Estamos ganhando mercado e chegamos a níveis inéditos no Brasil, diz CEO da Decolar

Em entrevista à Bloomberg Línea, Damián Scokin, CEO da plataforma de viagens com foco em LatAm, fala dos planos de crescimento no Brasil e na região depois de resultado trimestral recorde

Damián Scokin, CEO de Despegar.com
21 de Março, 2024 | 05:05 AM

Leia esta notícia em

Inglês ou emEspanhol

Buenos Aires — A Despegar, agência de viagens digital com foco na América Latina, listada na NYSE e que é conhecida como Decolar no Brasil, alcançou em 2023 o melhor ano de sua história, com recordes em indicadores como receitas e Ebitda. O crescimento esteve acima da média de mercado, o que possibilitou ganhar market share. E as expectativas apontam para um ano melhor do que 2023, a despeito de incertezas politico-econômicas na região. Foi o que afirmou o CEO da Decolar, Damián Scokin, em entrevista à Bloomberg Línea.

“Alcançamos níveis de crescimento e penetração em nossos principais mercados, México e Brasil, que nunca tínhamos alcançado antes. São mercados que se ordenaram muito competitivamente e são muito mais racionais no pós-pandemia”, disse Scokin.

O executivo que comanda a Despegar desde 2017 explicou que o resultado recorde derivou de uma combinação de fatores, de “muito sucesso em algumas estratégias muito concretas, como a venda de pacotes [...] com ofertas muito boas em termos de preços nesses mercados” até uma disciplina na gestão de custos que tem sido adotada ao longo de anos, desde antes da pandemia.

Para 2024, a expectativa é a de um ano melhor do que o passado, citando fatores como a queda das taxas de juros em mercados como o Brasil, o principal para a companhia. “Estou em Nova York, e muitos investidores me fazem essa pergunta [sobre os riscos ao negócio]. A região tem muitos desafios, com todas as eleições etc. Mas é difícil prever mudanças drásticas ou surpresas inesperadas.”

PUBLICIDADE

Scokin comentou ainda sobre como os preços recordes em passagens aéreas, que disse avaliar que não devem baixar no curto prazo em razão das limitações de companhias em ampliar a oferta com novos voos e aeronaves, estão impactando os negócios da Despegar. O executivo trabalhou por uma década na LATAM Airlines Group e liderou entre 2012 e 2014 as operações internacionais.

“Para nós, é uma boa e uma má notícia, porque os níveis médios de preços das transações da Decolar estão em um recorde histórico [...] Mas gostamos de oferecer viagens acessíveis, faz parte de nossa proposta de valor, seja por bons preços ou porque podemos financiar [os clientes].”

Crescimento trimestral de 40%

Ao comentar sobre a receita recorde durante o quarto trimestre de 2023 - US$ 203,7 milhões, um aumento de 40% na base anual -, Scokin disse à Bloomberg Línea que a Argentina atualmente representa 14% da receita total.

Fruto em parte de uma estratégia agressiva de M&A, a Decolar - originalmente Despegar na Argentina - avançou ao longo dos anos no Brasil e no México, as duas maiores economias da América Latina.

Os dois mercados juntos representaram 42,9% das receitas brutas - US$ 806 milhões de um total de US$ 1,879 bilhão - da plataforma durante o último trimestre de 2023.

No entanto o maior crescimento não veio desses dois mercados, mas, sim, do restante da América Latina (que inclui Argentina, Colômbia e Chile), que registrou um aumento de 133% em relação ao ano anterior entre outubro e dezembro, alcançando US$ 1,074 bilhão. Em 2023, a Decolar teve um lucro líquido de US$ 29 milhões, saiando do vermelho do ano anterior (perda de US$ 68,5 milhões).

Veja a entrevista a seguir com Damián Scokin, CEO da Despegar, marca conhecida como Decolar no Brasil:

PUBLICIDADE

As ações da Despegar em Nova York valem mais do que o dobro do que no pior momento da pandemia, mas menos da metade do seu máximo histórico em 2018. Como interpreta esse valor de mercado? A empresa deveria valer mais ou menos do que antes da pandemia?

Os mercados não são justos. Eles são o que são e você tem que aceitar. A Despegar nunca teve um ano como em 2023. Quando valia o dobro, não ganhava tanto dinheiro, aproximadamente 30% menos de Ebitda. Isso fala da volatilidade dos mercados, de como valorizam certas coisas em cada momento, e como você tem que se concentrar em executar, executar e gerar resultados.

Tivemos um ano recorde para a empresa e isso se refletiu em uma valorização muito significativa de nossas ações, mas acreditamos que ainda há uma possibilidade de aumentar tremendamente seu valor. Quando comparada com empresas semelhantes, nossos múltiplos de Ebitda, de receita, ainda são muito, muito baixos. Acho que o mercado nos últimos meses reconheceu isso, esse cumprimento do guidance que demos, e é uma questão de tempo até que se ajustem novamente.

Quais foram os principais drivers por trás desse Ebitda que subiu 248% ano a ano, e também do recorde trimestral de receita?

Há várias coisas relacionadas tanto com o top line [as receitas] como com a estrutura de custos. No top line, alcançamos níveis de crescimento e penetração em nossos principais mercados, México e Brasil, que nunca tínhamos alcançado antes. São mercados que se ordenaram muito competitivamente e são muito mais racionais no pós-pandemia.

Tivemos muito sucesso em algumas estratégias muito concretas, como a venda de pacotes. Fomos muito ambiciosos e fizemos ofertas muito boas em termos de preços nesses mercados, o que resultou em um bom nível de geração de receita.

Além disso, a Despegar foi extremamente disciplinada ao longo desses anos na gestão de custos. Todos os indicadores de custos hoje são muito mais eficientes do que antes da pandemia. Isso permite, com o aumento do volume de vendas e da receita, manter os custos fixos. E isso se traduz em um aumento muito maior de nossa rentabilidade. Temos uma plataforma, uma base de custos, que é escalável. Não precisa aumentar para aumentar o volume.

Sobre a escalabilidade, quanto você acha que o faturamento da Despegar poderia atingir nos próximos cinco anos?

Vou remeter a um Investor Day em 2022, em que apresentamos com clareza nossa estratégia para os cinco anos seguintes. Dissemos que teríamos taxas de crescimento médio de 20% em nosso top line e que, quando atingíssemos os volumes de 2019, estaríamos em torno de US$ 130 milhões de Ebitda. Já estamos muito, muito perto, e nossa ambição de crescimento em cinco anos é dobrar o tamanho da empresa. Temos, no mínimo, a ambição de que a Despegar fature US$ 10 bilhões por ano.

Olhando para 2024, quais são os principais riscos para a rentabilidade da Despegar?

Estou em Nova York, e muitos investidores me fazem essa pergunta. A região tem muitos desafios, com todas as eleições etc. Mas é difícil prever mudanças drásticas ou surpresas inesperadas. O Brasil é um mercado tremendamente relevante, o maior. Tem um ano pela frente que não necessariamente será bom. Será melhor do que 2023, porque todo mundo espera que as taxas de juros caiam e que a política acompanhe e não traga más notícias.

No México, há eleições em que não se esperam surpresas. E, indo além dos discursos, continua sendo uma economia em crescimento. No Chile, acho que todas as nuvens já passaram. Não será um grande ano, porque houve anos melhores, mas ninguém prevê que 2024 na América Latina seja pior do que 2023. Então, em termos de preocupações macro, geralmente não as vejo em 2024.

Durante a pandemia, os preços das passagens aéreas em todo o mundo e para viajar em geral dispararam. Preveem que essa situação comece a se normalizar em 2024?

Os preços das passagens aéreas são recorde e é difícil prever que a curto prazo diminuam, porque o que está fazendo com que estejam nesses níveis tem mais a ver com a capacidade de assentos, que hoje está restrita em todo o mundo devido aos problemas de entrega de aviões pelos fabricantes.

Portanto, atualmente todas as companhias aéreas estão com muitas restrições para aumentar sua oferta de assentos, e isso é algo que ninguém prevê que se recupere ou se resolva a curto prazo. Por um tempo, os níveis de preços continuarão altos.

Para nós, é uma boa e uma má notícia, porque os níveis médios de preços das transações da Despegar estão em um recorde histórico. As pessoas continuam comprando porque querem viajar, mas obviamente gostamos de oferecer viagens acessíveis. Isso faz parte de nossa proposta de valor, seja por bons preços ou porque podemos financiar [os clientes]. Seria uma boa notícia para nós se os preços baixassem, embora não vejamos isso acontecer a curto prazo.

Se os preços parecem bastante inflexíveis a curto prazo, qual é a competição hoje para vocês? Vi que aumentaram suas comissões em relação ao que cobravam em 2019.

Em relação ao percentual, é verdade. Nossa taxa de comissão, o percentual sobre o que faturamos, aumentou, mas não porque estamos cobrando mais caro. Aumentou por duas razões: porque vendemos cada vez mais pacotes em vez de produtos individuais e, nesse caso, nossa margem é maior. E aumentou porque, no mix de países, o Brasil cresceu e é um mercado em que geralmente temos uma margem maior.

Em geral, em 2023, os preços se mantiveram estáveis ou diminuíram. Quanto à competição e ao crescimento, não esqueça que a penetração online no setor de turismo ainda é baixa e precisa continuar crescendo. Metade das transações de turismo hoje são feitas offline. Muito mais alto do que em outros setores. Estamos crescendo acima do mercado. Além disso, estamos constantemente inovando com nossos recursos e serviços, o que nos permite ganhar participação de mercado de concorrentes.

No México e no Brasil, vocês cresceram muito de mãos dadas com a estratégia de M&A. Podemos esperar novidades nesse ponto neste ano?

Sempre temos uma grande ambição de crescimento e, para alcançar aqueles 20% anuais em média que mencionava antes, temos claro que é uma combinação de crescimento orgânico e inorgânico. O inorgânico não é algo que se deseje unilateralmente. Tem que haver um acordo de preços, de condições, e somos muito disciplinados na hora de fazer ofertas e de comprar empresas para garantir que o sucesso econômico da transação beneficie os acionistas.

Como pretendem continuar a crescer no Brasil e no México? E como a tokenização entra nessa equação?

Brasil e México têm estratégias semelhantes. O México é um mercado em que ainda temos muito mais para crescer e estamos fazendo isso por meio de múltiplos canais. Investimos muito na compra da Best Day, e está rendendo muito, muito bem, mas ainda temos muito caminho pela frente.

E a tokenização é muito importante no negócio de viagens, em várias coisas. Já estamos usando em termos de meio de pagamento. Como meio de pagamento, aceitamos bitcoin. Poucas empresas o fazem. Mas também, se você pensar na experiência de viagem, pode se beneficiar muito do conceito de tokenização e de cadeias seguras.

Quantas vezes você precisa mostrar o passaporte em uma viagem, no check-in, ao acessar a área de segurança, ao embarcar no avião, ao chegar à imigração em outro país? Há muitos desenvolvimentos também para a venda de passagens por usuários a terceiros. Há pessoas trabalhando muito nisso, e vemos um atrativo muito, muito grande.

As companhias aéreas têm que dar o primeiro passo. Algumas o fizeram, como a FlyBondi, e nós estamos encantados em apoiar e participar desse mercado secundário de venda de assentos ou de hotéis. Temos muito otimismo para 2024, acreditamos que os resultados de 2023 são uma mostra da força com que a empresa saiu da pandemia e das oportunidades que temos pela frente.

A Argentina passa por uma transição política, econômica, cambial... Vocês acham que a receita será fortemente afetada pela recessão esperada neste ano?

A Despegar tem navegado por esses mercados complicados. Há mudanças a curto prazo, obviamente o primeiro trimestre será muito diferente do quarto trimestre de 2023. Mas conseguimos nos adaptar e acreditamos que a empresa não será afetada negativamente.

Acreditamos que, a curto prazo, as condições competitivas se normalizem, porque hoje, com a grande diferença cambial, com o imposto PAÍS que é uma grande fonte de receita fiscal para o governo, gerar demanda por viagens é um desafio. Consideramos que é uma situação transitória.

[Nota da redação: o imposto PAÍS, instituído pelo então presidente Alberto Fernández, tem uma alíquota de 30% que se aplica à compra de dólares, às despesas com cartão de débito e crédito em moeda estrangeira e aos serviços turísticos no exterior. O percentual pode variar de acordo com a operação.]

E qual impacto vocês preveem com o fim do controle cambial a curto prazo?

Deve ser muito positivo para nós, porque todas as limitações e os custos adicionais que impedem os turistas de viajar... Na Argentina, viajam as pessoas que realmente têm muita vontade, porque têm que pagar impostos. Se quiser pagar em dólares, tem que se lembrar de pagar o cartão antes que a fatura chegue. Como tudo na Argentina, temos que alcançar um nível de complexidade ridículo para que o Estado arrecade mais. E o Estado em algum momento não vai arrecadar nada.

E se o imposto PAÍS for eliminado, é possível pensar em um cenário em que alguns preços baixem?

Sem dúvida. Para os consumidores, o imposto PAÍS representa um custo adicional ridículo. Você conhece bem a composição do custo de uma passagem na Argentina, quantos são impostos e quanto as companhias aéreas realmente recebem, é ridículo. À medida que as pessoas percebam isso e o governo se racionalize, haverá mais demanda.

Como está sendo a experiência da assistente virtual de viagem com inteligência artificial e qual é o impacto concreto que veem na hora de obter mais eficiência nos custos?

A Sofia [nome da assistente com IA] é algo tremendamente revolucionário. Estamos muito, muito contentes com os resultados que estamos obtendo. Mas não estamos desenvolvendo isso com o objetivo de economizar custos, embora tenhamos outras iniciativas de economia de custos com IA, mas não com a Sofia.

A Sofia está muito mais relacionada a acompanhar os clientes nas etapas iniciais da viagem, na parte de exploração e no planejamento. Isso foi totalmente interno, desenvolvido por toda uma equipe da Decolar.

A tendência de uso de inteligência artificial em empresas, como na Despegar, pode levar a uma menor necessidade de pessoal a longo prazo?

Não, no nosso caso, certamente não. Pelo contrário, haverá mais pessoas de tecnologia e de produto e, se formos inteligentes, talvez menos pessoas em outros setores.

Como toda tecnologia é disruptiva, em algumas áreas gera muito mais demanda por emprego, como tecnologias produtivas, e, em outras áreas, é disruptiva, gerando menos demanda por emprego. Provavelmente em nossos centros de atendimento ao cliente, precisaremos de menos pessoas, porque faremos tudo de forma mais automatizada.

O número de membros do seu programa de fidelidade tem crescido e chegou a 20 milhões. Como o conceberam para que tenha sucesso?

É um programa que se soma aos de fidelidade das companhias aéreas e dos hotéis, o que significa que as pessoas acumulam milhas ou pontos em dobro. As pessoas percebem que é um valor agregado ao seu programa de milhas. Agora, nosso desafio é fazer com que esses 20 milhões de membros comecem a resgatar cada vez mais. Hoje, o resgate está em 10% do checkout: 10% das transações da Despegar têm algum componente de pontos acumulados, o que é muito bom, mas preciso aumentar muito mais. Fala da potência, da marca e da fidelidade dos consumidores com a Despegar.

Leia também

O que o cancelamento de festivais de música nos EUA diz sobre a saúde do setor

Disney mais cara: como viagens a parques agora podem custar até R$ 200 mil

Francisco Aldaya

Jornalista argentino com 10 anos de experiência. Francisco cobriu o setor financeiro da América Latina na S&P Global Market Intelligence e também trabalhou nas seções de economia e política do Buenos Aires Herald. Ele também contribuiu para o Buenos Aires Times.