Computação quântica dará impulso à era da IA, diz líder da área do Google

Em entrevista à Bloomberg Línea, Charina Chou, COO do Google Quantum AI, fala sobre os planos da empresa e os potenciais benefícios dos computadores quânticos para a IA

Charina Chou
13 de Março, 2024 | 06:00 AM

Bloomberg Línea — O Google, da Alphabet (GOOGL), está em uma missão ambiciosa para construir um computador quântico, que poderá equacionar questões complexas consideradas impossíveis para os modelos atuais e adicionar uma ferramenta ao arsenal da nova era de Inteligência Artificial (IA) Generativa.

Charina Chou, COO do Google Quantum AI, apresentou detalhes sobre o trabalho em andamento no laboratório do Google na Califórnia e falou sobre os desafios da computação quântica no South by Southwest (SXSW), evento de inovação realizado em Austin, no Texas.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, Chou disse que o esforço central do Google se concentra na construção do próprio hardware, com uma ênfase particular na fabricação dos chips quânticos.

“Há muitos chips especiais sendo desenvolvidos especificamente para IA. Há CPUs e GPUs. Eles são fantásticos na multiplicação de matrizes, mas não significa que eles sejam bons em todos os outros cálculos que existem no mundo. Essa é exatamente uma ótima analogia para pensar em chips quânticos”, afirmou a executiva.

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Utilizando alumínio supercondutor em silício, a equipe do Google Quantum AI explora materiais e processos para aprimorar a qualidade cúbica dos bits quânticos, introduzindo mais complexidade em um único chip.

Um computador quântico utiliza princípios da mecânica quântica para processar informações. Diferentemente dos computadores clássicos, que usam bits para representar sequências de zero e um, os quânticos usam qubits, que podem representar 0, 1, ou ambos simultaneamente, devido ao fenômeno da sobreposição quântica. Isso permite realizar cálculos em paralelo, potencialmente oferecendo vantagens em certos tipos de problemas complexos.

Segundo Chou, a computação quântica pode resolver problemas como simulação química e compreensão de sistemas complexos de mecânica quântica, como a produção de fertilizantes.

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Chou também disse que os computadores quânticos são mais adequados para simulações na pesquisas sobre medicamentos potenciais e suas interações com moléculas biológicas complexas.

Os computadores quânticos também podem possibilitar simulações detalhadas de baterias eletroquímicas, o que pode levar a versões mais eficientes e de maior desempenho, de acordo com a especialista.

No laboratório do Google, os chips quânticos são empacotados e conectados antes de serem resfriados em um freezer, já que os bits só se tornam efetivamente quânticos quando resfriados quase até o zero absoluto.

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Estima-se que ainda levará muitos anos para alcançar o “computador quântico definitivo” com milhões de bits quânticos e mínimos erros. Até o momento, nenhum computador quântico superou um supercomputador em uma aplicação do mundo real.

Leia abaixo a entrevista com a Charina Chou, editada para fins de concisão e clareza:

O que faz o Google Quantum AI?

A missão do Google Quantum AI é construir a melhor computação quântica da categoria para problemas que de outra forma seriam impossíveis [de solucionar]. E isso abrange uma série de atividades diferentes. Grande parte do nosso trabalho é construir o próprio computador, uma facility de hardware. Essa facility de hardware para nós está localizada em Santa Barbara, na Califórnia, a cerca de uma hora e meia ao norte de Los Angeles. Temos um laboratório em que fabricamos os chips [quânticos].

Então, temos nossa própria instalação de fabricação em que produzimos os chips que possuem bits quânticos. Usamos alumínio em silício e estamos explorando outros tipos de materiais e processos diferentes para melhorar nossa qualidade.

Também temos como parte desse laboratório uma instalação em que colocamos os chips dentro dos pacotes e os conectamos. Esse pacote conectado vai para uma espécie de geladeira muito fria. Estamos usando alumínio supercondutor em silício.

Esses objetos têm muitas vantagens, são fáceis de fabricar usando suas técnicas padrão, mas não se tornam objetos quânticos até que sejam resfriados até quase o zero absoluto. E essa é a razão da enorme geladeira.

Como pode descrever o avanço da computação quântica e por que isso é importante para a nova era de IA, com IA generativa?

Com os computadores tradicionais de hoje, mesmo os melhores computadores de hoje usando os melhores modelos de aprendizado de máquina, usando a melhor IA generativa, ainda existem várias classes de problemas que serão impossíveis para [solucionar com] os melhores computadores.

Para dar um exemplo: se você sai na natureza, você vê um lindo céu azul ou um arco-íris ou você vê folhas em uma planta e elas estão transformando a luz do sol em comida. Todos esses processos se devem à mecânica quântica.

A mecânica quântica governa como os elétrons, os átomos e as moléculas se comportam em um nível fundamental.

É muito complexo, né? Pense em um átomo de hidrogênio, você tem um elétron, você pensa em toda a tabela periódica, cada vez que adiciona mais prótons, mais elétrons, você começa a ter mais e mais interações. Na verdade, é muito complicado para um computador clássico calcular tudo isso, todos esses comportamentos.

À medida que você adiciona mais e mais, fica muito complexo, podemos fazer muitas aproximações com os melhores computadores de hoje. Mas não podemos resolver alguns problemas que são de natureza mecânica quântica. É aí que entra a computação quântica. É a mesma ideia, se você tem um sistema quântico, por que não usar um sistema quântico para simular e entender melhor isso?

Não achamos que algum dia haverá um futuro em que apenas os computadores quânticos serão os usados e serão a resposta para tudo o que fazemos. Vemos isso como outra ferramenta muito útil e poderosa que complementará grande parte do progresso que tivemos nas últimas décadas.

Empresas como Nvidia e Intel têm investido no desenvolvimento de chips especiais para IA. Você quer dizer que esses chips quânticos especiais irão complementar esses semicondutores de IA? É necessário ter ambos?

Há muitos chips especiais sendo desenvolvidos especificamente para IA. Há CPUs e GPUs. Curiosamente, na era de IA, muitos desses chips especiais são adaptados para cálculos específicos necessários para IA.

São fantásticos na multiplicação de matrizes, mas não significa que eles sejam bons em todos os outros cálculos que existem no mundo. Essa é exatamente uma ótima analogia para pensar em chips quânticos.

A maneira como vemos isso é que os chips quânticos serão fantásticos em cálculos quânticos específicos que não podemos fazer tão bem com todos os outros tipos de chips de uso geral. Isso será fantástico para alguns tipos de problemas e nos permitirá resolvê-los exponencialmente mais rápido.

Você pode dar exemplos de que tipos de problemas?

Elétrons, átomos, moléculas, todos esses são sistemas quânticos. Como produzimos todos os diferentes produtos químicos no mundo? Como produzimos fertilizantes? Isso requer um catalisador. É preciso entender como esse catalisador realmente se comporta, como os elétrons nele se comportam e como você poderia fazer um catalisador melhor.

Existem maneiras de melhorar as interações entre os catalisadores e as reações para chegar aos produtos muito mais rapidamente? Esse é o tipo de coisa que um computador quântico poderia, em teoria, simular com exatidão, que só podemos estimar agora usando os melhores computadores clássicos.

Isso será útil para cálculos como melhor desenvolvimento de baterias. Pense em baterias de íon de lítio, por exemplo, em um melhor desenvolvimento de reatores de fusão. Você sabe exatamente como o reator deve ser projetado?

Há exemplos como o aprendizado de máquina quântica, por exemplo, é outra ideia que se mostra muito promissora. Há evidências de que os computadores quânticos serão muito melhores do que os computadores clássicos no aprendizado de máquina a partir de dados quânticos. Dados quânticos são quaisquer dados provenientes de elétrons, moléculas.

Há algumas evidências iniciais de que os computadores quânticos também podem desempenhar um papel importante e ter velocidades exponenciais até mesmo no aprendizado de alguns tipos de dados clássicos, por exemplo, compreensão de imagens de pixels, talvez até mesmo geração de imagens.

Ainda é muito cedo para dizer sobre alguns deles, mas só queria divulgar isso como aplicações potenciais. Outros exemplos estão em equações diferenciais de busca não estruturada, potencialmente otimização, além da descoberta de medicamentos, já que uma das grandes aplicações de um computador quântico é a simulação química.

O que é preciso levar em conta no desenvolvimento desses equipamentos?

Temos que pensar quantos transistores temos, quantos bits quânticos há no chip. Quanto mais bits quânticos houver, mais tipos de cálculos poderá executar. A quantidade é importante, a qualidade também é importante.

Em termos de quantidade, onde queremos chegar, esperamos que a gente precise de cerca de 1 milhão ou mais de bits quânticos para executar esses tipos de simulações químicas e outros problemas realmente complexos que vão além dos computadores clássicos. Os melhores hoje, incluindo do Google, são da ordem de 100. Queremos chegar a milhões ou mais.

Em termos de qualidade, esperamos que precisemos chegar a um erro em cada 1 milhão ou mais etapas algorítmicas. Porque em alguns desses algoritmos complexos, você não quer ter muitos erros.

O melhor que demonstramos no Google é cerca de um erro em cada 100 etapas algorítmicas. Então somos um em 100 agora, precisamos chegar a um em um milhão daqui para frente.

Nós antecipamos muitos anos, talvez até o final da década, para chegarmos a esse computador definitivo. Mas já podemos rodar algumas coisas muito interessantes nos processadores atuais. Eles não estão além do que você pode fazer em um computador clássico, mas são aplicativos instrutivos e importantes.

O que é falado sobre computação quântica hoje que não é verdade?

O primeiro mito é que os computadores quânticos já são melhores que os supercomputadores. A verificação dos fatos é que até o momento não há computador quântico que já superou um supercomputador em uma aplicação do mundo real. Essa é a esperança, é aonde queremos chegar, mas até hoje isso não existiu.

O segundo mito é que os computadores quânticos substituirão o seu computador. Achamos que vai complementar, mas não substituir.

A razão pela qual estamos tão investidos nisso é porque acreditamos que há um futuro. Acreditamos que existem usos realmente promissores para computadores quânticos.

Há quanto tempo o Google desenvolve o programa de computação quântica?

O Google começou a trabalhar nisso em 2013. Foi um trabalho muito bom vindo da academia, da indústria, do governo. Há muitos setores trabalhando juntos, avançando no campo algumas décadas para chegar a este ponto e esperamos continuar avançando.

Quanto o Google já investiu nesta iniciativa?

Não divulgamos os números, mas temos uma série de publicações e ferramentas de código aberto que compartilhamos publicamente.

Há muitas coisas que fazemos de maneira diferente do que fazíamos há dez anos. Estamos trabalhando para construir um computador quântico e há outros trabalhando nisso também.

Podemos imaginar diversas aplicações, mas sabemos que isso provavelmente será apenas uma fatia das muitas aplicações para as quais outros terão ideias.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups