisas mediram coisas um pouco diferentes. Os dados que mostram que estamos dormindo mais vêm da pesquisa American Time Use Survey, feita pelo laboratório de estatísticas dos EUA e pelo censo do país. Ela pede a uma amostra de pessoas que listem as coisas que fazem durante o dia.

Durante a pandemia, esses dados mostraram um grande aumento no número de profissionais que trabalham de casa. E as pessoas que trabalham de home office dormem cerca de 30 minutos mais pela manhã e, no geral, têm maior tempo de sono, disse Victoria Vernon, economista da SUNY Empire State.

A tendência de trabalhar em casa fez com que o sono noturno médio dos Estados Unidos aumentasse em 10 minutos entre 2019 e 2022. Isso acelerou um aumento constante no tempo de sono que remonta a 2003.

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Para aqueles que começaram a trabalhar de casa durante a pandemia, parte do tempo extra de sono veio do tempo anteriormente gasto com cuidados pessoais e deslocamento, que juntos levam em média 89 minutos por dia para as pessoas que trabalham fora de casa.

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A nova pesquisa da Gallup, por sua vez, questionou as pessoas mais diretamente sobre o sono e o estresse e mostrou uma mudança repentina não observada na outra pesquisa: desde a pandemia, as pessoas ficaram menos satisfeitas com a qualidade e a quantidade de seu sono.

Em 2023, 57% dos americanos disseram que se sentiriam melhor se dormissem mais, em comparação com 43% que se sentiam assim em 2013.

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E, ainda mais preocupante, o número de pessoas que dormem menos de cinco horas aumentou para 20%, em comparação com cerca de 15% nos anos anteriores (especialistas em sono dizem que a maioria de nós precisa de pelo menos sete horas).

Uma possível causa: o National Institutes of Health (NIH) diz que 50 a 70 milhões de americanos sofrem de distúrbios do sono. O mais comum deles é a insônia, que está associada ao estresse e a problemas de saúde mental, disse Renske Lok, especialista em medicina do sono da Universidade de Stanford.

Os dados da Gallup mostram que o estresse está em nível mais alto do que nos últimos 30 anos, e que quase metade dos entrevistados afirmaram sofrer de estresse frequente. Os problemas de saúde mental também aumentaram desde 2020.

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Talvez parte da mudança possa ser encontrada em outras mudanças no uso do tempo associadas à covid.

As pessoas também começaram a passar mais tempo na frente de telas, por exemplo, que podem interromper o sono se usadas muito perto da hora de dormir. E mais tempo sozinho pode contribuir para problemas de saúde mental, como estresse e depressão, que podem interromper o sono.

Mathias Basner, especialista em sono da Universidade da Pensilvânia, disse que o aumento do uso de rastreadores de condicionamento físico, como relógios smartwatch, também vem conscientizando as pessoas sobre problemas de sono que elas não sabiam que tinham.

Preocupar-se com a falta de sono pode criar um ciclo de feedback, disse Lok, de Stanford. “No momento em que você não consegue dormir, pensa: ‘eu quero muito dormir, mas não consigo’”, disse ela.

Isso é algo que muitos de nós já experimentamos na noite anterior a uma grande apresentação ou competição. Quando isso acontece com frequência, diz Basner, os especialistas chamam isso de “ortossônia”.

Mas o trabalho, segundo Basner, ainda é a maior imposição ao nosso sono. As pessoas precisam de um determinado período de tempo para relaxar e descontrair de diferentes maneiras, de modo que a imposição de horas extras aos funcionários deve ser feita fora de seu tempo de sono.

O trabalho em turnos geralmente força as pessoas a tentar desafiar os ciclos naturais de sono de seus corpos. Os ciclos de sono dependem não apenas do tempo que passamos acordados, mas também da hora do dia, disse Lok.

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Para a maioria das pessoas, os turnos noturnos, os turnos rotativos ou os turnos imprevisíveis são incompatíveis com o ritmo circadiano humano.

De acordo com um novo estudo publicado na revista PLOS One, trabalhar fora do padrão habitual das 9h às 17h afeta a saúde física e mental das pessoas a longo prazo.

O estudo utilizou dados sobre saúde, sono e padrões de trabalho de 7.000 pessoas nascidas na década de 1960, começando quando elas tinham 22 anos e abrangendo os 30 anos seguintes.

As pessoas que passavam a maior parte do tempo em turnos noturnos ou turnos “voláteis” eram as mais propensas a relatar uma deterioração em sua saúde mental e física quando completaram 50 anos.

É difícil para as pessoas que trabalham em turnos rotativos ou imprevisíveis conseguir dormir o suficiente em quantidade ou qualidade, disse o principal autor do estudo, Wen-Jui Han, professor da NYU Silver School of Social Work.

Essas mesmas pessoas geralmente tinham empregos mal remunerados e com poucos benefícios, e não foi possível identificar o impacto desses fatores na saúde.

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Esses são caminhoneiros e vários outros trabalhadores que sustentam nossa economia 24 horas por dia. Eles não ganharam nenhum bônus de sono com a tendência do trabalho remoto - embora sejam os que precisem dormir mais.

Os cientistas estão felizes com o fato de as pessoas estarem levando a sério os perigos da privação de sono, mas dizem que não devemos levar essa questão a ponto de perdermos o sono por causa disso.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Faye Flam é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre ciência. É apresentadora do podcast “Follow the Science”.

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