Bloomberg Opinion — Por mais de duas décadas, um simples acordo moldou a forma como as pessoas encontram informações online. Funciona da seguinte forma: os sites permitem que o rastreador da web do Google indexe seu conteúdo para que ele possa aparecer nos resultados de buscas.
Os sites obtêm tráfego, e o Google passa a ser uma das empresas mais valiosas do planeta, por organizar todas essas informações, colocar anúncios ao lado dos resultados e criar ferramentas lucrativas em cima de tudo isso.
Mas o que acontece quando uma das partes desse acordo desaparece? Foi isso que pensei na terça-feira (14), quando o Google apresentou o AI Overviews em sua conferência anual de desenvolvedores.
É um nome despretensioso para uma atualização extremamente significativa em seu mecanismo de buscas, que, se funcionar como pretendido, poderá reduzir significativamente o volume de tráfego que os sites recebem.
O AI Overviews se baseia em algo que o Google faz há algum tempo, mas vai muito além.
Muitos estão familiarizados com o que acontece quando pesquisam o nome de uma celebridade. Antes da lista “orgânica” de resultados de pesquisa, o usuário recebe um painel de informações extraídas de fontes – geralmente a Wikipédia – sem a necessidade de visitar o site que contém o material de origem.
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Em breve, esses painéis de visões gerais compiladas por inteligência artificial (IA) terão uma gama muito mais ampla de usos.
No palco, Liz Reid, diretora do Google Search, descreveu como serão exibidas informações sobre filmes, viagens, livros “e muito mais”.
Uma demonstração em vídeo exibia uma pessoa que perguntava ao Google “por que minha vela queima de forma desigual?” e rapidamente recebia uma explicação e uma solução em um parágrafo. Sem precisar clicar em nada.
É claro que não foi o Google que escreveu essas informações, foi outra pessoa. Ou, mais provavelmente, várias pessoas escreveram e seus conhecimentos foram sintetizados em uma resposta clara.
O painel acionado por IA contém links para conteúdo relacionado na web, mas há poucos motivos para clicar neles. É eficiente para o usuário e certamente bom para o Google, mas o acordo foi desfeito.
Lançado nos EUA nesta semana e em grande parte do mundo até o final do ano, o AI Overviews é um acontecimento preocupante para a economia da web em geral.
Pense na Wikipédia: quando o Google começou a exibir suas informações diretamente nos resultados de pesquisa, o tráfego despencou devido ao que a empresa de análise SimilarWeb chamou de efeito “clique zero” – os usuários obtêm as informações que estavam procurando sem precisar clicar na fonte.
Cada “clique zero” é um problema para os publicadores de conteúdo. Mesmo com uma enorme queda no tráfego proveniente de redes sociais, os sites de conteúdo serão igualmente preteridos pelo Google, pois ele se esforça para competir de frente com ferramentas de IA como ChatGPT e Perplexity.ai.
A perspectiva é sombria: o Gartner Group prevê uma queda de 25% no tráfego dos mecanismos de pesquisa até 2026, uma estimativa que parece conservadora. Um especialista em SEO disse ao Washington Post que as empresas de conteúdo devem ser “dizimadas”.
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O Google, por sua vez, não concorda com essa avaliação.
Em uma postagem no blog, Reid observou que: “vemos que os links incluídos nos painéis de IA recebem mais cliques do que se a página tivesse aparecido em uma lista tradicional” – embora isso não diga nada sobre o impacto em outros links que normalmente apareceriam em uma página de resultados de pesquisa, mas que agora serão colocados bem abaixo do conteúdo oferecido por IA.
Um porta-voz do Google enfatizou que a empresa percebe que, para ter conteúdo que seja incorporado à IA, os criadores devem ter um incentivo para criá-lo. Por isso, o Google disse que monitoraria de perto o efeito que os painéis de visões gerais compiladas por IA têm sobre o tráfego (embora não esteja claro o quanto o público saberá sobre essas métricas).
Basicamente, o que o Google está vendendo é uma maneira mais limpa e simples de usar a internet, o que elimina muitos dos aborrecimentos da web moderna e fornece aos usuários apenas as informações que procuram.
Todos podem gostar disso, mas é preciso reconhecer que o grande motivo pelo qual grande parte da web está uma bagunça é justamente o Google.
Durante anos, os sites se esforçaram para agradar os algoritmos do Google, enchendo os artigos de palavras-chave e usando pequenos truques para dar ao conteúdo a melhor chance de chegar ao topo, porque vencer no Google significa sobreviver.
O AI Overviews é a solução para a própria bagunça do Google, mas é um problema para os criadores de conteúdo na era da IA.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia dos EUA. Foi correspondente para o Financial Times e a BBC News.
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