Bloomberg Opinion — As imagens de uma gangue mascarada e armada tomando a equipe de uma emissora como refém desencadearam uma onda de comentários nas redes sociais sobre a preocupante situação do Equador. O país, que há pouco tempo estava entre os mais seguros da América Latina, agora é uma zona de combate, com gangues de narcotraficantes que disputam a autoridade do Estado após anos de deterioração institucional.
Por mais excepcional e aterrorizante que esse episódio possa parecer, ele faz parte de uma realidade que vem se consolidando em toda a região, sem nenhum controle ou solução à vista. Mais de 400 massacres foram registrados no México no ano passado, e 2024 começou com um episódio mortal em que grupos de narcotraficantes supostamente usaram drones em um ataque contra moradores locais.
Mesmo na Argentina, relativamente segura, o novo governador da província de Santa Fé mandou sua família embora do país depois de receber ameaças de morte de grupos criminosos que operam em Rosário, um corredor importante para o tráfico de drogas para a Europa.
Apesar das circunstâncias particulares, o drama do Equador está intrinsecamente ligado ao boom do consumo de cocaína nos Estados Unidos e na Europa, com a maior prevalência do uso e o fornecimento global em níveis recordes. Uma estatística também continua a surpreender: a Colômbia agora planta mais de cinco vezes mais hectares de coca do que nos anos sangrentos de Pablo Escobar, há três décadas.
A crescente demanda global – principalmente nos países ricos, mas também em outros mercados emergentes – é uma das principais razões pelas quais algumas democracias latino-americanas estão sob cerco. Os danos são evidentes não apenas na violência épica e nas zonas de drogas em grandes cidades como São Paulo mas também na explosão migratória da região e na destruição ambiental causada pelo cultivo de drogas.
Depois de décadas em que a abordagem repressiva não apresentou resultados, dezenas de países e cidades e estados dos EUA passaram a descriminalizar o consumo pessoal de drogas pesadas.
Mas com essa alternativa que também enfrenta reações adversas, talvez seja a hora de aproveitar as tendências de consumo consciente que se enraizaram nas nações ricas e usá-las para iluminar os danos reais que o narcotráfico causa em cada estágio da cadeia de suprimentos.
Apesar de todo o foco útil na redução de danos e no tratamento, a retirada dos estigmas sobre as drogas também pode cegar os usuários para o que está por trás da gratificação que eles obtêm.
A dependência de drogas é um problema difícil e intratável, e os dependentes merecem o apoio e a solidariedade da sociedade.
Mas há algo de profundamente cínico na mentalidade dos usuários de drogas recreativas que se comprometem a viver estilos de vida mais sustentáveis e ficam obcecados com a origem dos alimentos que consomem enquanto usam cada vez mais cocaína, opioides e drogas sintéticas.
Durante meus anos de universidade em Londres, eu costumava discutir esse ponto com amigos que eram vegetarianos contra o sofrimento dos animais, mas consumiam drogas socialmente. Hoje, em um mundo em que a reação política a determinados produtos e marcas parece maior, a incapacidade de ligar os pontos é cada vez mais absurda.
Obviamente, nada disso isenta as autoridades do Equador e dos países vizinhos do dever de criar políticas e estratégias sólidas para enfrentar os cartéis, proteger seus cidadãos e fortalecer suas instituições.
Para começar, os líderes latino-americanos devem crescer e parar de tratar as relações internacionais como uma espécie de partida de futebol em que só jogam com os companheiros de seu time ideológico preferido.
Mesmo que o Equador consiga recuperar o controle da situação e voltar a ser o país pacífico que era, outros países sofrerão com a realocação das rotas de tráfico – uma cooperação regional mais profunda é essencial.
Mas a América Latina não terá controle sobre essa epidemia de violência do narcotráfico até que haja maior atenção ao lado da demanda da equação. Isso inclui uma campanha para estimular uma maior conscientização entre os milhões de usuários de cocaína nos EUA e na Europa de que seu consumo, seja ele recreativo ou não, tem um grande custo social para as populações pobres dos países produtores.
Pode parecer ingênuo, mas os esforços de longo prazo para mudar as percepções do público sobre os perigos do tabaco levaram à queda das taxas de tabagismo nos EUA. Um maior foco na cumplicidade das nações consumidoras de cocaína na destruição social causada em cada estágio da cadeia de suprimento de drogas seria um bom primeiro passo na mesma direção.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Juan Pablo Spinetto é colunista de Opinião da Bloomberg e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.
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