Bloomberg Opinion — O retorno de Bob Iger à Walt Disney (DIS) para seu segundo mandato como CEO foi marcado por duas grandes batalhas: uma contra a Trian Partners, do investidor ativista Nelson Peltz, e a outra contra a percepção de que a Disney é uma empresa “woke”*, que promove uma agenda de esquerda.
Iger teve uma vitória decisiva contra a Trian e conseguiu deixar Peltz e seu aliado, o ex-CFO da Disney Jay Rasulo de fora do conselho. Mas, no que diz respeito à segunda batalha, talvez ele tenha cantado vitória antecipadamente.
Na quinta-feira (4), Iger disse à CNBC que acreditava que a Disney estava fora de perigo no que diz respeito às guerras culturais – que o burburinho em torno da questão havia “meio que se acalmado”.
Mas bastava sintonizar a reunião de acionistas da empresa na quarta-feira (3) para ter uma ideia de como será desafiador para a Disney realmente se desvencilhar do discurso partidário.
Além da proposta da Trian e da de outra empresa ativista, a Blackwells Capital, que também buscava assentos no conselho, três das outras quatro propostas dos acionistas estavam relacionadas a questões políticas e sociais.
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Uma delas solicitava que a empresa publicasse um relatório analisando como seus valores declarados publicamente se alinham com suas doações políticas, enfatizando seu esforço em apoiar mulheres líderes e, ao mesmo tempo, fazer contribuições para políticos contrários à política de aborto.
Outra proposta acusava a Disney de se tornar “a Úrsula que rouba as vozes de milhares de pequenas sereias em todo o mundo” ao oferecer planos de saúde que cobrem cuidados de afirmação de gênero.
Uma terceira argumentava que suas doações a algumas organizações que atendem à comunidade LGBTQIA+ são “objetivos extremos que ignoram as crenças da maioria dos americanos”.
Essas propostas não tiveram o peso ou a atenção que vieram com a campanha de Peltz, mas representam o campo minado político que as empresas americanas precisam atravessar regularmente.
Em resumo, alguns acionistas acreditam que a Disney está alienando os consumidores por não estar à altura de seus valores liberais; outros acham que esses valores liberais, disseminados por meio de seu conteúdo e das causas que apoia, são exatamente o motivo da alienação.
Uma guerra cultural acirrada é uma das coisas que deu a Peltz a abertura para atacar a Disney em primeiro lugar.
Bob Chapek, sucessor escolhido a dedo por Iger em seu primeiro mandato como CEO, perdeu a confiança da diretoria em parte devido à sua abordagem na resposta da empresa à lei “Don’t Say Gay” (“não diga gay” em tradução livre) da Flórida – projeto de lei que limita a orientação sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas.
A princípio, Chapek disse que a empresa não se manifestaria publicamente contra a lei – decisão que deixou um contingente de funcionários indignados. Quando ele reverteu sua posição, provocou a ira do governador da Flórida, Ron DeSantis, que criticou a empresa por sua política ”woke”.
Peltz aproveitou o momento e usou a fracassada sucessão do CEO da Disney como seu argumento mais convincente durante sua campanha.
Ele também aproveitou a guerra cultural como tática para tentar ganhar o apoio de um subconjunto de acionistas, como em uma entrevista recente ao Financial Times na qual questionou: “por que tenho que ter uma Marvel só de mulheres? Não que eu tenha algo contra as mulheres, mas por que tenho que fazer isso? Por que não posso ter uma Marvel que seja ambos? Por que preciso de um elenco só de negros?”
É provável que esse tipo de retórica tenha ajudado Peltz a obter o apoio de Elon Musk, que se manifestou contra os esforços de diversidade, equidade e inclusão da Disney no X (antigo Twitter).
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A estratégia de Iger parece colocar a empresa em um terreno que ele considera neutro. Desde então, ele fez as pazes com DeSantis e disse em sua entrevista de quinta-feira à CNBC: “o ponto principal é que não visamos a promoção da inclusão como uma espécie de prioridade número 1 em nossos filmes e programas de TV. A prioridade é o entretenimento”.
Iger já fez variações desses comentários várias vezes, assim como Peltz, que disse ao Financial Times: “as pessoas vão assistir a um filme ou programa para se divertir. Elas não vão para receber uma mensagem”.
É mesmo? Conteúdo desprovido de mensagem parece muito chato, e é improvável que seja a cura para a série de fracassos de bilheteria que a Disney lançou recentemente. Como prova, Iger só precisa olhar para Barbie, da Mattel, um filme abertamente feminista que se tornou um fenômeno cultural e de bilheteria.
Como Mary McNamara escreveu no Los Angeles Times, “a Disney sempre se preocupou em enviar mensagens – que a magia é real e deve ser abraçada e celebrada por todos. Não apenas por um bando de velhos, heterossexuais e brancos que acreditam que ‘entretenimento’ significa que tudo gira em torno deles”.
Embora a Disney tenha feito de tudo (e gastado muito dinheiro) para vencer Peltz, uma das coisas mais eficazes que Iger fez foi começar a consertar a empresa.
Durante a teleconferência de resultados da empresa em fevereiro, ele bombardeou os investidores com uma lista de iniciativas (um investimento na Epic Games, fabricante do jogo Fortnite, uma sequência do filme Moana e direitos exclusivos para o filme da turnê Eras Tour de Taylor Swift), ao mesmo tempo em que informava que o negócio de streaming da empresa, em dificuldades, seria lucrativo até o final do ano.
Isso agradou a muitos dos investidores da empresa – e ao mercado: as ações subiram cerca de 30% desde o início do ano.
Se Iger quiser vencer as guerras culturais de forma tão decisiva quanto o fez com a Trian, ele precisa manter o foco. Isso significa se concentrar nos negócios, acertar seu plano de sucessão e, sim, criar conteúdo pelo qual os clientes da Disney possam se apaixonar – as “mensagens” e tudo mais.
Acredito que ele descobrirá que é muito mais difícil para seus críticos reclamarem de um posicionamento “woke” quando os retornos são consistentemente destinados à franca expansão da empresa.
* Nota do Editor: O termo “woke” (acordado, alerta, em inglês) é usado para descrever pessoa ou entidade engajada em causas sociais, como desigualdade de gênero ou combate ao racismo. Críticos a esses movimentos costumam usar o termo com conotação pejorativa.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.
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