Bloomberg Opinion — É uma manhã movimentada em uma loja em Iztapalapa, bairro da classe trabalhadora na zona leste da Cidade do México onde vivem quase 2 milhões de pessoas. Os clientes chegam para comprar eletrodomésticos, conseguir empréstimos e, no último dia de abril, quando estive ali, receber dinheiro de parentes que moram no exterior.
A loja, operada pela Coppe, uma das maiores empresas privadas do México, processa entre 45 a 60 transações de remessas por dia, principalmente de remetentes nos Estados Unidos, ante 25 a 35 transações por dia há dois anos.
Entre os destinatários está Juan López, que deseja abrir o próprio estúdio de tatuagens e utiliza a unidade bancária da Coppe para sacar uma transferência de quase US$ 100 enviada por seu irmão que vive Omaha, no estado de Nebraska, nos Estados Unidos. Ele me conta que o dinheiro vai ajudar na recuperação de um primo, que sofreu um acidente recentemente.
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Essa é apenas uma entre tantas operações no mercado cada vez maior de remessas: em 2023, o montante total desses pagamentos enviados para a América Latina e o Caribe atingiu cerca de US$ 156 bilhões, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Isso é quase o triplo do valor de uma década atrás. É muito dinheiro, mais do que o que o Banco Mundial empresta aos países em desenvolvimento todos os anos e mais do que todos os empréstimos em aberto que o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem com quase 100 países.
Esses recursos chegam sem condições, politicagem, burocracia ou atrasos, fornecendo dinheiro aos latino-americanos necessitados para educação, reformas em imóveis ou despesas correntes.
Esta tendência revolucionária nas finanças da região está começando a ter um impacto descomunal, sustentando os níveis de consumo e até ajudando a equilibrar as contas correntes em países pequenos e a impedir a inadimplência.
A nível humano, as remessas mudam a dinâmica dentro das famílias, promovendo o altruísmo. Elas também provavelmente contribuem mais para a integração orgânica entre os EUA e a América Latina que os acordos comerciais, que ultimamente estão mais raros.
Os governos e as instituições financeiras da região devem aproveitar a tendência para promover a digitalização, a incorporação dos trabalhadores na economia formal e o acesso dos cidadãos de baixa renda a produtos financeiros.
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Em países da América Central como El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua, as remessas representam entre 20% e 30% do produto interno bruto e, em alguns casos, ultrapassam os níveis de impostos e despesas governamentais.
O México, segundo maior beneficiário do mundo, recebeu mais de US$ 63 bilhões em remessas no ano passado, 70% acima dos níveis pré-pandemia e o suficiente para explicar parte do histórico rali do peso nos últimos anos.
Mesmo a Argentina, um país que tradicionalmente não aparece no ranking de remessas, registrou em 2023 um aumento estimado de cerca de 26% nas entradas de fundos enviados por migrantes (neste caso, Espanha aparece como uma fonte de saídas quase tão grandes como os EUA).
A grande questão é por quanto tempo esse crescimento explosivo poderá ser sustentado. O México registrou o seu primeiro declínio anual nas remessas em quase quatro anos durante o mês de março.
No entanto, contrariamente às expectativas de alguns especialistas, as remessas não entraram em colapso quando a crise da pandemia melhorou (durante o auge da crise, os migrantes nos EUA ajudaram generosamente as suas famílias em seu país de origem, onde recebiam escasso apoio governamental).
“É notável que as remessas não tenham caído após a pandemia e isso mostra que houve uma mudança permanente na forma como as famílias estruturam as suas economias”, disse o especialista em migração do BID, Jeremy Harris. “É uma nova forma de alocação de recursos.”
Um novo relatório do Morgan Stanley esclareceu essa força e encontrou uma ligação clara entre o crescimento das remessas e a expansão da economia dos EUA, juntamente com o aumento de migrantes empregados naquele país.
De acordo com o Morgan Stanley, um aumento de 1 ponto percentual no crescimento real do PIB dos EUA deverá traduzir-se em 4,3 pontos percentuais de crescimento adicional nas remessas enviadas do paísa. Eles também estimam que um aumento de um ponto percentual no número de trabalhadores hispânicos empregados nos EUA deveria desencadear um aumento de 1,5 ponto percentual no crescimento das remessas.
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“Esperamos que as remessas continuem resilientes, apesar de já terem atingido níveis recordes devido à força contínua da economia dos EUA, que deverá persistir em grande parte devido ao aumento da imigração”, escreveram os analistas do Morgan Stanley no relatório de 12 de abril.
“A permanência das remessas em níveis elevados deverá ajudar o perfil de crédito de todos os países, embora isto seja mais importante para aqueles que enfrentam elevadas vulnerabilidades externas”.
Atualmente, trata-se de dinheiro privado pertencente a famílias e indivíduos, e seria melhor se os governos não interferissem nele para além das proteções necessárias para prevenir a lavagem de dinheiro e outras atividades ilegais, bem como os abusos de mercado.
Os governos federais ou locais dos EUA podem ficar tentados pela ideia de introduzir impostos ou taxas sobre remessas para pressionar os países a controlar os fluxos migratórios. Mas cortar esse financiamento financeiro aos países latino-americanos provavelmente os tornaria mais instáveis, e não menos (além de ser moralmente repreensível porque essa renda já foi tributada).
Além disso, tais medidas conduzirão o dinheiro para a clandestinidade, incentivando as pessoas a enviar dinheiro através de países terceiros, de canais ilegais ou de regressar à economia informal.
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Esse é exatamente o oposto da tendência crescente de digitalização que vemos nesse mercado, que vem reduzindo a informalidade e as transações ilícitas ou relacionadas ao crime.
Plataformas online como Remitly e InterMex, populares entre os remetentes, estão ganhando participação no mercado.
As margens para empresas como a BanCoppel, que detém cerca de um terço do mercado de pagamentos de remessas do México, são muito baixas (a taxa fixa de cerca de US$ 10 paga pelos remetentes em transações médias é normalmente distribuída pelos três ou quatro intermediários do processo); quando os clientes utilizam seu aplicativo para receber dinheiro eletronicamente, isso dá às empresas informações valiosas sobre os seus clientes, o que por sua vez abre oportunidades para os seus canais de venda no varejo.
Fintechs como Mercado Pago, do Mercado Livre (MELI), e Ualá estão entre as muitas empresas que lutam por esse segmento aquecido.
Nada disso significa que os governos não tenham um papel a desempenhar: na verdade, podem fazer muito para promover a utilização dos rendimentos das remessas para poupanças ou compras, para além do financiamento das despesas diárias, e para incentivar maior acesso a produtos financeiros.
A redução das taxas de remessas (um compromisso que o G20 assumiu) é também uma área em que muito mais pode ser feito, mesmo com o declínio constante observado nos últimos anos.
Quando estava prestes a sair da movimentada loja de Iztapalapa, encontrei Mónica, que me contou que recebe do marido uma transferência a cada oito dias após ele ter migrado migrou para trabalhar na Flórida. Ele faz isso há dez anos e também sustenta a mãe.
Não há dúvida de que a distância impõe dificuldades às relações familiares. Mas a crescente facilidade dessas transações permite um novo tipo de relação econômica, que dá às famílias de baixa renda as informações e as ferramentas de que necessitam para obterem maior controlo sobre as suas próprias finanças – e isso é bom para todos.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Juan Pablo Spinetto é colunista de Opinião da Bloomberg e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.
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