Opinión - Bloomberg

Por que Musk pode estar com a razão em seu processo contra a OpenAI e Sam Altman

Diferentes startups de IA começaram com nobres objetivos de melhorar o mundo, mas com o passar do tempo acabaram capturadas pelos interesses financeiros de big techs

Sam Altman
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — O processo judicial de Elon Musk contra a OpenAI colocou um novo foco na interminável postura humanitária das empresas de Inteligência Artificial (IA).

O bilionário processou a empresa líder mundial em IA e seu CEO, Sam Altman, por violar seu acordo de fundação sobre a criação de sistemas de IA poderosos “para o benefício da humanidade”.

A OpenAI ainda divulga essa missão em seu site, mas Musk está dizendo que não é verdade: “na realidade... a OpenAI foi transformada em uma subsidiária de código fechado da maior empresa de tecnologia do mundo: a Microsoft”, diz a ação judicial, ajuizada em um tribunal de São Francisco na noite da quinta-feira (29).

Musk não está errado.

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Mas, primeiro, tenhamos em mente o motivo pelo qual Musk abriu o processo. O bilionário é notoriamente sensível e conhecido por guardar rancor.

Nos anos que se seguiram ao seu investimento e ao fracasso na compra de uma empresa rival de IA chamada DeepMind, ele falou mal de seu fundador Demis Hassabis. Depois de apoiar a OpenAI, ele tentou comprar a empresa e, quando foi rejeitado, abriu sua própria empresa de IA, chamada X.ai.

É provável que ele não esteja apenas amargurado mas ansioso para dar o troco na OpenAI.

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Mesmo assim, a ação judicial de Musk aponta para um fenômeno desagradável entre as principais empresas de IA do mundo, que começam com promessas de aproveitar o potencial transformador da inteligência artificial para o bem público, mas acabam caindo sob o domínio das gigantes da tecnologia.

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Nesta semana, por exemplo, a Mistral, uma das startups de IA mais promissoras do mundo, parecia destinada a seguir o mesmo padrão.

Com sede em Paris, a Mistral criou modelos de IA quase tão capazes quanto o ChatGPT por uma fração do preço e abriu seu código, o que significa que qualquer pessoa pode usá-los gratuitamente se tiver os recursos de computação.

A empresa, que se orgulha de sua “independência feroz” e de seu “forte compromisso com a IA aberta e portátil” em seu site, chegou a colocar seus modelos em sites de torrent que as pessoas usam para baixar conteúdo pirata.

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Mas o mais recente sistema de IA anunciado na segunda-feira (26) da semana passada agora é de código fechado e está disponível apenas para clientes do serviço de nuvem Azure da Microsoft.

A Microsoft investiu US$ 16 milhões na Mistral, o que não é muito em meio aos US$ 500 milhões que a startup levantou até agora (avaliada em cerca de US$ 2 bilhões), mas é significativo o suficiente para chamar a atenção dos reguladores de defesa da concorrência.

Se eles estão preocupados que esse pequeno investimento possa se transformar em algo maior, é porque foi isso que aconteceu com a OpenAI. O investimento original de US$ 1 bilhão da Microsoft na empresa acabou se transformando em uma participação de 49% de US$ 13 bilhões na empresa. E a capitulação da OpenAI a uma gigante da tecnologia é o cerne da reclamação de Musk.

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Musk fundou a OpenAI com Altman em 2015 para distribuir os benefícios da IA para a humanidade de uma forma transparente, aberta e que ajudaria o mundo a se tornar “mais abundante... a cada ano”, de acordo com Altman.

Mas, com o passar dos anos, a OpenAI se tornou mais sigilosa, sua estrutura corporativa mais complicada (basta ver o número de nomes de empresas listados no processo judicial), e a Microsoft se tornou a clara beneficiária dessa abundância. Os produtos de IA estavam prestes a se tornar “o negócio de US$ 10 bilhões que mais cresce em nossa história”, disse o CFO da Microsoft no ano passado.

A divisão de IA do Google, DeepMind, seguiu um caminho semelhante.

Foi fundada há 14 anos para criar uma IA poderosa que curaria o câncer e acabaria com as mudanças climáticas e, durante anos, seu site dizia em letras garrafais que ela criava IA para “avançar a ciência e beneficiar a humanidade”.

Em seguida, ela se vendeu para o Google em 2015 e, no calor da recente corrida da IA generativa, mudou sua página inicial para divulgar “produtos transformadores” como o Gemini.

As metas de curar doenças e tornar todos mais ricos parecem ter sido ofuscadas por um foco no aprimoramento dos produtos das gigantes da tecnologia que poderiam, ironicamente, deixar muitas pessoas sem trabalho.

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Startups como a Mistral são levadas a essa direção porque a criação de sistemas de IA mais capazes exige enormes quantidades de poder de computação, aos quais somente as maiores empresas de tecnologia do mundo têm acesso constante. Uma porta-voz da Mistral afirmou que sua parceria “não levaria a concessões com a abertura do código”.

Pode-se dizer que esse é um rito de passagem para as startups. Elas se propõem a tornar o mundo um lugar melhor, depois abrem o capital ou são adquiridas e diluem esses ideais.

Mas os riscos são maiores com os sistemas de inteligência artificial que estão sendo incorporados em todas as facetas da vida. Apenas um exemplo: os legisladores britânicos estão usando IA generativa para resumir o feedback que recebem do público.

As ferramentas amplamente usadas para decisões críticas não devem ser controladas por um oligopólio sigiloso. Seria decepcionante se a Mistral acabasse mudando para esse status quo também.

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Se a ação judicial de Musk tiver algum efeito, deverá ser o de forçar as empresas de IA a serem honestas sobre suas intenções à medida que evoluem. Seu processo aponta que Altman criou um conselho sem fins lucrativos na OpenAI que poderia demiti-lo se ele não tentasse mais beneficiar a humanidade. Foi o que fizeram. Depois, Altman voltou e destituiu alguns dos membros da diretoria que o demitiram.

Essa foi uma boa medida para os negócios da OpenAI, mas uma traição aos seus objetivos supostamente benevolentes. Musk estava certo em denunciar seu comportamento.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Parmy Olson é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre tecnologia. Já escreveu para o Wall Street Journal e a Forbes e é autora de “We Are Anonymous”.

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