Por que esta consultoria global está otimista com a retomada de M&As no Brasil

Em entrevista à Bloomberg Línea, Guillermo Garau e Luciano Lindemann, da FTI Consulting, apontam fatores que sustentam a expectativa de mais negócios no país e em LatAm

Vista da Marginal do Rio Pinheiro, em São Paulo: perspectiva de retomada das fusões e aquisições na maior economia da América Latina
16 de Janeiro, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — Depois de um ano mais fraco para o mercado global de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), o Brasil e os demais países da América Latina começaram 2024 com a perspectiva de uma retomada das operações, segundo projeção da empresa global FTI Consulting.

Com a expectativa de redução dos juros ao redor do mundo ao longo de 2024, os países da região estão mais bem posicionados para receber parte dos US$ 2,59 trilhões de fundos de private equity globais que estavam à espera de uma alocação até o início de dezembro, de acordo com a S&P Global Market Intelligence.

“Os investidores querem colocar o dinheiro para rodar. Isso pode levar a um 2024 melhor. O apetite está lá. Agora que a incerteza econômica está mais estabilizada, podemos ver a engrenagem se movimentar outra vez”, disse o mexicano Guillermo Garau, diretor executivo sênior da consultoria que lidera a área de Transações para a América Latina, em entrevista à Bloomberg Línea.

A avaliação é que, com a melhora no horizonte, as empresas de private equity também serão estimuladas a alocar os recursos para evitar serem obrigadas a devolver o capital para os seus investidores, o que seria um cenário menos desejável para essas companhias.

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A redução da incerteza no cenário global - diante do fim do ciclo de aumento do juro - favorece a abertura de uma janela para o mercado em breve, e há uma boa chance de crescimento das operações nos próximos meses, ainda que essa expansão ocorra sobre uma base menor do que a dos últimos anos.

Dados compilados pela Bloomberg indicam que o mercado de fusões e aquisições global teve o seu pior ano em uma década no ano passado, considerando o valor total das operações.

Até o Natal, os negócios somavam US$ 2,7 trilhões, indicando uma queda anual de cerca de 25%. É o menor valor desde 2013, o último ano em que o resultado ficou abaixo de US$ 3 trilhões.

O executivo da FTI comparou a situação atual do mercado de M&A com a reabertura pós-covid, momento em que as pessoas voltaram a consumir e a gastar em massa depois de ficarem meses sem sair de casa.

“Os investidores estão se sentindo da mesma forma. Ficamos enclausurados no último ano, focados nas nossas empresas do portfólio e nas operações delas. Queremos colocar a máquina para funcionar. Não sei se isso vai começar no próximo mês ou nos meses seguintes, mas parece ser um ano mais promissor”, afirmou.

Oportunidades na região

O executivo disse avaliar que a América Latina é um mercado primordial para investidores globais que buscam retornos acima da média.

Segundo ele, o atual estágio das empresas na região oferece maiores oportunidades, pois muitas companhias estão em uma fase de desenvolvimento inferior e precisam de capital para aprimorar sua operação, desde tornar a própria gestão mais profissionalizada até investir em sistemas e tecnologias utilizadas por elas.

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“Na América Latina, existem muitas empresas que ainda não foram institucionalizadas. Se tiverem um investidor institucional ou de private equity, elas podem não apenas investir na equipe de gestão mas também em tecnologia, inteligência artificial etc. Isso é uma vantagem que a América Latina ainda tem”, disse Garau.

Outra característica da América Latina é que existem muitos conglomerados familiares que atuam em diversos segmentos de negócios e hoje buscam focar a operação nas áreas principais e com maior potencial de crescimento.

Segundo ele, isso se traduz em potenciais negócios de desinvestimento. Investidores institucionais podem encontrar oportunidades para comprar unidades e aprimorar a sua gestão para crescer.

Para Luciano Lindemann, também diretor executivo sênior da consultoria e responsável pela responsável pela área de reestruturação de empresas, baseado em São Paulo, o Brasil ainda tem a vantagem de estar mais avançado no ciclo de política monetária por ter iniciado os cortes de juros antes de mercados desenvolvidos, como os Estados Unidos e a Europa.

O Banco Central brasileiro realizou quatro cortes sucessivos de 0,50 ponto percentual na taxa básica de juros em 2023, o primeiro em agosto.

“A inflação começou a retroceder nos países da região antes do que nas economias mais maduras e as taxas de juros já começaram a cair. Provavelmente a janela para IPOs e M&As pode começar um pouco mais cedo do que nesses mercados”, afirmou.

Outro ponto que favorece o Brasil e os países da América Latina é a matriz energética, que tem uma maior participação de fontes de energia renovável do que outras economias. É uma característica que tende a atrair investimentos ESG, segundo ele.

Sinais de retomada

O executivo disse notar que já é possível notar algum movimento de retomada da atividade financeira, seguindo as etapas que normalmente ocorrem em um período de reaquecimento de M&As.

Governos da região começaram a voltar a emitir títulos no mercados e algumas empresas abertas já fizeram ou planejam fazer follow-on, as ofertas subsequentes. O passo seguinte é uma maior atividade de ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês) e operações de M&A.

Entre os países com maior potencial de atrair operações de fusão e aquisição, o Brasil e o México se destacam.

Garau apontou o movimento de nearshoring – isto é, a tendência de as empresas realocarem parte da produção para países mais próximos dos grandes centros consumidores. É algo que tem atraído investimento estrangeiro direto principalmente para o México e pode se traduzir em negócios de M&A no futuro.

No caso do Brasil, Luciano Lindemann disse que o país pode ser beneficiado mais pelo cenário internacional de queda de juros do que pelos fatores domésticos e pelas reformas promovidas pelo governo. O tamanho da economia brasileira também favorece a atração de operações de M&A, na visão dele.

Já a Argentina, terceira economia da região depois de Brasil e México, é um mercado em compasso de espera. Os executivos veem que há um otimismo e esperança com o novo governo de Javier Milei, mas a tendência é a de que os investidores mantenham a postura cautelosa e aguardem os efeitos das novas medidas para avaliar um potencial negócio no país.

-- Atualizada para descrever os cargos dos executivos da FTI de forma mais precisa.

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.