Shein não terá vida mais fácil se preferir um IPO em Londres em vez de NY

Varejista de origem chinesa enfrentará um escrutínio rigoroso de investidores, analistas e da imprensa britânica sobre seus métodos de produção e pagamento a trabalhadores

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Bloomberg Opinion — A Shein estuda mudar sua oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) de Nova York para Londres devido aos obstáculos de listagem nos Estados Unidos. Mas o processo não será tão fácil em Londres. Mesmo que convença os acionistas a apoiarem o negócio, ela enfrentará o escrutínio de investidores, analistas e da imprensa britânica obcecada por nomes de reconhecimento imediato entre o público.

A Shein, fundada na China, mas com sede em Singapura, está nos estágios iniciais de exploração da opção de Londres em meio à preocupação de que a Securities and Exchange Commission dos EUA (órgão semelhante à CVM no Brasil) não aprovará o IPO devido às tensões comerciais e geopolíticas entre os EUA e a China, segundo informou a Bloomberg News.

Certamente, há vantagens em se listar em Londres. Dada a escala do possível IPO da Shein – foi inicialmente cogitado um valuation de até US$ 90 bilhões –, ela atingirá muitos dos investidores internacionais que também comprariam ações da empresa em Nova York.

Há um profundo conhecimento de varejo entre investidores e analistas europeus. A Inditex, dona da Zara, e a H&M serão listadas em breve, ao passo que as rivais britânicas Asos e Boohoo Group negociam no mercado de Londres. As empresas de consumo não estão na mesma posição que as de tecnologia, que podem argumentar que os EUA têm gestores e analistas de portfólio mais bem informados.

Embora a Shein não divida suas vendas geograficamente, os EUA são seu maior mercado, mas o Reino Unido está se tornando cada vez mais importante depois que a empresa comprou a varejista online Missguided do Frasers Group no segundo semestre de 2023.

Negociar as ações em Londres também pode ajudar a empresa a evitar a tensão entre os EUA e a China, principalmente se Donald Trump for eleito presidente em novembro.

Mas o conhecimento de varejo da Europa colocará o modelo de negócios da Shein sob o microscópio. A empresa normalmente testa o mercado com 100 a 200 peças de vestuário e aumenta a produção daquelas que se mostram populares em sua rede de fornecedores, principalmente na China. Isso permite que a empresa se adapte rapidamente às tendências e ofereça preços baixos.

A Shein argumenta que essa estratégia ajuda a reduzir o desperdício – o estoque indesejado está em um percentual baixo de um dígito, em comparação com a média do setor de cerca de 20%. A empresa está expandindo suas fábricas para além da China, com produção no Brasil, no México e na Turquia, e também estabeleceu para si mesma uma ampla gama de metas ambientais.

Mas, com a maioria de suas peças de vestuário fabricadas na China e seus preços baixos alimentando o consumo de moda descartável, investidores e analistas podem muito bem questionar a transparência de sua fabricação e seu impacto no planeta.

Em 2022, a empresa se comprometeu a investir US$ 15 milhões na modernização de centenas de fábricas depois que uma investigação descobriu que dois dos armazéns de seus fornecedores estavam desrespeitando as normas locais de jornada de trabalho.

Um exemplo de como a comunidade financeira de Londres aborda a cobertura é o da THG. Em 2021, a The Analyst, uma empresa de pesquisa independente, questionou o valuation de uma divisão que prestava serviços na web para outros grupos de consumidores.

Em contraste, a Farfetch, listada em Nova York, que, assim como a THG, tinha um CEO fundador e acionista significativo, recebeu muito menos atenção à medida que se expandia além de seu negócio principal de conectar compradores de alto nível com butiques. A THG se recuperou um pouco, ao passo que a Farfetch foi vendida para a empresa sul-coreana de comércio eletrônico Coupang em dezembro.

Enquanto isso, a imprensa britânica revelou práticas de trabalho questionáveis em dois dos varejistas do país: Frasers Group e Boohoo.

Quando a Frasers era conhecida como Sports Direct, uma investigação do Guardian em 2015 descobriu que os trabalhadores na verdade recebiam menos que o salário mínimo.

Em 2020, as ações da Boohoo despencaram após uma reportagem do Sunday Times sobre as más condições de trabalho em uma fábrica que o jornal descreveu como fornecedora da Boohoo.

Posteriormente, uma análise independente encomendada pela empresa constatou problemas inaceitáveis em sua base de produção no Reino Unido, embora tenha isentado a empresa de qualquer envolvimento direto. Ambos os casos chamaram posteriormente a atenção dos legisladores.

Se a Shein for listada no Reino Unido, deverá garantir que sua cadeia de suprimentos – na China e em outros lugares – opere de acordo com os mais altos padrões e que seu plano ambiental reduza impacto de sua moda barata.

Londres pode estar desesperada por uma grande listagem, mas seus investidores têm padrões.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Andrea Felsted é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre os setores de varejo e bens de consumo. Anteriormente, escrevia para o Financial Times.

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