Bloomberg Opinion — Os acordos de conteúdo entre as empresas de Inteligência Artificial (IA) e os principais grupos de imprensa já estão a todo vapor.
O mais recente, e supostamente o maior, foi anunciado na quarta-feira (22): a OpenAI fechou um acordo com a News Corp (NWS), de Rupert Murdoch, que controla marcas como Wall Street Journal, The New York Post e HarperCollins, no valor de cerca de US$ 250 milhões em cinco anos.
“O pacto reconhece que há um prêmio para o jornalismo premium”, disse o CEO da News Corp, Robert Thomson. Nenhum termo foi divulgado oficialmente, mas, supondo que o Wall Street Journal não forneça informações equivocadas sobre seu proprietário, o valor de US$ 250 milhões inclui “compensação na forma de dinheiro e créditos pelo uso da tecnologia OpenAI”.
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Essa é a mais recente de uma enxurrada de parcerias anunciadas nas últimas semanas.
O Financial Times fechou seu próprio acordo com a OpenAI no mês passado, seguido pela Dotdash Meredith, proprietária de publicações como a revista People e a Investopedia, que também incluiu alguma colaboração em ferramentas de publicidade. Outros acordos com a OpenAI incluíram a Associated Press, a Axel Springer e o Le Monde.
Depois da polêmica em torno da voz do ChatGPT, que a atriz Scarlett Johansson alegou parecer muito com a sua, a parceria com a News Corp ajuda o CEO da OpenAI, Sam Altman, a pelo menos parecer se importar com o esforço humano – e, nesse caso, com o trabalho difícil e oneroso de reportar notícias.
Como ele disse: “estamos estabelecendo a base para um futuro em que a IA respeita profundamente, aprimora e mantém os padrões do jornalismo de classe mundial”.
No entanto são os comentários de pessoas como o presidente do Le Monde, Louis Dreyfus, que mais se destacam.
Como um dos beneficiários recentes da admiração seletiva de Altman pela indústria de jornalismo, seria de se esperar que Dreyfus se mostrasse animado como seus colegas da News Corp. Mas, falando ao Wall Street Journal, ele disse: “sem um acordo, eles usarão nosso conteúdo de forma mais ou menos rigorosa e mais ou menos clandestina, sem nenhum benefício para nós”.
Dreyfus está certo.
De fato, é muito provável que a OpenAI tenha ingerido há muito tempo o conteúdo que agora paga para ter “acesso”, como parte de sua apropriação desenfreada de informações de domínio público.
Nesse sentido, esses contratos devem ser considerados como acordos, cujos termos sem dúvida incluíam a estipulação de que as editoras não levariam a OpenAI aos tribunais, como o New York Times já fez. A OpenAI não respondeu a um pedido de comentário.
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Encaremos os fatos: não há como optar por não usar a IA.
Por mais admirável que seja a ação judicial do Times, já se passaram cinco meses desde que ela foi apresentada, e até mesmo a audiência preliminar está a meses de distância.
Nesse ínterim, os editores podem aceitar ou não um acordo, sabendo que a máquina provavelmente já consumiu seu conteúdo de qualquer maneira.
Claro, a OpenAI diz que está criando uma ferramenta para ajudar as editoras a relatarem o que querem que seja excluído dos modelos de treinamento da OpenAI, mas isso não estará pronto até 2025, no mínimo. A OpenAI é, obviamente, apenas uma empresa entre várias que criam grandes modelos de linguagem (LLM).
Acredito que esses acordos são podres.
Eles carecem de transparência e de um controle ético adequado. Ninguém que respeita a imprensa deveria aceitar a ideia de que as empresas de IA, que deveriam ser objeto de escrutínio jornalístico, vão manter o que poderia ser um controle extremo sobre a saúde financeira de uma publicação.
Se você quiser uma prévia dessa subserviência, considere os temores atuais sobre as recentes mudanças no mecanismo de busca do Google ou a decisão da Meta Plaforms (META) de não se importar mais com a ampliação do conteúdo de notícias.
Talvez o maior problema de longo prazo seja esse: não se pode deixar que pessoas como Sam Altman, ou mesmo qualquer outro indivíduo ou empresa, decidam quais publicações são consideradas dignas de tratamento preferencial em seu futuro de IA e quais não são. Sua empresa, a OpenAI, não possui o conhecimento especializado nem o direito para tanto.
E quanto aos pequenos jornais ou sites locais (os poucos que restaram) que fazem o trabalho menos glamouroso de acompanhar as reuniões municipais?
Ou as revistas especializadas que fazem as reportagens mais complexas sobre setores como energia ou engenharia? Será que queremos que os modelos de IA sejam desprovidos da riqueza das publicações independentes?
Não acredito que Altman vá aparecer em sua porta com dinheiro, embora essas publicações provavelmente já estejam nos dados de treinamento. Para que a IA seja de fato um centro de conhecimento, essas fontes também precisam ser sustentadas, e não apenas as gigantes editoriais que podem processar a OpenAI.
É preciso criar um sistema mais equitativo, respaldado por lei.
“Acordos secretos e personalizados com os maiores ou mais influentes veículos de notícias não substituem as políticas públicas”, escreveu Courtney Radsch, diretora do Center for Journalism and Liberty do Open Markets Institute.
O autor e professor de jornalismo Jeff Jarvis sugeriu uma abordagem: criar uma plataforma centralizada controlada por uma coalizão de publicações. Isso poderia agregar conteúdo de qualquer editor que optasse por participar e torná-lo instantânea e dinamicamente disponível para empresas de IA mediante o pagamento de uma taxa, com base no uso ou em alguma outra métrica acordada.
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A Associated Press, com 178 anos de existência, pode servir de inspiração.
A agência de notícias sem fins lucrativos foi criada e paga pelos jornais para resolver os desafios tecnológicos de sua época: levar notícias da Guerra Mexicano-Americana mais rapidamente aos leitores do norte.
Os problemas de hoje são muito mais complexos, mas a solução pode começar com um princípio que é tão verdadeiro hoje quanto era em 1846: aqueles que criam o conteúdo devem controlá-lo.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia dos EUA. Foi correspondente para o Financial Times e a BBC News.
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