Como a Fórmula 1 passou de investimento arriscado a atividade rentável

As equipes independentes do esporte se tornaram lucrativas e agora valem quase US$ 2 bilhões cada, segundo a Forbes

Por

Bloomberg Opinion — Investir na Fórmula 1 costumava ser uma atividade apenas para masoquistas do automobilismo; as equipes esbanjavam em tecnologia em uma busca muitas vezes infrutífera pela vitória, e algumas acabavam falidas ou vendidas por alguns trocados.

Graças às decisões da Liberty Media, detentora dos direitos comerciais do esporte, contudo, as 10 equipes independentes da F1 (cada uma com dois pilotos) não são mais apenas troféus ou produtos de marketing: várias delas são lucrativas e, em média, seu valor subiu para quase US$ 2 bilhões cada, de acordo com uma estimativa da revista Forbes.

Leia mais: Valor das equipes de Fórmula 1 mudou de patamar com a Liberty, diz CEO da McLaren

Mas há uma ironia nessa transformação: a Liberty Media tornou a F1 mais rentável ao torná-la menos capitalista. E seu objetivo de promover mais rivalidade na pista foi acompanhado pela limitação da concorrência fora dela.

Não há dúvida de que o documentário da Netflix “F1: Dirigir Para Viver” transformou o interesse pelo esporte. A F1 vem atraindo novos fãs nos Estados Unidos, e o Grande Prêmio de Miami foi um sucesso de vendas.

Tendo adquirido os direitos comerciais por US$ 4,4 bilhões em 2017, o valor de mercado do grupo Liberty Formula One saltou para mais de US$ 16 bilhões, de acordo com as chamadas tracking stocks – ações que pagam dividendos atrelados ao desempenho de parte da empresa – usadas pelo conglomerado para destacar o valor desse negócio específico, em vez da empresa como um todo.

Os valuations das equipes também estão subindo. O bilionário do setor da moda Lawrence Stroll, que adquiriu uma equipe de corrida em 2018 antes de rebatizá-la como Aston Martin, está supostamente negociando a venda de uma participação minoritária que valorizaria a equipe em mais de 1 bilhão de libras esterlinas (US$ 1,25 bilhão), após ter alcançado níveis semelhantes em um acordo de private equity no ano passado.

Esse é um contraste impressionante com a Aston Martin Lagonda Global Holdings, montadora britânica de carros de luxo da qual Stroll é coproprietário e cujo valor de mercado é semelhante, apesar de gerar muito mais receita.

No entanto, esses preços fazem mais sentido se você pensar no motivo pelo qual os investidores geralmente evitam as empresas automobilísticas: o setor é notoriamente intensivo em capital e a concorrência intensa prejudica as margens.

Leia mais: Como a Olimpíada de Paris pode aumentar as margens de fabricantes esportivas

A Liberty Media transformou a sorte das corridas do Grande Prêmio ao copiar aspectos da administração de muitos esportes dos EUA.

A empresa convenceu as equipes de F1 a adotar termos mais equitativos a partir de 2021, limitando o quanto elas poderiam gastar (com uma exceção para os salários dos pilotos) e um limite separado para os custos da unidade de potência. Isso pôs fim, em grande parte, à autossabotagem financeira e tornou o orçamento mais previsível.

Equipes de corrida famosas, como Ferrari, Mercedes e Red Bull, também foram convencidas a aceitar uma divisão mais justa dos direitos de mídia e das taxas dos promotores do esporte – um fundo de prêmios anual que agora vale cerca de US$ 1,2 bilhão.

Embora ainda existam incentivos financeiros significativos para vencer corridas e a Ferrari e outros recebam quantias extras por conquistas anteriores, as equipes menores agora competem em uma base financeira mais sustentável.

Além disso, incentivada pelas equipes antigas com a diluição de seus lucros, a F1 também estabeleceu um alto padrão para a admissão de novas equipes: qualquer um que se junte ao esporte tem que pagar uma taxa de US$ 200 milhões, e algumas equipes agora argumentam que a barreira financeira para entrar deveria ser ainda maior.

Agora que a F1 busca uma imagem mais sustentável – a partir de 2026, os carros usarão 100% de combustíveis sintéticos (e-fuels) e maior propulsão elétrica – a Audi, da Volkswagen, e a Ford (F) se preparam para entrar no esporte ao, respectivamente, adquirir e firmar parcerias com equipes existentes.

Na teoria, há espaço para 12 equipes no grid, mas até agora as inscrições feitas do zero — como a oferta dos ex-pilotos de corrida Michael e Mario Andretti com a General Motors (GM) — foram rejeitadas.

Por enquanto, essa abordagem aumentou o valor de escassez das equipes, uma tática que me faz lembrar da Ferrari – a única montadora tradicional que escapou da armadilha de valuation do setor automobilístico, tendo conseguido sempre construir menos veículos do que a média.

Leia mais: Leilão de relógios raros de Michael Schumacher pode arrecadar milhões de dólares

Graças à maior exposição do esporte nos EUA, as equipes conseguiram negociar acordos de patrocínio mais lucrativos, inclusive com generosas empresas de tecnologia.

No mês passado, a Ferrari contratou a HP (HP) como patrocinadora oficial, o que deve ajudar a Scuderia a cobrir o custo dos salários do novo contratado Lewis Hamilton a partir da próxima temporada.

Os patrocinadores da McLaren Racing incluem o Google, da Alphabet (GOOGL), e a Mercedes tem uma parceria com o WhatsApp, da Meta Platforms (META).

Nem todas as equipes de F1 se tornaram lucrativas, mas a maioria está em melhor situação financeira: a Mercedes-Benz Grand Prix, cujas operações incluem a equipe de corrida e uma divisão de serviços de engenharia, obteve um retorno operacional de 21% sobre a receita de 546 milhões de libras esterlinas (US$ 684 milhões) em 2023, de acordo com os dados arquivados na Companies House do Reino Unido, o que é maior do que as margens obtidas pela unidade de carros de luxo da acionista Mercedes-Benz Group.

Enquanto isso, a Alpine Racing, da Renault, obteve uma impressionante margem de lucro operacional de 14% em 2022, o último ano para o qual os números estão disponíveis.

O investimento de 1 libra esterlina (US$ 1,25) da Renault para adquirir a equipe de F1 Lotus, fortemente endividada, em 2015, parece ser uma das melhores decisões do grupo francês – a Alpine vendeu uma participação de 24% para um consórcio que inclui o ator Ryan Reynolds no ano passado por 200 milhões de euros (US$ 214 milhões), avaliando a equipe em cerca de US$ 900 milhões.

Os valores aumentaram tão rapidamente que há perigo de os investidores estarem otimistas demais.

Leia mais: De Senna a Cem Anos de Solidão: a estratégia da Netflix na América Latina

Os esforços para aumentar a popularidade e a receita de transmissão da F1 nos EUA continuam sendo um trabalho contínuo, e a forma como a candidatura fracassada de Andretti com a GM foi tratada parece um gol contra; o presidente do Comitê Judiciário da Câmara dos EUA, Jim Jordan, exigiu uma explicação da Liberty Media e da Fórmula 1.

Apesar da vitória de Lando Norris, da McLaren, em Miami – a primeira do piloto britânico – Max Verstappen, da Red Bull, continua dominando o esporte, o que pode ficar um tanto monótono.

A menos que os salários dos pilotos sejam limitados, como acontece nos esportes dos EUA, a inflação salarial pode um dia ameaçar a equidade e a estabilidade financeira do esporte – o salário de Hamilton por ter mudado da Mercedes para a Ferrari não foi revelado, mas o relatório anual da equipe observa que essas personalidades “estão normalmente entre os atletas mais bem pagos do mundo”.

Não acho que esses riscos vão impedir investidores e montadoras de continuarem aumentando o valor das franquias da F1. Portanto, se você ainda quiser participar, comece com uma libra – e depois acrescente nove zeros.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Chris Bryant é colunista da Bloomberg Opinion que cobre empresas industriais na Europa. Já trabalhou para o Financial Times.

Veja mais em Bloomberg.com