Fim da primeira classe? Por que a busca por voos sustentáveis pode afetar o serviço

Modelo de negócios das companhias aéreas low-cost, que prioriza a redução de peso para economizar combustível, tem se mostrado mais eficiente nas emissões de carbono

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Bloomberg — Aeronaves lotadas, pouco espaço nos assentos e sem bebidas grátis. Esta parece ser a realidade desconfortável das viagens aéreas globais para cada vez mais passageiros à medida que as companhias aéreas visam a descarbonização - e buscam reduzir seus custos.

As cabines apertadas e o serviço básicos das companhias aéreas low-cost surgiram há meio século, uma reformulação que tornou o voo acessível para as massas. Desde que a Southwest Airlines decolou de Dallas em 1971, dezenas de concorrentes low-cost, incluindo Ryanair, AirAsia e a indiana IndiGo, surgiram para desafiar as companhias aéreas mais caras.

Com as viagens aéreas globais quase completamente recuperadas no período pós-pandemia, ao menos do ponto de vista de demanda, a redução de emissões se torna novamente o principal desafio da indústria. O modelo de negócio de baixo custo e baixa qualidade que democratizou as viagens aéreas nas últimas décadas agora se tornou um improvável modelo para a redução da poluição.

Isso ocorre porque a obsessão das companhias aéreas low-cost em reduzir o peso para economizar combustível – ao instalar assentos ultrafinos, eliminar a classe executiva e dispensar itens pesados como bebidas alcoólicas e cobertores – também melhora as métricas de emissões.

As cinco companhias aéreas do mundo que emitem menos poluentes por passageiro são todas low-cost, segundo dados da empresa de consultoria em redução de carbono Envest Global.

A Wizz Air Holdings, companhia aérea com sede na Hungria que atende principalmente à Europa e ao Oriente Médio, lidera o grupo. Grandes marcas como Delta Air Lines, Cathay Pacific Airways e British Airways, que é de propriedade da holding IAG, emitem quase o dobro de emissões para cada passageiro que transportam, mostram os dados.

É uma notícia ruim para aqueles acostumados a viajar de primeira classe em assentos premium espaçosos. Com um prazo de 2050 para a aviação alcançar a neutralidade de carbono, os dados de emissões sugerem que as companhias aéreas, na verdade, precisam encher mais passageiros em suas aeronaves, dar-lhes menos espaço e reduzir alimentos e bebidas para tornar o voo sustentável.

Outro caminho é ampliar o uso do chamado SAF, o combustível sustentável de aviação, produzido a partir de cana-de-açúcar ou de milho, com volume mais baixo de emissões, mas há um desafio de aumento substancial da oferta para que seja possível fazer a substituição de forma significativa (veja mais abaixo).

“Esse modelo de baixo custo está alinhado com os elementos centrais de uma estratégia de baixo carbono”, disse o CEO da Envest Global, David Wills. “Tudo é projetado para minimizar o custo de combustível por passageiro.”

Se a aviação não passar por uma reforma, ela não alcançará suas metas de redução de emissões até a data limite. Sua participação nas emissões de CO2 deve aumentar para cerca de 22% até 2050, se as emissões não forem reduzidas com rapidez suficiente, ante 2% atualmente.

A indústria da aviação “não está no caminho certo” para atingir sua meta de emissão zero líquida, diz a Agência Internacional de Energia em seu site.

Ameaças iminentes

As companhias aéreas que não tomarem medidas suficientes correm o risco de multas e regulamentações mais rigorosas. As taxas de combustível já estão sendo implementadas na Europa, uma jurisdição que lidera os esforços para tornar os voos mais amigáveis ​​ao meio ambiente.

Os assentos nas seções de classe executiva e primeira classe das aeronaves geram pegadas de carbono maiores para seus ocupantes, porque ocupam mais espaço e são mais pesados ​​do que os leitos da classe econômica.

Por exemplo, um passageiro na classe econômica voando de Hong Kong para Cingapura em um Airbus A350 emitiria 170 quilos de emissões, de acordo com a calculadora de carbono da Associação Internacional de Transporte Aéreo. A mesma viagem em classe executiva gera 682 quilos. Uma viagem em classe econômica premium gera 256 quilos.

Cada passageiro extra que as companhias aéreas conseguem acomodar no avião e cada quilo que conseguem retirar da cabine ajuda a reduzir as emissões de carbono individuais de cada passageiro.

As companhias aéreas de low-cost transformaram essa ciência impiedosa em uma forma de arte.

A Ryanair, em 2009, explorou a ideia de retirar assentos para criar uma cabine em que mais pessoas pudessem ser acomodadas em pé. Antes da pandemia, a companhia aérea low-cost filipina Cebu Air estava movendo cozinhas e banheiros em alguns de seus novos Airbus A330neos para acomodar 460 assentos – um recorde. As companhias aéreas low-cost frequentemente equipam as aeronaves com assentos que não reclinam e sem telas de entretenimento para reduzir o peso dos materiais.

Dois lados da mesma moeda

Pode ser eficiente em termos de consumo de combustível, mas o movimento de voos de baixo custo também impulsionou uma explosão na demanda por viagens aéreas devido aos preços de passagens mais baixos.

As companhias aéreas de baixo custo foram responsáveis ​​por quase 90% do crescimento no consumo de combustível e nas emissões de CO2 das companhias aéreas dos EUA entre 2005 e 2019, de acordo com o Conselho Internacional de Transporte Limpo (CILT).

As melhorias na eficiência de combustível das companhias aéreas de baixo custo simplesmente não conseguiram acompanhar o crescimento de passageiros, disse o Conselho.

A tarefa enfrentada por companhias aéreas, reguladores e governos é aproveitar de forma mais ampla a eficiência de combustível das companhias aéreas de baixo custo e ainda manter o controle sobre as emissões impulsionadas pela demanda, segundo o CILT.

A queima de volumes menores de combustível sujo é crucial porque o plano da indústria da aviação de mudar para combustível sustentável está longe de ser assegurado. A capacidade atual de produção dessa fonte de energia de combustão mais limpa é de apenas 1% das necessidades globais de combustível da aviação, e o número de passageiros deve dobrar para mais de 8 bilhões em duas décadas.

“Como podemos incentivar mais companhias aéreas a adotar medidas de eficiência de companhias aéreas de baixo custo e ao mesmo tempo garantir que as tarifas mais baixas não impulsionem a demanda?”, perguntou Dan Rutherford, diretor de pesquisa do CILT.

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