Bloomberg — A ordem veio de George Weiss, pioneiro dos fundos hedge: Venda! E venda tudo.
O fundo estava fechando, disse ele, quase chorando, para um grupo de gestores via Zoom. Os funcionários ficaram em choque.
Após 46 anos, sua empresa de investimentos homônima – fundada em 1978, quando o índice Dow Jones estava em torno de 800 pontos (hoje perto dos 40.000) – estava em espiral rumo ao esquecimento.
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Sua surpreendente diretiva na manhã de 29 de fevereiro marcou o culminar de uma série de erros – incluindo pagar bônus de seis dígitos a executivos enquanto estavam à beira do colapso –, que levou um dos fundos hedge mais antigos do mundo a entrar com pedido de recuperação judicial no mês passado.
Os traders passaram aquela quinta-feira descarregando bilhões de dólares em posições. Enquanto faziam ligações para mesas de operações de bancos, os funcionários eram abordados por recrutadores enquanto a notícia dos problemas se espalhava.
Mais tarde, enquanto George Weiss se despedia pessoalmente da equipe, ele descreveu a empresa como uma família.
Essa não é a forma como funcionários e credores provavelmente veem a situação. Embora a rápida liquidação da empresa tenha limitado as perdas para os investidores do fundo, o colapso da Weiss Multi-Strategy Advisers deixou alguns funcionários em posição de perder mais de US$ 1 milhão em compensações diferidas.
Seu maior credor está se preparando para uma disputa sobre mais de US$ 100 milhões em dívidas não pagas.
Entrevistas com cerca de duas dúzias de pessoas familiarizadas com Weiss e documentos judiciais vistos pela Bloomberg News descrevem um colapso causado não por um trade desastroso, mas por anos de altos gastos que a empresa não conseguiu controlar, mesmo com a queda dos ativos e do desempenho.
Gestora de US$ 2,3 bi
George Weiss, de 81 anos, e o diretor de investimentos Jordi Visser, de 57 anos, geriam a companhia de US$ 2,3 bilhões com o brilho de grandes rivais multiestratégia, mas sem a disciplina, a firmeza para cortar traders perdedores ou a capacidade de repassar mais custos aos investidores, segundo as pessoas e os documentos judiciais.
Isso se mostrou fatal quando o maior credor de Weiss exigiu pagamento, acusando posteriormente George Weiss de usar a gestora como seu “cofrinho pessoal”. A última tentativa da empresa para sobreviver – um possível acordo com a gigante multiestratégia Millennium Management – acabou fracassando.
Durante anos, executivos acumularam milhas no jato corporativo e mantiveram gestores na folha de pagamento, mesmo enquanto eles prejudicavam os retornos, tudo isso ao mesmo tempo em que os clientes retiravam dinheiro, segundo pessoas familiarizadas e documentos judiciais.
Enquanto George Weiss se afastava do dia a dia, Visser continuava construindo uma marca pessoal por meio de séries de vídeos e podcasts e se envolvia em um romance no escritório que outros executivos consideravam problemático.
O que está por vir é uma briga legal no tribunal de falências com o credor, Leucadia Asset Management, uma afiliada do Jefferies Financial, sobre mais de US$ 28 milhões em bônus que Weiss distribuiu quando a empresa supostamente sabia que não poderia pagar suas dívidas.
Leucadia, também seu parceiro estratégico, afirmou em um processo que os pagamentos equivaliam a “transferências preferenciais e fraudulentas”.
Weiss recusou-se a comentar sobre esta história. George Weiss também se recusou a comentar e não apresentou uma resposta legal ao processo da Leucadia contra ele. Visser recusou-se a comentar.
Dificuldade no controle de custos
Embora a Weiss tenha perdido dinheiro em apenas três dos seus 46 anos de atividade, a empresa teve dificuldades para gerenciar os custos.
A gestora – que administrava US$ 4 bilhões em seu pico de 2021 – tinha pelo menos 110 funcionários, incluindo traders bem remunerados e uma equipe de back-office numerosa, trabalhando em escritórios em Manhattan, Miami e Connecticut.
Somente o aluguel dos andares 20 e 21 de sua localização na Park Avenue totalizava quase US$ 3 milhões por ano, conforme mostra um processo de falência.
A empresa mantinha executivos seniores e veteranos mesmo após registrarem declínios de dezenas de milhões de dólares. O vice-líder de investimentos Mike Edwards perdeu mais de US$ 100 milhões entre 2020 e 2023 e parou de negociar como resultado, disseram pessoas próximas. Edwards não comentou sobre esta história.
Mas, em vez de demitir os que apresentavam baixo desempenho – como as gestoras multiestratégia costumam fazer – Visser e Weiss mantiveram seus colegas de longa data na folha de pagamento.
As despesas da Weiss também levantaram preocupações para a Leucadia. A empresa de hedge funds possuía um avião particular Dassault Falcon que George Weiss usava para viagens pessoais, alegou a Leucadia no processo.
Os custos anuais poderiam chegar a milhões de dólares, e a Leucadia acabou pedindo para Weiss vender o avião. Weiss vendeu a aeronave em março de 2023 por US$ 941.000, segundo um demonstrativo financeiro auditado.
Exacerbando suas dificuldades financeiras, a Weiss parou de cobrar dos clientes por várias despesas, mesmo que a maioria dos rivais multiestratégia repassasse essas taxas. Assim, quando o fundo caiu 0,6% em 2022, não recebeu taxas de desempenho, mas ainda teve que pagar bônus aos gestores que lucraram.
Esses chamados custos de compensação representam um grande risco para os fundos multiestratégia. É por isso que tantos gigantes da indústria cobram dos clientes o pagamento dos traders, para que não precisem arcar com os bônus em anos ruins.
Mas mesmo nos melhores momentos, a Weiss tinha que compartilhar parte de sua receita sob um acordo de 2018 com a Leucadia, de acordo com os processos de falência. Em 2022, o fundo hedge estava tão sem dinheiro que lutou para cumprir os acordos com seu parceiro relacionados a notas não pagas e obrigações.
Em 2023, sua ex-diretora de RH Beth Andrew-Berry entrou com uma ação coletiva devido à exigência incomum da Weiss de que os funcionários investissem seus planos de aposentadoria inteiramente nos fundos da Weiss, incluindo um fundo multimercado que perdeu cerca de 18% em 2022.
A política existia “para sustentar os fundos da Weiss”, alegava o processo. A Weiss negou as alegações em uma moção para arquivar o caso e afirmou que é “comum para uma empresa no ramo de gestão de ativos utilizar seus próprios produtos de investimento para seu plano de aposentadoria”.
Últimas tentativas
No ano passado, a Weiss se aproximou de potenciais compradores — incluindo a Millennium de Izzy Englander, com a qual teve negociações intermitentes. O fundo hedge de US$ 64 bilhões estava em busca de outras empresas para negociar seu capital, geralmente de forma exclusiva.
A Leucadia concedeu à Weiss acordos de tolerância, dando-lhe mais tempo para pagar suas dívidas em pelo menos três ocasiões, e em 21 de dezembro, exigiu pagamento.
A Weiss não tinha o dinheiro. A empresa deve aproximadamente US$ 100 milhões à Leucadia, segundo um documento judicial.
Quando a Millennium soube que a Weiss estava em ainda mais dificuldades, se aproximou novamente da companhia, disseram algumas pessoas à Bloomberg News.
As negociações colapsaram quando a companhia de Englander soube que alguns dos melhores talentos da Weiss – incluindo o gestor de ativos Andrew O’Connor – estavam considerando sair. A Millennium também exigiu termos mais favoráveis, incluindo a remoção de Visser como chefe de investimentos, disseram as pessoas.
Visser dirigia a gestora, apesar das preocupações de alguns colegas sobre seu histórico de investimentos e abordagem de gestão.
Ele se juntou à Weiss depois que seu próprio fundo hedge, Anchor Point Asset Management, perdeu dinheiro e fechou as portas, e uma vez gerenciou um portfólio na Weiss que teve um desempenho tão ruim que levou ao fechamento do fundo. Alguns funcionários o descreveram como tendo um temperamento volátil e pela prática de humilhar colegas em reuniões.
Seu relacionamento romântico com Jena Roche, diretora de relações com investidores e marketing de 39 anos, também preocupava alguns colegas. Embora ela reportasse a George Weiss, executivos levantaram a relação como um possível conflito para a empresa. Roche não respondeu aos pedidos de comentário.
Enquanto Visser avançava com seus esforços multimídia, criando podcasts e vídeos, a situação financeira da gestora se deteriorava e a Leucadia passou a pedir para aprovar qualquer bônus aos funcionários. Os executivos da Weiss resistiram.
Em 8 de fevereiro, a empresa pagou mais de US$ 28 milhões em bônus de fim de ano para cerca de 85 funcionários. Mais da metade do dinheiro consistia em pagamentos voluntários versus contratuais — com alguns funcionários recebendo até mais do que seu valor-alvo, disseram as pessoas.
O comitê executivo recebeu US$ 2,3 milhões coletivamente. Visser e Edwards cada um recebeu pagamentos de seis dígitos, disseram as pessoas.
“Cofrinho pessoal”
Em 29 de abril, a Weiss entrou com pedido de “Chapter 11″, equivalente à recuperação judicial no Brasil.
O fundo hedge processou a Leucadia para recuperar US$ 20 milhões, alegando que os pagamentos ou favoreceram a Leucadia em detrimento de outros credores ou foram obtidos injustamente sob a ameaça de litígio sobre os bônus.
A Leucadia negou as alegações e está pedindo a um juiz que destitua a equipe de gestão da Weiss e a substitua por um administrador independente nomeado pelo tribunal para supervisionar a dissolução da gestora.
Na semana passada, a Leucadia também processou George Weiss no tribunal estadual de Nova York, alegando que ele usou sua empresa como um “cofrinho pessoal” para “encher os bolsos” de seu círculo íntimo e pagar por suas próprias viagens aéreas particulares e despesas legais.
Ainda assim, os funcionários falam bem do fundador da gestora, chamando-o de filantrópico e disciplinado. O CEO nunca usa palavrões e insiste que os outros também não usem. Seu grande erro, disseram eles, foi dar muita autonomia aos executivos.
No primeiro fim de semana de março deste ano, poucos dias após a correria para a liquidação dos ativos, a Weiss informou aos clientes que tinha descarregado a maior parte de seus ativos e devolveria o dinheiro.
Os funcionários – ainda abalados pela incerteza – esperavam por mais clareza na manhã da segunda-feira seguinte. Os executivos não disseram nada. A gestora pulou sua reunião matinal, e a equipe não recebeu atualizações sobre rescisões.
Eles não receberam detalhes do RH até um e-mail na sexta-feira. Os funcionários receberiam “rescisão limitada”, segundo o e-mail interno visto pela Bloomberg News. Mas o RH não mencionou nada sobre a compensação diferida, que para alguns traders chega a mais de US$ 1 milhão, de acordo com uma lista dos maiores credores da Weiss em seu pedido de RJ.
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