Bloomberg Opinion — Quando a Bumble (BMBL) anunciou que sua fundadora, Whitney Wolfe Herd, deixaria o cargo de CEO, os analistas e a imprensa a descreveram como uma “grande visionária”. Sua sucessora, a ex-executiva da Microsoft (MSFT) e da Salesforce (CRM), a brasileira Lidiane Jones, que assumiu o cargo na semana passada, foi chamada de “forte gestora”.
Há muito tempo, essa é a condição do CEO profissional. Ele é o chato executivo “veterano do setor de tecnologia”, enquanto o fundador que ele sucede é o “pensador de alto nível”.
Se serve de consolo para o primeiro grupo, ser chato está atualmente em alta . No último ano, mais ou menos, além do Bumble, várias empresas e startups, incluindo Lyft, Slack, Cruise e Stitch Fix, viram seus fundadores deixar o cago de liderança e dar lugar a executivos “mais experientes”.
Essas saídas fazem parte de um êxodo mais amplo da diretoria nas empresas americanas: um número recorde de CEOs deixou o cargo no ano passado. Parte disso se deve à exaustão.
Nunca foi tão difícil e tão complicado administrar uma empresa devido aos problemas na cadeia de suprimentos, à turbulência geopolítica, à guerra contra o ESG e o capitalismo da “lacração”, aos hábitos de consumo que mudam rapidamente, à disrupção causada por novas tecnologias – como a IA – e a batalha contra o burnout e o desengajamento dos funcionários.
Mas o que chama a atenção nas saídas de CEOs no âmbito das startups é o quanto elas são paradoxais ante uma doutrina antiga do Vale do Silício: em nenhuma circunstância você se livra de um fundador.
Essa prática ganhou força graças à empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, que desenvolveu seus negócios e sua reputação com base na ideia de que os fundadores devem ser CEOs para manter a visão e a missão de suas empresas.
À medida que o período de expansão chega ao fim, os investidores de risco parecem mais dispostos a trocar um pouco menos de visão por um pouco mais de lucro.
A dificuldade não está apenas no fato de que as pessoas que podem atingir esses dois objetivos raramente são as mesmas; está também no fato de que a diferença entre o que é necessário para iniciar uma empresa e o que se precisa para administrá-la nunca foi tão grande.
“O ambiente é muito mais dinâmico, e as habilidades ficam obsoletas mais rapidamente”, disse Christopher Bingham, professor da Kenan-Flagler Business School da Universidade da Carolina do Norte.
Alguns conselhos estão destituindo seus fundadores, como Sam Altman, da OpenAI, que em cinco dias conseguiu recuperar seu emprego. Mas, em muitos casos, os fundadores não estão sendo empurrados, mas optam por sair ao verem um cenário sombrio.
O New York Times informou que mais de 3.000 empresas norte-americanas apoiadas por investidores privados fecharam as portas no ano passado. As fusões e aquisições globais atingiram o nível mais baixo em 10 anos e as IPOs caíram 25% em relação ao ano anterior.
Nunca foi tão difícil levantar capital, e os fundadores enfrentam mais escrutínio de seus conselhos. Realizar os cortes de custos solicitados não é o que eles queriam fazer. “Para alguns líderes, é muito mais divertido ser um CEO em tempos de paz”, disse Christa Quarles, CEO da empresa de software Alludo.
Os dados disponíveis sugerem que a substituição de um fundador nem sempre é algo terrível. Uma análise recente da Economist constatou que, entre 2018 e 2021, as empresas lideradas por fundadores no BVP Nasdaq Emerging Cloud Index superaram em cerca de 50% as que não eram lideradas por fundadores.
Porém, no início de 2022, essa vantagem havia se dissipado. E uma pesquisa preliminar conduzida em parte por Bingham, da UNC, mostra que, embora um fundador-CEO estivesse vinculado a um valuation 10% maior da empresa no IPO, o valor de um fundador no cargo de CEO desapareceu cerca de três anos após a abertura de capital e, na verdade, corroeu o valor da empresa a longo prazo.
“Nossos dados fornecem fortes evidências que sugerem que há um prazo de validade para o fundador-CEO – e é mais curto do que muitos esperam”, escreveram Bingham e seus coautores.
Basta voltarmos algumas décadas para ver como seria a vida se os fundadores não fossem tão intocáveis – vale a leitura do artigo da Harvard Business Review de 2017 do empreendedor em série e professor de Stanford Steve Blank, que examina como o Vale do Silício chegou a um ponto em que os fundadores detêm tanto poder.
Antigamente, para abrir o capital de uma empresa, os principais bancos de investimento exigiam cinco trimestres lucrativos de aumento de receita. Blank escreveu: “Para conseguir isso, as empresas geralmente tinham que ser capazes de vender – não apenas adquirir usuários não pagantes ou criar um aplicativo freemium atraente. Persuadir os clientes a pagar por algo envolvia a criação de um produto estável e a organização de uma equipe de vendas profissional para vendê-lo”.
Os capitalistas de risco substituíam o fundador por um executivo que pudesse tanto atrair investidores institucionais quanto implantar sistemas e processos reais para atingir as métricas. Esse “padrão de demitir o fundador”, como Blank o chama, foi a ordem padrão dos negócios desde a década de 1970 até o início dos anos 2000, quando o volume de capital começou a superar o número de startups nas quais valia a pena investir.
Faz sentido, portanto, que à medida que a lucratividade se torna novamente uma prioridade, a preferência se volte, pelo menos um pouco, ao CEO profissional.
Em seu artigo, Blank recomenda que as empresas considerem a possibilidade de contratar um COO experiente para trabalhar com um jovem fundador, como Sheryl Sandberg fez com Mark Zuckerberg no Facebook. Essa dinâmica, no entanto, tem seus problemas: muitas vezes, as mulheres têm de assumir o papel de adultas enquanto o fundador-CEO do sexo masculino pode ser apenas o “menino genial”.
Em vez disso, um caminho melhor pode ser o que o Bumble está trilhando, em que Herd, em sua nova função de presidente executivo, se concentrará no futuro da marca, enquanto Jones fica com o título de CEO e todas as responsabilidades que vêm com ele.
É uma dinâmica que só funcionará se Herd conseguir ficar fora do caminho de Jones e não se intrometer nos detalhes do dia a dia – uma verdadeira luta para muitos fundadores que permanecem em suas empresas depois de deixarem o cargo de CEO. Mas se alguém tiver a chance de fazer essa dança complicada e delicada, será o fundador de um aplicativo de namoro que sabe um pouco sobre como fazer os relacionamentos funcionarem.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.
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