Opinión - Bloomberg

Por que o uso de drogas para melhorar a performance no trabalho não é aceitável

Há uma conexão entre o trabalho em alta performance e sob pressão e o uso de substâncias ilícitas ou sem prescrição médica; normalizar esses hábitos é um caminho perigoso

A syringe sits in a bottle of Ketamine inside the operating room (Foto: Brent Lewin/Bloomberg)
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Elon Musk supostamente toma microdoses de cetamina (ou ketamina) no trabalho; executivas estressadas estão se automedicando com psilocibina; Wall Street pode estar inundada de estimulantes.

Executivos da área de tecnologia estão usando psicodélicos para serem mais criativos, enquanto traders e pilotos de avião dependem de bolsas de nicotina para ficarem alertas. Com essas manchetes, você poderia até pensar que todos os que têm um emprego que implica estar sob elevada pressão – ou que têm sérias ambições de subir na hierarquia – estão usando drogas.

Não quero parecer careta, mas... Nada disso é uma boa ideia. Todos sabemos os riscos que as drogas representam. Vício. Overdose. Problemas de saúde de longo prazo. A possibilidade de que o que se compra na rua – ou de um colega de trabalho – possa estar contaminado com algo mais perigoso.

É difícil ter uma visão concreta do uso de drogas por profissionais porque os dados sobre o uso de drogas ilícitas não são discriminados por setor ou cargo. Mas mesmo que os relatórios recheados de anedotas exagerem o problema, está claro que a estratégia de “diga não às drogas” ficou no passado.

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“Atualmente, estamos em uma cultura relativamente mais permissiva para o uso de muitas substâncias”, diz o Dr. Rocco Iannucci, especialista em transtornos por uso de substâncias do McLean Hospital, o braço de saúde mental da Harvard Medical School. “E talvez uma cultura realmente estressante ao mesmo tempo.” Essa é uma receita perigosa.

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Muitos dos profissionais que usam substâncias ilícitas fazem longas jornadas e sentem que não têm tempo para relaxar, fazer exercícios ou se reunir com amigos ou familiares. Isso pode alimentar o desejo de uma solução rápida para se sentir melhor, diz Iannucci. Ou eles buscam algo que os ajude a continuar trabalhando.

O individualismo valorizado nos altos escalões das empresas americanas também pode desempenhar um papel no desestímulo a mecanismos de enfrentamento mais saudáveis.

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Nos níveis mais altos de uma organização, “há uma cultura de administrar as coisas por conta própria, seguir seu próprio caminho, resolver problemas sozinho ou ser capaz de superar os problemas”, diz ele. Isso pode aumentar o apelo da automedicação, em vez de reduzir ou delegar mais. E os americanos, em particular, associam a ocupação com status.

Quanto aos executivos que recorrem a drogas como os psicodélicos para melhorar sua criatividade, eles podem se chamar de “biohackers”, mas vejo um tipo de insegurança – um medo de que sua ingenuidade humana inata não seja suficiente.

Sob esse ponto de vista, o uso de drogas corporativas parece mais um problema de vício em trabalho disfarçado de problema com drogas, ou talvez um problema de vício em trabalho que se transformou em um problema com drogas.

Como alternativa, é possível que o vício em trabalho não seja a causa dos problemas de uso de substâncias, mas uma espécie de companheiro. Trabalho, drogas e álcool – todos podem criar uma espécie de ruído que abafa, mas nunca silencia, os demônios internos de uma pessoa.

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Falando em álcool, também vale lembrar que a bebida alcoólica é, de longe, o maior problema na América corporativa, mesmo quando a atenção do público se volta para novas substâncias.

Gráfico

Os empreendedores bem-sucedidos e os líderes de alto escalão também tendem a ter um índice excessivo de impulsividade e de assunção de riscos, diz Tomas Chamorro-Premuzic, professor de psicologia empresarial da University College London e da Columbia University.

É difícil ser um líder visionário se você não estiver disposto a desafiar o status quo. Regras insignificantes – como o fato de certas substâncias serem ilegais – podem parecer mais uma burocracia regulatória a ser ignorada.

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Isso é particularmente provável no Vale do Silício, com sua cultura de negócios que valoriza a velocidade e a ousadia. O Facebook pode ter abandonado oficialmente o mote de agir rápido e intensamente em 2014, mas a ideia continua com uma influência enorme – e não apenas no setor de tecnologia.

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É fácil ver como uma pessoa inteligente e bem-sucedida poderia racionalizar o uso de substâncias ilícitas, ou substâncias lícitas usadas ilicitamente (como um remédio para foco sem receita médica).

Alguns teóricos da gestão chegaram a sugerir que, no futuro, todos nós estaremos usando substâncias de um tipo ou de outro no trabalho, e que não pensaremos mais nisso do que pensamos em tomar uma xícara de chá para superar a preguiça após o almoço.

Mas há sérias diferenças, diz Iannucci, entre tomar medicamentos prescritos sob os cuidados de um médico e experimentar substâncias, especialmente aquelas que não são legais ou aprovadas pela Food and Drugs Administration dos EUA (o FDA, órgão análogo à Anvisa), por conta própria.

Não vou defender uma nova guerra às drogas, mas seria saudável promulgar mais restrições. Os CEOs e os executivos seniores devem seguir a lei. As expectativas de horas trabalhadas devem seguir os limites naturais do corpo humano. E aqueles que desejam melhorar sua criatividade e produtividade devem seguir os conselhos de seus médicos, não os de um traficante de drogas.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Sarah Green Carmichael é colunista e editora da Bloomberg Opinion. Foi editora executiva na Harvard Business Review.

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