Bloomberg Opinion — A procura por cortes nas taxas de juros, algo que os mercados tanto esperavam, começa a ficar tão exaustivo quanto abrir inúmeras caixas de papelão depois que você se muda de casa. Você sabe que aquele objeto está em algum lugar, mas você está cansado de abrir todas aquelas caixas.
Os cortes que eram previstos para meados deste ano – em algumas apostas do mercado, até antes disso – foram constantemente adiados. É justo pensar que, em vez disso, os cortes virão só em 2025.
A Nova Zelândia cogitou um novo aumento na taxa de juros na semana passada; esperava-se que o país fosse um dos primeiros a fazer o corte e, segundo algumas estimativas, já deveria tê-lo feito, já que sua economia está em declínio. A Coreia do Sul, uma das primeiras economias a tomar medidas contra a inflação, terá que esperar. Os ganhos resilientes de preços na Índia provavelmente causaram um adiamento também.
Quase não se passa uma semana sem que um grande banco de Wall Street adie suas previsões. Os economistas do Goldman Sachs (GS) projetam que o Federal Reserve fará uma flexibilização em setembro, em vez de julho. O CEO da empresa tem uma visão menos sutil: David Solomon não prevê nenhum corte para este ano.
A inflação se mostrou mais rígida do que o previsto na maioria das economias e, com algumas exceções, o crescimento tem se mantido mesmo sem os cortes. É provável que o Banco Central Europeu seja a exceção, já que as autoridades falam com muita frequência sobre reduzir a taxa de juros em junho.
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A notícia desanimadora é que essa espera pode ser maior. A inflação diminuiu, embora em muitos países o ritmo de aumento de preços ainda exceda as metas dos bancos centrais.
Dado as críticas acumuladas sobre as autoridades monetárias por terem demorado para apertar os juros quando a inflação disparou em 2021 e no início de 2022, quem as culparia por serem cautelosas?
Repetidamente, a experiência da década de 1970 – quando a inflação alta se consolidou – é apresentada pelos maiores defensores do aperto monetário como um exemplo.
Os bancos centrais cometeram erros? Durante uma sessão do Fórum Asiático de Política Monetária na sexta-feira (24), eles foram repreendidos por acreditarem que a inflação alta estava nos livros de história. Eles tinham muita fé no forward guidance e na capacidade implícita de projetar com precisão a direção das economias, disse um ex-diretor na conferência em Cingapura.
As promessas de que a redução dos títulos públicos e privados nos balanços dos bancos centrais (a flexibilização quantitativa) ocorreria antes que os juros subissem atrasaram uma resposta oportuna. O consenso parece ser que qualquer redução da taxa de juros neste ano será mínima, quase simbólica; as condições que normalmente justificariam grandes cortes não existem.
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Essa avaliação é dura. Afinal de contas, entre o colapso do subprime e o segundo ano da pandemia, a inflação foi o cão que não mordeu. A então chefe do Fed, Janet Yellen, hoje secretária do Tesouro, chamou o fenômeno de um “mistério”.
Especialistas conservadores previram com confiança que as ondas de flexibilização quantitativa levariam a uma desvalorização do dólar. Isso não aconteceu.
É compreensível, dado o período de inflação muito baixa, que as autoridades relutassem em agir diante dos primeiros sinais de aumento de preços. Os bancos centrais também tinham pouca experiência em lidar com interrupções na cadeia de suprimentos em uma escala realmente grande, como ocorreu na pandemia.
Não há problema, embora seja frustrante para alguns investidores, em adiar um pouco mais a flexibilização. Mas, além do debate sobre um determinado indicador ficar um ou dois pontos-base acima das expectativas, poderia ocorrer uma mudança subjacente na economia mundial?
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Em um artigo de março para a The Brookings Institution, Hassan Afrouzi, Marina Halac, Kenneth Rogoff e Pierre Yared alertaram sobre picos mais frequentes nos preços. As tendências históricas que restringiram a inflação e tornaram o trabalho dos bancos centrais menos árduo estão se revertendo.
Os autores argumentam que um recuo na globalização, a pressão sobre os orçamentos das famílias em sociedades mais envelhecidas e o populismo político, o aumento dos gastos com defesa e até mesmo a transição ecológica pressionarão as taxas para cima.
“Achamos que é bem provável que a inflação diminua desta vez”, disse Yared em um podcast da Brookings na semana passada. Mas “as chances de a inflação voltar a subir e passarmos pelos tipos de picos que vimos são muito mais prováveis”.
A era de ouro dos bancos centrais pode ter passado, mas nem sempre foi assim.
Os anos em que as autoridades ansiavam por mais inflação tiveram sua cota de turbulência: a crise financeira asiática, o risco de deflação no início dos anos 2000, a profunda recessão desencadeada pela falência do Lehman Brothers, até a dramática – e controversa – expansão do poder dos bancos centrais durante o pior momento da covid.
Da próxima vez que o índice de preços ao consumidor nos Estados Unidos, na Austrália ou na Indonésia não cumprir as previsões por um décimo de ponto percentual, não fique nervoso. Há muito mais em jogo.
As autoridades monetárias precisam se preparar para um novo mundo – ou o retorno do velho mundo. Valorize os cortes nas taxas quando eles ocorrerem.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Daniel Moss é colunista da Bloomberg Opinion e cobre economias asiáticas. Anteriormente, foi editor executivo de economia da Bloomberg News.
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