Multa de US$ 2 bi para Apple pode ser o início de nova era de cerco às big techs

Nova lei na União Europeia, que entra em vigor nesta quarta, estabelece 22 regras para empresas de tecnologia e pretende reduzir prazos de investigação e ampliar as penas

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Bloomberg Opinion — Mais um dia, mais uma multa regulatória multibilionária da Europa que dificilmente afetará o balanço patrimonial de uma gigante da tecnologia.

Só que, desta vez, a multa de US$ 2 bilhões da Comissão Europeia contra a Apple (AAPL) marca o fim de uma era confusa e o início de uma nova em que os órgãos de defesa da concorrência podem ser mais rápidos e eficientes no policiamento das maiores empresas do Vale do Silício.

A arma secreta é uma nova lei chamada Digital Markets Act (DMA), que entrará em vigor nesta quarta-feira, 6 de março, quando seis empresas designadas como “gatekeepers” terão que cumprir as 22 regras estipuladas.

O caso da Apple é um excelente exemplo de como as coisas mudarão depois desta semana.

A multa de 1,8 bilhão de euros (US$ 2 bilhões) foi aplicada após uma antiga reclamação da Spotify Technology sobre o suposto domínio da App Store da Apple.

Esse valor é apenas uma migalha para a Apple, que faturou US$ 120 bilhões no primeiro trimestre, mas simboliza uma nova abordagem para os órgãos reguladores antitruste da Europa, que já tomam mais medidas contra empresas de tecnologia do que suas contrapartes americanas.

Agora eles podem fazer mais com menos para desafiar o crescente domínio das empresas de tecnologia que valem somadas mais de US$ 10 trilhões, ou mais do que os produtos internos brutos anuais combinados da Alemanha e do Japão.

As atuais capitalizações de mercado das seis empresas “gatekeepers”: a Alphabet (GOOGL) tem US$ 1,65 trilhão, a Amazon (AMZN), US$ 1,86 trilhão, a Apple, US$ 2,69 trilhões, a Meta Platforms (META), US$ 1,28 trilhão, e a Microsoft (MSFT), US$ 3,09 trilhões. A avaliação mais recente da ByteDance, dona do TikTok, foi de US$ 220 bilhões.

O primeiro motivo é a própria lei DMA.

Até agora, a Comissão Europeia passou anos reunindo evidências e provando os efeitos anticompetitivos do comportamento das empresas de tecnologia em seus casos. A reclamação do Spotify contra a Apple foi feita há cinco anos. Outra investigação recente da UE sobre o Google, da Alphabet, levou sete anos.

A legislação europeia diz que só é possível proibir uma conduta se for possível provar, com evidências empíricas, que ela prejudicou o bem-estar do consumidor. O resultado: os processos levam anos e são muito caros.

Mas a DMA oferece uma nova brecha legal. Ela não exige uma análise detalhada de como uma grande empresa causou danos ao consumidor. Portanto, desde que seja possível provar que uma empresa infringiu uma das 22 regras da lei, o dano é presumido. Isso economiza anos de trabalho.

Existem regras contra coisas como a chamada “autopreferência” para impedir que uma empresa como o Google faça com que seus produtos pareçam melhores do que os de seus concorrentes nos resultados de pesquisa, por exemplo, ou a reutilização de dados de pessoas em diferentes plataformas, como entre o Facebook e o WhatsApp, ambos da Meta.

Os infratores das regras serão punidos com multas que podem chegar a 10% de seu faturamento. Pior ainda, eles podem ser proibidos de fazer aquisições.

Uma das diretrizes ecoa a reclamação da UE contra a Apple: ela impediu que outras empresas, como o Spotify, informassem aos usuários sobre assinaturas de preços mais baixos disponíveis fora dos aplicativos para iPhone.

Então, por que a UE seguiu com um caso caro de cinco anos quando poderia ter usado sua nova e brilhante ferramenta, a DMA, em dois dias?

Um dos motivos pode ser simplesmente a falácia dos custos irrecuperáveis de um caso iniciado há muito tempo. Outro pode ser o envio de uma mensagem de que continuará a usar as leis tradicionais de aplicação da lei de defesa da concorrência, mesmo com a abordagem rápida, barata e direta da DMA.

“Tenho minhas dúvidas”, diz Anne Witt, uma acadêmica de antitruste da EDHEC Business School. “Por que você gastaria muito mais dinheiro se você tem essa outra ferramenta?”

A DMA, em outras palavras, é o futuro.

O caso da Apple e a nova lei também destacam uma filosofia regulatória cada vez mais popular na Europa em torno da justiça.

Durante anos, os órgãos reguladores de defesa da concorrência dos EUA e da Europa seguiram a doutrina da Escola de Chicago, que visa apoiar o bem-estar do consumidor por meio de resultados orientados pelo mercado.

De acordo com essa filosofia, muitas das fusões e práticas comerciais que parecem monopolistas também são consideradas benéficas para os consumidores, pois levam a preços supostamente mais baixos e ao aumento da inovação. Em outras palavras, se o Facebook for livre e inovador, não haverá danos.

Os órgãos reguladores europeus perceberam como essa abordagem é irrelevante nos mercados digitais atuais. “De repente, a ‘justiça’ está voltando à tona na Europa”, diz Witt.

A Comissão Europeia disse na segunda-feira (4) que grande parte do dano que a Apple causou aos consumidores foi um “prejuízo não monetário na forma de uma experiência de usuário degradada”. O motivo? O comportamento da empresa equivaleu a “condições comerciais injustas”.

Considere isso uma porta de entrada para a nova era da DMA, que tem a questão da equidade incorporada em suas regras – as palavras “justo”, “equidade” ou “injusto” aparecem na lei 90 vezes, oferecendo uma abordagem mais atualizada e ponderada para as armadilhas econômicas do domínio digital.

Muitas autoridades em Bruxelas, sem dúvida, dirão adeus às longas batalhas judiciais – como a que enfrentam agora com a Apple, que diz que recorrerá da decisão de segunda-feira – e adotarão a estrutura clara do DMA. Mas os riscos continuam.

As regras podem, inadvertidamente, proibir algumas atividades corporativas inovadoras ou competitivas ou deixar passar uma má conduta que não esteja em sua lista de regras.

Ainda assim: “[É] o mais claro que uma lei pode ser”, diz Witt. Qualquer coisa que torne a regulamentação mais transparente e eficaz, bem como mais rápida para acompanhar a tecnologia à medida que ela avança, é um passo na direção certa.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Parmy Olson é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre tecnologia. Já escreveu para o Wall Street Journal e a Forbes e é autora de “We Are Anonymous”.

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