O Brasil quer que os bilionários paguem mais na luta global contra a pobreza. Para vender a ideia, recrutou um economista francês famoso por descobrir onde os ultra-ricos do mundo escondem o seu dinheiro.
Gabriel Zucman, professor assistente da Universidade da California Berkeley, defendeu uma proposta de um imposto mínimo sobre a riqueza global aos chefes financeiros reunidos em São Paulo para o encontro do G20 nesta semana.
A sua apresentação nesta quinta-feira (29) faz parte da campanha do Brasil para garantir que o evento não seja prejudicado por argumentos sobre a guerra - da Rússia contra a Ucrânia e entre Israel e Hamas - e a política das grandes potências. E que também faça progressos na abordagem de problemas como a desigualdade e as alterações climáticas.
“Há um reconhecimento crescente de que os sistemas fiscais não conseguem tributar adequadamente os super-ricos”, disse Zucman – que ajudou a senadora Elizabeth Warren a desenvolver um plano de imposto sobre a riqueza para sua campanha presidencial nos Estados Unidos em 2020 – em entrevista à Bloomberg News.
“Há também um reconhecimento crescente de que provavelmente a melhor forma de resolver essa situação é por meio da coordenação internacional.”
Os apelos para que os mais ricos do mundo contribuam com uma parcela maior dos seus rendimentos têm crescido cada vez mais desde a crise financeira de 2008, que se seguiu a décadas em que muitos países viram a desigualdade de renda e de riqueza aumentar. Mas tem sido difícil converter o apoio popular em mudanças políticas.
Nos EUA, por exemplo, candidatos democratas como Warren e o senador Bernie Sanders, que apoiaram as ideias de Zucman, foram derrotados nas primárias – e o presidente Joe Biden não conseguiu aprovar os seus planos mais modestos para impostos de renda mais elevados no Congresso.
‘Apenas o começo
É um desafio ainda maior fazê-lo globalmente. O G20 tem desenvolvido planos para novas regras globais em matéria de tributação de corporações, mas o progresso tem sido lento. Guilherme Mello, secretário de política econômica do Ministério da Fazenda do Brasil, reconhece que esta semana é apenas o começo.
“Esperamos construir um consenso em torno da necessidade de iniciar uma agenda” sobre a tributação dos super-ricos, disse ele entrevista. A participação de Zucman faz parte do esforço para dar continuidade ao debate, e suas ideias específicas não têm necessariamente o apoio do Brasil, disse Mello.
No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede impostos mais rígidos sobre os que ganham mais para reduzir déficits orçamentários e financiar programas sociais que ajudem a diminuir a enorme disparidade de riqueza do país. Os legisladores aprovaram no ano passado novas taxas sobre fundos offshore.
Fazer com que os bilionários paguem a sua parte é necessário para “a construção de um mundo mais justo”, disse o Ministro da Fazenda Fernando Haddad – responsável pelo convite de Zucman – na reunião esta semana.
O economista de 37 anos descreve seu plano como uma espécie de “complemento” ao imposto sobre o rendimento: uma taxa que mede o total de ativos, dado que grande parte da renda dos multimilionários provém de fontes não tributáveis.
“A noção é que a renda não está bem definida para os super-ricos, mas a riqueza está”, disse Zucman.
‘Completamente Utópico’
Um protegido de Thomas Piketty, Zucman ganhou elogios por revelar trilhões de dólares armazenados em contas offshore e usar conjuntos de dados exclusivos, como os “Panama Papers” vazados.
Sua apresentação na quinta-feira foi baseada em um imposto mínimo global de 2% sobre os bilionários. De acordo com seu think tank, o EU Tax Observatory, essa taxa poderia arrecadar cerca de US$ 250 bilhões por ano em todo o mundo. Zucman reconhece que a proposta não é fácil e disse que o objetivo é “iniciar a conversa” sobre um processo que pode levar anos para ser implementado.
Ainda assim, ele disse estar esperançoso e apontou algumas vitórias fiscais do G20 nos últimos anos. O grupo que reúne 20 das maiores economias do mundo concordou em combater o sigilo bancário, com partilha automática de informações de contas entre instituições financeiras e autoridades fiscais.
Em 2021, endossou uma taxa mínima global de imposto sobre as sociedades de 15%, que já foi assinada por mais de 140 países.
“Foi considerada uma ideia completamente utópica”, disse Zucman. “E agora está acontecendo.”
- Com a colaboração de Martha Beck.
Veja mais em bloomberg.com
Leia também
G20: declaração preliminar de reunião em SP fala em ‘pouso suave’ da economia global
PIB brasileiro surpreende, mas cresce sem avanço estrutural, aponta BNP Paribas
Reforma tributária é aprovada pela Câmara. Veja as principais mudanças
©2024 Bloomberg L.P.
©2024 Bloomberg L.P.