Buenos Aires — O Mercado Livre (MELI), a segunda empresa com maior valor de mercado na América Latina, superou praticamente todas as expectativas dos analistas ao divulgar seu balanço anual correspondente a 2023 nesta quinta-feira (22) depois do fechamento da bolsa.
Depois de divulgar um lucro líquido que ultrapassou pela primeira vez a marca de US$ 1 bilhão, mais que o dobro em relação a 2022, o diretor de Relações com Investidores da empresa, o inglês Richard Cathcart, disse em entrevista à Bloomberg Línea que, embora não forneçam guidance, “estamos começando 2024 com um impulso muito forte”.
O executivo disse que a empresa co-fundada e liderada por Marcos Galperin está acelerando novamente os negócios do Mercado Crédito, enquanto prevê que um ambiente de taxas mais baixas no Brasil impulsionará a receita da plataforma de e-commerce.
Ele disse que o uso de serviços cripto no Mercado Pago cresceu 20% e contou que o Mercado Livre vendeu sua própria posição em bitcoin no início de 2023. A empresa havia adquirido US$ 7,8 milhões do criptoativo para incluir em seu balanço no primeiro trimestre de 2021.
A entrevista abaixo foi editada por motivos de extensão e clareza.
O que permitiu a expansão das margens e de market share do Mercado Livre em 2023? O colapso da Americanas no Brasil teve algum papel?
Sim, isso ajudou, mas acredito que estávamos muito bem preparados para lidar com esse volume. E que também ganhamos participação de outros varejistas. E a razão para isso é a nossa experiência do usuário e a nossa proposta de valor. E o que escrevemos em nossa carta aos acionistas é que não há “balas de prata” aqui.
Estamos vendo o impacto poderoso de vários anos de investimento em tecnologia que se acumularam. E, assim, estamos vendo que mais compradores e vendedores vêm para o Mercado Livre.
Há uma equação interessante porque continuamos a crescer em um ritmo realmente rápido. O crescimento da receita no quarto trimestre foi de 42% ano a ano. Portanto, estamos crescendo, o que está gerando mais escala. Também estamos sendo eficientes com nossos custos operacionais. Não estamos cortando nada, mas simplesmente estamos sendo eficientes. E, quando você junta tudo isso, crescimento, escala e eficiência, isso gera alavancagem operacional.
Grande parte da expansão da margem é um reflexo do fato de que a empresa está em novos níveis de escala. E isso nos permite diluir custos à medida que continuamos a crescer.
O aumento da receita no último trimestre de 2023 foi maior do que o percentual de crescimento no ano. Isso pode ser interpretado como um sinal positivo para as receitas em 2024?
Não fornecemos guidance, mas o que posso dizer é que estamos começando 2024 com um impulso muito forte. A taxa de crescimento do quarto trimestre foi maior do que no resto do ano. Achamos que será positivo para nós em 2024.
Haverá alguma mudança no foco do investimento do Mercado Livre em 2024, ou modificações na estratégia geral?
Não. Temos uma estratégia de longo prazo. A maior parte de nosso investimento vai para tecnologia. Contratamos quase 2.000 engenheiros em 2023. Isso elevou o total para quase 16.000. É muita gente. E, se você olhar para a linha de gastos com desenvolvimento de produtos em nosso demonstrativo de resultados, atingiu US$ 1,8 bilhão em 2023. É aí que colocamos nosso investimento, porque acreditamos que é a tecnologia que cria as vantagens competitivas que temos.
Não anunciamos números específicos. Faremos isso nas próximas semanas, mas continuaremos contratando desenvolvedores neste ano. E é para lá que vai a maior parte de nosso investimento. Também há alguns gastos de capital em nossa rede logística. E isso continuará porque, dado nosso crescimento de volume, especialmente no México, mas também no Brasil, precisamos adicionar nova capacidade apenas para acompanhar o crescimento do negócio. Mas não há mudanças.
Qual o crescimento do portfólio de crédito durante todo o ano de 2023? E com quanto de receita essa unidade contribuiu para a receita total?
O portfólio aumentou 33% ano a ano, e terminamos o ano com uma carteira de quase US$ 3,8 bilhões. E, durante todo o ano, isso gerou receita de US$ 2,5 bilhões.
Vocês avaliam que esse percentual, em relação ao total de suas receitas, pode continuar a crescer no futuro?
Realmente vai depender do trimestre. Se olharmos para o quarto trimestre, o book de crédito cresceu 33% ano a ano, mas o negócio como um todo se expandiu 42%. Passamos por um período em que adotamos uma abordagem um pouco mais cautelosa. Agora estamos acelerando o ritmo de crescimento. E você verá isso refletido, por exemplo, na emissão de cartões de crédito no quarto trimestre no Brasil e no México. E esperamos poder continuar aumentando isso.
Mas, realmente, o crescimento do negócio de crédito é uma função, sabe... há muitas oportunidades, mas também é uma função da gestão de riscos. E olhamos para o risco muito, muito cuidadosamente. E basicamente é a única parte do negócio em que não temos um objetivo de crescimento. Se acreditarmos que precisamos diminuir devido à gestão de riscos, diminuiremos tanto quanto for necessário.
Olhando para as menores taxas de juros esperadas, potencialmente mais em 2025, mas já com um papel em 2024, que impacto esperam ver nas tendências de consumo e de crédito?
No Brasil, acredito que isso deverá ajudar o consumo como um todo, porque a quantidade de dinheiro que as pessoas gastam de suas receitas mensais em serviço da dívida deve diminuir. E isso deverá liberar mais dinheiro para o consumo. Como um dos principais players no consumo no Brasil, isso também deverá ter um impacto positivo em nós.
Não acreditamos que isso necessariamente mude a dinâmica de nosso negócio de crédito, porque temos sido muito cuidadosos na forma como emprestamos para as pessoas. Algumas poucas diferenças percentuais na taxa de juros realmente não fazem muita diferença sobre se as pessoas querem ou não pegar nossos empréstimos.
E então, especificamente no crédito, provavelmente não terá muito impacto. Isso será mais uma decisão interna sobre quanto risco queremos assumir e quanto queremos crescer.
O México é uma história um pouco diferente, porque a penetração de cartões de crédito, por exemplo, é apenas de 20%. O número médio de cartões por adulto no México é a metade. A penetração de crédito no México é muito, muito menor, o que significa que o impacto de taxas de juros mais baixas ou mais altas nos consumidores é menor do que no Brasil, porque simplesmente eles não têm dívidas.
Qual foi o impacto da depreciação do peso argentino em dezembro para o balanço do Mercado Livre?
Há dois elementos. O número um é o balanço. Quando montamos nosso balanço, precisamos reavaliar todos os ativos e passivos para essa nova taxa de câmbio. Isso teve um impacto negativo de US$ 62 milhões no quarto trimestre. A equipe tem feito muito trabalho para administrar nossos ativos e passivos para minimizar isso, para estarmos preparados e minimizarmos essa perda.
Além disso, temos perdas cambiais relacionadas à estratégia de repatriação de dinheiro, pela qual retiramos dinheiro do país à vista com liquidez, que basicamente está mais próximo da outra taxa de câmbio do que a taxa de câmbio oficial. Isso é algo que você verá no demonstrativo de resultados.
E, enquanto houver uma lacuna entre as duas taxas de câmbio, isso continuará. Mas acho que a mensagem geral é que o impacto da depreciação no balanço foi relativamente pequeno. Acho que particularmente se compararmos com o que os investidores esperavam.
O preço do bitcoin tem subido significativamente neste ano. Ainda possuem essa posição em seu balanço? E há alguma perspectiva de que essa posição aumente?
Não temos mais bitcoin em nosso próprio balanço. Mas ainda temos a oferta de criptomoedas na carteira do Mercado Pago no Brasil, no México e no Chile. Portanto, é possível ver criptomoedas como um ativo e como um passivo no balanço. Mas isso simplesmente reflete o fato de que oferecemos comprar, ter e vender para nossos usuários. Mas, por enquanto, não temos nós mesmos.
Quando essa posição foi vendida?
Foi no início do ano passado [em 2023].
Como tem progredido o uso de criptomoedas no Mercado Pago nos países em que está disponível?
A base de usuários do serviço de criptomoedas do Mercado Pago na América Latina cresceu cerca de 20% em 2023. Não revelamos os dados absolutos.
Que leitura fazem do crescimento do Mercado Ads e do Mercado Play?
Nosso negócio de publicidade continua muito bem. No quarto trimestre, o crescimento da receita [nessa frente] foi superior a 70% em taxas de câmbio neutras. Crescemos a esse ritmo muito consistente durante sete trimestres, o que acredito ser um reflexo das melhorias na tecnologia que fizemos durante o ano e também da importância do serviço.
Um dos dados que incluímos na carta aos acionistas é que adicionamos mais 50.000 anunciantes à plataforma em 2023, que usam nossos serviços de publicidade. É um grande número. Muitos deles são vendedores pequenos e médios que usam nossa plataforma de autoatendimento. Portanto, estamos felizes com o fato de vermos esse comprometimento.
E também estamos felizes com o crescimento da receita porque ela acontece com uma margem muito alta. Recentemente também anunciamos que temos mais de um milhão de usuários na plataforma Mercado Play. É uma plataforma gratuita, portanto, não são assinantes, são usuários. Estamos bastante satisfeitos, considerando que foi lançado apenas no meio de 2023.
Leia também
Como o Mercado Livre define novos negócios e o plano como plataforma de mídia
Como saímos da garagem a US$ 14 bi em receita, conta fundador do Mercado Livre
