Austin — O ano de 2023 foi marcado na indústria de tecnologia não apenas pelo avanço da Inteligência Artificial (IA) como também pela onda de demissões em big techs, de Amazon e Apple a Meta e Google. Para uma parte desses profissionais, a mudança levou à perspectiva de trabalhar como freelancer, uma modalidade que, segundo diferentes projeções - como do Banco Mundial -, vai crescer no mercado de trabalho nos próximos anos. Esse fenômeno, também relacionado à ascensão da chamada creator’s economy e aos impactos da IA, foi alvo de debate em painel no SXSW (South by Southwest) neste sábado (9) em Austin, no Texas.
“Eu fui contratada em 2019 e dispensada em 2022 com o grupo de pessoas que recebeu o comunicado do Elon Musk dizendo ‘vamos demitir um monte de pessoas’”, contou Carmen Kiew, ex-funcionária do Twitter (hoje X) que hoje é diretora de estratégia da Codeword, uma agência de comunicação criativa.
Alex Whedon, CEO e fundador do Jenn AI, trabalhava na Meta (especificamente no Instagram) antes de ser demitido e hoje, como freelancer, disse que está mais ocupado. “Para mim, há três pontos principais. A primeira é que trabalhar como freelancer é como investir em um ETF [produto de investimento que pode ter o rendimento atrelado a um índice com diferentes ativos] em vez de em uma única empresa. Você pode diversificar seu risco entre vários empregadores e relacionamentos”, afirmou.
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“Em segundo lugar, pode se especializar muito mais. Quando você trabalha em uma única empresa, está vinculado às prioridades dela. Quando trabalha em diversas empresas, pode priorizar e se especializar em lidar apenas com aquele problema de alto impacto. E esse é o terceiro ponto para mim: impacto.”
“Eu trabalhei em quatro empresas do Vale do Silício e tive dificuldade em ficar quieto porque entrei em uma empresa que resolveu aquele problema muito grande de como construir o primeiro texto baseado em sistema de recomendação e correção de pontos. Depois disso, fico entediado. Como freelancer, considero os projetos mais legais e os de maior impacto de todas as empresas para as quais trabalho.”
Joe Lazer, autor do livro “The Storytelling Edge” e líder de marketing no A.Team, não foi demitido, mas passou a última década envolvido com a construção de empresas que se desenvolveram a partir desse ponto.
“Agora construímos em cima de outra onda, que é o ‘the great resignation’, em que vimos muitas pessoas incríveis, que desenvolvem produtos igualmente incríveis, querendo se livrar da rigidez e da falta de flexibilidade do trabalho em tempo integral”, disse sobre o fenômeno de pedidos de demissão na pandemia.
Lazer, que é jornalista e trabalha como freelancer, disse que, nos últimos dois anos, pesquisou como os trabalhadores se sentem em relação a todos esses cortes, especialmente após os cortes do Google, do Twitter e da Meta no ano passado.
“Houve uma onda de raiva nas redes sociais. Muitas pessoas no LinkedIn compartilharam histórias como ‘trabalhei nesta empresa desde sempre, dediquei noites inteiras e, de repente, acordo e meu acesso ao meu e-mail foi desativado’. Isso é algo muito impactante para muitas pessoas, especialmente para nós, millennials, que crescemos na era da tecnologia nos anos 2010 com um idealismo incrível”, disse.
Segundo ele, novas pesquisas com trabalhadores qualificados nos EUA nos últimos dois anos apontam que dois terços estão insatisfeitos com a falta de estabilidade e as promessas que consideram “vazias” do trabalho em tempo integral.
“Curiosamente, isso também se reflete na economia freelancer. Há pesquisas em que 73% afirmam que os cortes os tornaram mais propensos a querer trabalhar como freelancer e dispor de um portfólio de clientes, em vez de trabalhar para um único empregador”, disse o jornalista e autor.
Joe Lazer disse acreditar que a Inteligência Artificial está acelerando essa tendência.
“Acho que estamos em um momento muito interessante, pois há uma mudança de atitude e uma onda que estamos vendo agora acontecer. Acredito que isso vai remodelar drasticamente a forma como pensamos sobre a economia do conhecimento e a economia tecnológica.”
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