Bloomberg — Um dos cofundadores da Tesla (TSLA), JB Straubel, não se contentou em simplesmente reinventar o automóvel para o século XXI. Ele deixou a empresa em 2019 sentindo que também precisava reformular a cadeia de suprimentos global para o futuro elétrico.
É exatamente isso que ele vem fazendo nos últimos cinco anos.
A empresa que ele criou, a Redwood Materials, é atualmente a maior recicladora de baterias da América do Norte e usa esses materiais para fabricar componentes complexos de baterias que tradicionalmente são importados do exterior, principalmente da China.
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Straubel recentemente abriu as portas para seu complexo industrial de 120 hectares que ele construiu no deserto do estado americano de Nevada. Ele disse que não foi fácil.
“Parece que caminhamos a uma velocidade vertiginosa, mas precisamos fazer muito mais”, disse ele. “É uma coisa muito difícil de se fazer.”
Straubel, de 48 anos, dirige um Tesla Cybertruck estampado com o logotipo de sua empresa, mas ele tem o cuidado de destacar que é um veículo pessoal – “muito caro para a Redwood”.
Muitas vezes considerado opositor de Musk enquanto eles criavam a Tesla, Straubel retornou em 2023 para assumir um assento no conselho da fabricante de veículos elétricos. Ele não quis falar sobre seu trabalho de supervisão na montadora, apenas sobre sua motivação para fazê-lo.
“Quero que ela tenha sucesso. Adoro a equipe de lá, estão no meu coração – provavelmente sempre estarão”, disse ele.
Straubel falou à Bloomberg Green em 22 de março, dia em que a Redwood iniciou a operação de sua primeira linha em escala comercial para produzir material ativo de cátodo, um pó de cor preta que é o principal responsável pelo alcance e pela longevidade – e pelo custo – de uma bateria.
Ele refletiu sobre o que foi necessário para construir a Redwood até esse ponto e seus planos para o que vem a seguir.
Confira a seguir trechos da entrevista, editada para fins de maior clareza.
Bloomberg Green: Alguns fabricantes de veículos elétricos frearam os planos de expansão neste momento. Qual é a sua opinião sobre o mercado e como será daqui a cinco anos?
Straubel: Pessoalmente, acredito que a transição para os veículos elétricos é uma espécie de curso futuro lento, constante e inevitável pelo qual vamos passar – e temos que passar. Quando começamos a Redwood, eu estava realmente olhando para o horizonte de 10, 20, 30 anos e como iríamos afetar a sustentabilidade e o transporte. Não vejo nenhuma mudança em meu pensamento de longo prazo sobre isso.
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Como seria um setor de reciclagem maduro nos EUA? Ele seria distribuído como na China ou será dominado por alguns grandes players?
Não tenho uma visão única sobre isso. O que importa é encontrar a melhor maneira de construir uma solução para o país, a fim de obter o máximo de material recuperado e reciclado o mais rápido possível. Pode haver mais empresas menores em diferentes partes da cadeia de valor. Seria ótimo se elas pudessem competir, e estamos felizes em trabalhar com muitas empresas pequenas.
Mas, na verdade, eu não via nenhuma outra empresa fazendo o que era necessário, por isso entramos com a nossa proposta. Houve uma certa corrida quando outros viram o que estávamos fazendo e acharam que seria fácil. Desejo-lhes boa sorte, mas esse é um longo caminho. É algo que precisamos construir por muitos anos, talvez décadas.
Qual é a necessidade de subsídios governamentais para que os números da reciclagem sejam satisfatórios?
Atualmente, não recebemos nada do governo federal. Tudo o que construímos até o momento foi financiado por nossos investidores ou pelo dinheiro que ganhamos com a reciclagem e venda. Tivemos que nos sustentar e fazer as coisas à medida que avançávamos.
Não espero que esse seja o caso para sempre. Programas como o empréstimo ATVM [um compromisso de empréstimo de US$ 2 bilhões do Departamento de Energia] podem ser muito úteis, mas esse dinheiro ainda não chegou. É um processo muito longo.
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Durante este ano eleitoral nos EUA, os veículos elétricos se tornaram uma disputa entre o partido republicano e o partido democrata. Você consegue sentir isso em Nevada ou no setor?
Estamos no meio de um furacão, sem dúvida. Precisamos ser capazes de fazer esse negócio crescer, seja com a eleição de Trump ou a reeleição de Biden.
Algumas pessoas se esqueceram de outros aspectos que explicam por que os veículos elétricos são realmente úteis para um país, além da redução dos gases estufa. O aspecto da segurança energética é fenomenal. Podemos literalmente usar um conjunto diversificado de fontes de energia para alimentar toda a frota, não apenas petróleo. É a primeira vez que isso é possível.
Faço o possível para explicar os diversos benefícios e não transformar isso em uma questão partidária. As pessoas deveriam apenas analisar: qual é o impacto econômico geral para o país? Qual é o impacto na segurança do país? E o impacto ambiental? Não somos uma empresa democrata, nem republicana, somos uma empresa para atender aos nossos clientes e fazer algo que gere benefícios econômicos para o nosso país.
Qual foi o desafio mais difícil que você enfrentou na Redwood?
Nunca é uma coisa só. É um malabarismo constante. Talvez seja a captação de recursos em um dia, o aprimoramento técnico em outro, a construção, os clientes. Estamos tentando criar o modelo e construir todo o setor à medida que avançamos.
No momento, vocês constituem a maioria substancial do setor de reciclagem e materiais nos EUA. Você se preocupa com o que acontecerá se não der certo?
Essa responsabilidade pesa sobre mim. Lembro de sentir o mesmo na Tesla, quando as outras montadoras ainda não tinham feito nada, e tínhamos uma sensação muito palpável de entrar em um terreno desconhecido e dizer “os veículos elétricos são o futuro”! Sentíamos que, se não desse certo, ninguém iria nos seguir. O sentimento agora é parecido, mas sinto que temos essa responsabilidade na Redwood.
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Como a empresa foi afetada pela queda dos preços das commodities? Você pode ter um suprimento constante de recicláveis, mas não adianta muito se os preços estiverem tão baixos que o processamento não seja rentável.
O lítio caiu 87% em relação ao seu pico no ano passado, é impressionante. Se você é uma mina de lítio, isso é muito, muito difícil. A economia acompanha exatamente o preço da commodity. Mas nós não somos uma mina de lítio. Em nosso caso, temos bastante diversificação em nossa lucratividade, e isso nos amortece.
Parte do que estamos fazendo é trazer material, refiná-lo e vendê-lo. Mas também estamos agregando valor por meio da fabricação. A folha de cobre é um exemplo: nós a vendemos como uma unidade de material de cobre mais o trabalho de fabricação que fizemos para transformá-la em uma folha com a qualidade certa. É aí que está grande parte do valor.
No que diz respeito às operações, vocês já aumentam a escala. Já conseguiram chegar ao lucro?
Temos um bom crescimento de receita em nosso negócio de reciclagem. Temos uma economia sólida nisso – as operações são lucrativas atualmente. Mas está inserido em uma visão muito maior de processamento e crescimento contínuos. Na empresa como um todo, não somos lucrativos porque estamos gastando para crescer e aumentar o P&D [pesquisa e desenvolvimento] e acelerar.
Mas uma boa parte de nosso balanço patrimonial agora é capaz de se autofinanciar e gerar lucro. Somos responsáveis agora por um percentual considerável do suprimento de níquel na América do Norte e, até onde sei, somos o segundo produtor operacional de lítio em toda a América do Norte.
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