Bloomberg — Neste verão no hemisfério norte, inúmeros banqueiros e profissionais do mercado financeiro deverão ir aos Hamptons ou à Europa. E alguns deles viajarão quase todos os fins de semana – mas para jogar lacrosse.
Jake Carraway, 26 anos, que trabalha com investment banking no Barclays, é um dos muitos jogadores da Premier Lacrosse League (PLL) que passará os próximos meses equilibrando a vida de atleta profissional com uma carreira em tempo integral em finanças.
Carraway, que começou a trabalhar em Wall Street em 2021 depois de jogar lacrosse como estudante na Universidade de Georgetown, é meia (midfielder) do Philadelphia Waterdogs da liga iniciante.
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"Não tirei férias de verdade desde que comecei a trabalhar", disse Carraway.
Depois de muitos jogadores tentarem equilibrar os treinos com reuniões virtuais e longa jornada de trabalho, os Waterdogs enfrentaram os Utah Archers na abertura da temporada em 1º de junho deste ano, uma revanche do campeonato do ano passado.
O jogo foi um dos quatro confrontos do fim de semana no Estádio Tom & Mary Casey da Universidade de Albany, que atraiu milhares de torcedores. Apesar de marcar sete gols consecutivos no segundo tempo, os Waterdogs perderam por 12 a 11.
Os laços do Lacrosse com Wall Street são profundos. A popularidade do esporte nas escolas de ensino médio de elite criou um canal para faculdades e universidades de prestígio, nas quais os jogadores criam conexões com ex-alunos influentes e, por fim, trocam seus pads e tacos de lacrosse por ternos e planilhas.
Assim como Wall Street, o lacrosse nos Estados Unidos também tem sido frequentemente associado a comunidades ricas e brancas. No entanto, várias organizações têm trabalhado para aumentar a diversidade e tornar o esporte mais acessível fora de seus grupos habituais.
Um jogador do Waterdogs, Ryan Conrad, é membro do conselho de Nova York da Harlem Lacrosse, que usa os jogos para ajudar crianças que correm risco de abandonar a escola a continuar seus estudos. A Goals for Greatness, dirigida por um dos fundadores da PLL, também busca aumentar o acesso ao lacrosse.
Enquanto as gerações anteriores de banqueiros-atletas estenderam suas carreiras no lacrosse jogando em ligas menores por pouco dinheiro em seu tempo livre, a PLL, com dinheiro de investidores e um acordo de transmissão de TV, ofereceu aos jogadores dinheiro e visibilidade sem precedentes.
“Sempre quis jogar como profissional”, disse Conrad, 27 anos, da equipe de mercados de capitais da KKR & Co. que joga no meio de campo do time da Filadélfia com Carraway.
Ainda assim, Carraway, Conrad e muitos outros jogadores profissionais de lacrosse estão tentando encaixar seus treinos e jogos em meio a longas horas de trabalho no escritório.
Os funcionários de nível júnior do setor financeiro podem ter semanas de 80 horas de trabalho, incluindo domingos. A PLL joga nos finais de semana em 10 cidades de junho a meados de agosto, com playoffs que vão além do Dia do Trabalho (1º de maio).
“É caótico”, disse Carraway. “Vamos estar em uma cidade diferente todo fim de semana até setembro.”
Dezenas de jogadores da PLL se apresentaram na Universidade de Albany, cerca de 241 km ao norte de Wall Street, para um offsite antes da temporada atual. Eles jogaram boliche e jantaram com a equipe entre os treinos e os jogos, mantendo contato com o escritório.
“Sem dúvida, houve algumas reuniões de manhã cedo e outras tarde da noite”, disse Conrad, “mas, em geral, foi uma ótima semana.”
Durante a temporada, os jogadores que têm empregos tradicionais no mercado financeiro geralmente voam para a cidade-sede do fim de semana na quinta-feira.
Sam Handley, analista de investment banking da Imperial Capital em Los Angeles e midfielder do Denver Outlaws, disse que os jogadores trabalham na sexta-feira em seus hotéis, “tentam tirar um cochilo no almoço, treinam à noite, jogam no sábado” e voltam para casa no domingo.
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A tecnologia e a flexibilidade do local de trabalho tornaram mais viáveis as carreiras simultâneas em finanças e esportes.
Antes de a covid-19 popularizar o trabalho remoto, a maioria dos empregos nos setores bancário e financeiro era no escritório cinco dias por semana — no mínimo.
A mudança de atitude em relação ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional ajudou os jogadores a manterem seus treinos matinais e a administrarem os fins de semana fora.
Décadas atrás, quando Kevin Lowe jogava lacrosse enquanto subia na hierarquia do Merrill Lynch e do Lehman Brothers, os empregadores não estavam tão dispostos a fazer concessões.
Lowe, duas vezes campeão nacional da NCAA em Princeton e membro do National Lacrosse Hall of Fame, passou quase uma década jogando profissionalmente enquanto trabalhava em Wall Street.
“Ser um jovem atleta naquela época era um pouco mais difícil do que hoje”, disse Lowe, que trabalha atualmente no Citigroup (C). “A parte mais difícil era se manter em forma durante a semana. Se você fosse convidado para sair com clientes, saía. Se tivesse que ficar até tarde no trabalho, ficava.”
Equilíbrio entre lacrosse e Wall Street
A atual PLL – formada por oito equipes, lançada em 2018 e que se fundiu com a rival Major League Lacrosse em 2020 –, é uma criação dos irmãos Paul e Mike Rabil.
Paul, ex-aluno da Johns Hopkins, usou as redes sociais para se tornar o jogador mais visível do lacrosse. Mike, ex-capitão de futebol do Dartmouth College, é o diretor executivo da PLL.
Quando Paul entrou para a Major League Lacrosse em 2008, ele disse que estava entre apenas três jogadores que eram atletas em tempo integral e que o salário médio de uma temporada era de apenas US$ 8.000.
“Quadruplicamos esse valor e continuamos a oferecer oportunidades novas e exclusivas não apenas aos jogadores de lacrosse em tempo integral, mas também aos atletas de esportes coletivos em geral”, disse ele em uma entrevista.
"Eles recebem assistência médica durante todo o ano, têm opções de compra de ações da liga e o pacote de remuneração abrangente fez com que o número de jogadores de lacrosse em tempo integral ultrapassasse 50%."
Rabil, que se aposentou em 2021, chamou de “extraordinários” os jogadores da liga que estão equilibrando um emprego em tempo integral em Wall Street. No entanto, ele disse que fazer malabarismos com duas carreiras pode limitar a longevidade dos jogadores, e que gostaria que os salários dos jogadores atingissem eventualmente a marca de um milhão de dólares.
“À medida que nosso público cresce, nossas receitas aumentam e podemos investir em nossos jogadores”, disse Rabil.
A PLL fechou um contrato de quatro anos em 2022, supostamente no valor de oito dígitos, para transmitir jogos nas redes da Disney, incluindo ABC, ESPN e ESPN+, e lançou uma linha de colecionáveis para memorabilia e demais mercadorias.
Robert Kraft, dono do New England Patriots, e o astro do basquete Kevin Durant, de venture capital, investiram na liga, juntando-se a investidores como Joe Tsai, cofundador do Alibaba Group.
A cultura em torno do lacrosse profissional e as oportunidades fora do esporte “mudaram e não mudaram”, segundo o técnico do Hall da Fama, Dom Starsia, quatro vezes campeão nacional na Universidade da Virgínia.
“É claro que alguns podem se bancar jogando lacrosse”, disse Starsia. “Você pode ganhar o suficiente para viver bem. Mas, ao mesmo tempo, é uma carreira curta.”
Para ajudar os jogadores a entrar no mercado de trabalho, Starsia ajudou a desenvolver uma rede de ex-alunos na Virginia que mantém um banco de dados de ex-jogadores em áreas como finanças, tecnologia e imóveis. A ideia foi imitada em escolas como Georgetown.
Muitos jogadores disseram que contam com o apoio de chefes compreensivos, amigos e outras pessoas importantes enquanto viajam e se mantêm em forma com treinos matinais.
Conrad disse que sua equipe na KKR permite flexibilidade às sextas-feiras durante a temporada, e sua noiva, Sky, é “extremamente compreensível”, cuidando de seu golden retriever de três anos quando ele está na estrada.
Nem todos os colegas de Conrad tiveram a mesma sorte, disse ele: alguns amigos foram informados por seus empregadores que tinham de escolher entre lacrosse e finanças.
Outros jogadores que tentaram o equilíbrio optaram por deixar o mercado corporativo para trás. Mark Glicini, do Carolina Chaos, deixou Wall Street em 2018. Agora em seu nono ano de lacrosse profissional, ele acha que o aumento dos salários e os melhores benefícios incentivarão outros a segui-lo.
Enquanto isso, para os jogadores que estão dispostos a enfrentar os dois mundos, a glória no campo rapidamente dá lugar à realidade da vida profissional.
Quando Jared Conners e os Utah Archers venceram os Waterdogs por 15 a 14 e conquistaram o título da liga do ano passado, ele quase não teve tempo para comemorar a vitória.
Depois de celebrar no domingo à noite, Conners, que trabalha com a venda de produtos securitizados do Barclays, pegou um voo às 6h na segunda-feira. Ele estava de volta à sua mesa às 8h.
“Quando a temporada chega ao fim, voltamos à rotina como em qualquer outra semana.”
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