Opinión - Bloomberg

Volkswagen ou Porsche? Oliver Blume expõe desafio de atuar como CEO de duas empresas

Ao dividir seu tempo e sua energia como CEO das gigantes automotivas, executivo tem sido cobrado por desempenho e retorno das ações abaixo do desejado nos últimos anos

Oliver Blume, chief executive officer of Volkswagen AG, during the media day for the Munich Motor Show (IAA) in Munich, Germany, on Monday, Sept. 4, 2023. The biennial motor show, one of Europe's most important automotive events, opens on Tuesday, Sept. 5, with the future of the car industry in the balance. Photographer: Krisztian Bocsi/Bloomberg
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Bloomberg Opinion — Quando Oliver Blume aceitou assumir como CEO da Volkswagen em 2022, ele o fez com a condição de manter seu cargo vigente no comando da Porsche, que ocupa desde 2015.

A Porsche é o ativo mais valioso da Volkswagen e, na época da promoção de Blume, a montadora se preparava para abrir o capital.

Ele agora é CEO de ambas as empresas que fazem parte do DAX, o principal índice de ações da Alemanha, e dedica aproximadamente metade de seu tempo a cada uma delas – um arranjo incomum que reflete a forma como Carlos Ghosn liderou a Renault e a Nissan Motor (NSANY) simultaneamente, e como Elon Musk atualmente lidera a Tesla (TSLA) e a SpaceX.

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Não duvido da capacidade de Blume como líder e reconheço que a transformação da Volkswagen levará tempo. Mas ficou difícil justificar a divisão de atenção; ambos os grupos enfrentam enormes desafios e estão com desempenho abaixo de seus pares.

Gráfico

A Volkswagen e a Porsche têm um histórico complicado.

Em 2008, a Porsche tentou comprar a Volkswagen, que é muito maior, mas acabou adquirida por ela. Em 2022, a Volkswagen vendeu 25% do capital acionário da Porsche: os investidores institucionais receberam ações sem direito a voto, enquanto a holding das famílias bilionárias Porsche e Piech adquiriu ações com direito a voto. Assim, a Volkswagen continua a deter 75% da Porsche.

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Os investidores há muito tempo se preocupam com o chamado doppelrolle­ – os dois cargos de Blume – e o assunto voltou à tona nas assembleias anuais de acionistas das duas empresas realizadas nas últimas semanas.

Os acionistas alertaram que há “apenas 24 horas em um dia”, observando que o antecessor de Blume como CEO da Volkswagen, Herbert Diess, teve problemas apesar de ter menos responsabilidades quando deixou o cargo.

Além disso, os interesses da Porsche e da Volkswagen nem sempre estão alinhados – um ponto também levantado no prospecto da IPO da Porsche. “Escolha uma empresa. Ouça o mercado de capitais. Foque em uma tarefa”, disse Ingo Speich, da Deka Investment, na reunião da Volkswagen no mês passado.

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Como de costume, Blume rebateu as críticas.

Ambas as empresas se beneficiam muito com a configuração, que permite que ele fique de olho na tecnologia e nos processos da Porsche enquanto pensa estrategicamente para a Volkswagen, disse ele.

Ele lembrou aos investidores que funções duplas não são incomuns na Volkswagen – durante algum tempo, Diess foi CEO do Grupo Volkswagen e de sua marca homônima. Além disso, ele recebe ajuda: o CFO da Volkswagen, Arno Antlitz, também atua como diretor de operações, por exemplo.

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No passado, Blume também recorreu a metáforas esportivas para justificar esses arranjos de liderança, comparando suas próprias responsabilidades às de um jogador-treinador de futebol ou em equipes que competem tanto por um time da liga quanto pela seleção de um país.

A história célebre da Porsche, seu pedigree nas corridas e seu patrocínio aos esportes e às artes fazem do cargo de CEO um dos mais desejados do mundo. Quem gostaria de abrir mão disso?

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Por outro lado, liderar a Volkswagen é um dos trabalhos corporativos mais difíceis que existem: envolve a supervisão de 10 marcas e quase 700.000 funcionários (muitos deles sindicalizados), ao mesmo tempo em que apazigua as famílias Porsche e Piech e a terra natal da Volkswagen, a Baixa Saxônia, que juntos controlam a maioria das ações com direito a voto da Volkswagen.

Para ser justo, até o momento, Blume tem conduzido muito bem esses vários grupos constituintes: as relações com os sindicatos melhoraram e ele tem o apoio das famílias proprietárias da Volkswagen.

Enquanto isso, analistas aplaudem sua determinação em cortar custos e sua abertura para parcerias tecnológicas (em vez de fazer com que a Volkswagen banque tudo).

Em termos de apoio do conselho de supervisão, “acreditamos que a atual diretoria está mais bem posicionada do que qualquer outra na Volkswagen há décadas”, disse o analista Harald Hendrikse, do Citigroup (C), em relatório a clientes em março.

Blume também oferece uma boa relação custo-benefício: em 2023, seu salário total e benefícios somaram menos de 10 milhões de euros pelos dois cargos, de acordo com o relatório anual da Volkswagen, o que é muito menos do que alguns rivais recebem por apenas uma posição.

Infelizmente, nos mercados de capitais e operacionalmente, a história é diferente. As ações preferenciais da Volkswagen caíram cerca de 20% desde a nomeação de Blume, reduzindo ainda mais o valor de mercado da Volkswagen para irrisórios 59 bilhões de euros, menos do que a rival menor Stellantis.

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Depois de deduzir a participação majoritária da Volkswagen na Porsche e na montadora de caminhões Traton, isso significa que o restante do império automotivo da Volkswagen não vale efetivamente nada.

Minha esperança de que a listagem da Porsche ajudaria a revelar o valor oculto da Volkswagen se mostrou otimista demais. Os investidores da Volkswagen ainda têm muitas outras de preocupações, que vão desde a relevância cada vez menor da empresa na China e os atrasos de software até a falta de veículos elétricos competitivos e o desempenho abaixo da média da divisão Audi.

E a Porsche não está muito melhor: as ações estão cerca de 10% abaixo de seu preço de IPO, depois que a empresa foi derrotada em termos de lucratividade e poder de precificação pela rival de luxo Ferrari.

As vendas da Porsche na China estão despencando, e os valores de revenda do Taycan elétrico estão em baixa. Muito depende do lançamento de vários modelos novos, incluindo o SUV elétrico Macan e o híbrido 911.

Abandonar o cargo na Porsche e focar 100% na melhora da Volkswagen seria sem dúvida doloroso para Blume, mas demonstraria que o grupo está finalmente se tornando uma empresa mais “normal”. Até lá, os investidores podem decidir que os fabricantes de automóveis com motoristas em tempo integral oferecem uma viagem mais tranquila.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Chris Bryant é colunista da Bloomberg Opinion que cobre empresas industriais na Europa. Anteriormente, trabalhou para o Financial Times.

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