Bloomberg — Bill Ackman quer que você saiba de uma coisa: ele está apenas começando e não se importa de criar adversários na mídia ou na esquerda. Seus meses de pressão sobre a reitora da Universidade Harvard, Claudine Gay, resultaram em sua renúncia. Agora, o bilionário gestor de fundos hedge diz que pretende usar seu dinheiro e influência qualquer que seja o alvo que escolher.
Item 1: Ensino superior. Item 2: mídia. Item 3: liberdade de expressão. Itens 4, 5, 6: aguardem.
“É isso que eu faço: eu conserto as coisas”, disse Ackman em entrevista à Bloomberg News na quarta-feira (10). “Isso é apenas consertar coisas.”
Ackman, de 57 anos, opinou sobre assuntos delicados por anos. Mas, ao criticar o antissemitismo nas universidades e a forma como os programas de diversidade são conduzidos, ele colocou o dedo na ferida.
Sua campanha persistente contra Claudine Gay - a primeira reitora negra na história de 387 anos de Harvard - provocou a ira de críticos como o reverendo Al Sharpton.
À medida que Ackman ampliou o escopo de sua investida para a mídia na última semana, ele foi alvo de mais sátiras e críticas. O Financial Times produziu um quiz convidando os leitores a adivinharem a fonte de várias citações: Bill Ackman ou o filme Psicopata Americano?
Mas Ackman também recebeu elogios de ativistas conservadores, membros da comunidade judaica e até de Elon Musk. Isso o encorajou a avançar com a mesma combatividade que definiu sua carreira em Wall Street.
Por enquanto, os detalhes sobre a próxima fase de seu plano ainda estão se tornando claros. Na sexta-feira (12), Ackman disse à emissora CNBC que sua ideia seria semelhante a criar um think tank (centros de pesquisas e pensamento que produzem análises sobre determinados temas), mas mais um centro que “pensa e faz” [“think-and-do tank”].
Ao longo de décadas de investimento, Ackman se estabeleceu como árbitro de como as empresas de capital aberto deveriam se comportar. Agora, ele começa a empregar táticas semelhantes para ditar termos muito além do mundo dos negócios.
Após o site Business Insider relatar a ausência de aspas na dissertação de doutorado de sua esposa Neri Oxman no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Ackman voltou sua desaprovação para a empresa controladora da publicação, a Axel Springer (ele também criticou um repórter da Bloomberg News no X por ligar para seus filhos adultos para esta reportagem. Eles não responderam).
Em uma página do Facebook de sua turma de formatura em Harvard em 1988, colegas questionam os motivos de Ackman há meses e expressaram desdém, de acordo com postagens visualizadas pela Bloomberg.
No entanto, Ackman, fiel ao seu estilo, não se importa - porque ele está certo.
“Há uma fila de pessoas que querem falar comigo e tirar uma foto”, disse ele em relação a um casamento recente em que ele esteve com outros ex-alunos de Harvard. “Eles me agradecem: ‘Bill, obrigado por se posicionar. Obrigado por ser uma voz tão importante em assuntos importantes sobre os quais ninguém está disposto a dizer a verdade.’”
No centro das atenções
Está claro que Ackman aprecia seu retorno ao centro das atenções.
Mas por trás da postura pública, sua nova busca foi moldada por um período de agitação pessoal e profissional aguda. Divórcio, um novo casamento, a morte de seu pai e mudanças significativas na gestora que ele criou, a Pershing Square Capital Management, tudo comprimido em um período de cerca de cinco anos.
“Tive uma história recente incrível”, disse Ackman. “Eu estava em um lugar bastante ruim.”
Ackman acumulou uma fortuna de US$ 2,5 bilhões com uma estratégia radical que resultou tanto em grandes vitórias quanto em perdas devastadoras para a Pershing Square, na qual é o CEO.
No ensino superior dos EUA, ele viu um novo alvo, potencialmente mais fácil. Ele pode aplicar parte da mesma estratégia de vendas a descoberto, sem os mesmos riscos. A renúncia de Claudine Gay de Harvard mostrou quão rapidamente uma campanha de pressão como a de Ackman pode escalar.
Alguns membros da comunidade de Harvard dizem que sua opinião representa uma guinada sombria: uma ameaça direta à independência deles, afrontada por um líder disposto a redefinir a relação entre doadores e ensino superior. Ackman doou cerca de US$ 50 milhões para Harvard, principalmente por meio de sua Fundação Pershing Square.
“Se uma universidade acomoda os desejos e diretrizes de todos os seus doadores mais generosos, na verdade, você não tem uma universidade digna de doações generosas”, disse Richard Chait, professor emérito da Escola de Graduação em Educação de Harvard. “Você tem uma universidade que vende sua missão, vende suas prioridades para o maior licitante.”
Ackman disse que, ao contrário de alguns outros grandes doadores, nunca ameaçou parar de doar.
Ponto de inflexão
Pessoas que conhecem Ackman, mesmo seus amigos, concordam que ele adora parecer um especialista. Ele tem a reputação de identificar pontos de inflexão e se ver como o catalisador em momentos de grande mudança.
Ele também tem o hábito de oferecer conselhos, incluindo atualizações pessoais para seu Relatório da Turma de Harvard - ou “livro vermelho”, como é conhecido - publicado a cada cinco anos antes da reunião.
“Meu melhor conselho para lidar com desafios é garantir que você faça um pouco de avanço a cada dia”, escreveu ele na edição de 2018. Seus conselhos para seus colegas de meia-idade incluíam focar na nutrição, exercício (“quanto mais intenso, melhor”) e dormir o suficiente.
Ackman enfrentou seu próprio ponto de inflexão pessoal. Ele e sua esposa casados por mais de duas décadas se separaram em 2016 e depois se divorciaram. Em 2019, ele se casou com Oxman, uma designer americana-israelense. A morte de seu pai Larry, um poderoso empresário do ramo imobiliário, ocorreu em seguida.
Profissionalmente, as coisas não estavam mais fáceis. Ele reconheceu a derrota em sua campanha de mais de cinco anos e com prejuízo contra a empresa de nutrição Herbalife. Ele perdeu US$ 4 bilhões em uma aposta calculada erroneamente na Valeant Pharmaceuticals.
Tempo livre
A vida de investimento de Ackman se tornou muito mais monótona ultimamente.
Ele aboliu grandes e bagunçadas campanhas de venda a descoberto - short selling - em 2022, dizendo aos investidores que adotaria uma abordagem “mais tranquila”.
A carteira da Pershing Square inclui apenas 11 empresas e raramente muda. Embora Ackman permaneça o tomador de decisões final do fundo, ele designou um CIO (head de investimentos).
A estrutura de seu fundo, incomum no mundo dos fundos hedge (equivalentes aos multimercados no Brasil), significa que ele não precisa prestar contas a grandes investidores como um gestor típico teria que fazer.
Do ponto de vista de desempenho, ele está se saindo muito melhor. Desde 2019, a Pershing Square registrou um ganho anualizado de cerca de 32%.
Tudo isso se traduz em menos viagens de trabalho, menos angústia profissional e, talvez, um pouco mais de tempo para postar na rede social X (anteriormente conhecida como Twitter).
Ackman usou a plataforma para escrever sobre Kyle Rittenhouse, que foi absolvido depois de atirar e matar duas pessoas durante protestos por justiça racial em Wisconsin (chamando-o de “patriota de mentalidade cívica”) e sobre o CEO da FTX, Sam Bankman-Fried, antes que o empreendedor de criptomoedas fosse considerado culpado por fraude (Ackman supôs que ele estava “dizendo a verdade”).
Durante a crise dos bancos regionais americanos do ano passado, Ackman especulou que o Bank of America compraria o Signature Bank. Não comprou.
Isso tudo aconteceu antes de ele se voltar para a liderança de Harvard.
Após alegações de plágio aparecerem na mídia conservadora contra a presidente de Harvard, Ackman amplificou as alegações para seu 1 milhão de seguidores.
Ele escreveu que ouviu dizer que Harvard, em sua busca por um reitor, não considerou candidatos que não atendessem aos seus requisitos de diversidade - uma situação que Ackman comparou ao “McCarthismo Parte II”.
O histórico acadêmico de Claudine Gay não foi o único ponto de discórdia de Ackman: ele vinha pressionando Harvard desde que uma coalizão de grupos estudantis publicou uma declaração culpando Israel pelos ataques do Hamas, grupo classificado como terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, em 7 de outubro. Claudine Gay não respondeu a um pedido de comentário para esta reportagem.
Ackman disse que reagiu tão fortemente a essa carta porque isso o fez pensar em seu pai, que antes de morrer enfatizou que a fundação de Ackman precisava fazer mais para combater o antissemitismo.
Embora o órgão governante de Harvard inicialmente tenha apoiado Claudine Gay após o que alguns consideraram uma resposta morna à declaração dos grupos estudantis, as alegações de plágio provaram ser irremediáveis.
“O experimento mental é: se Bill Ackman não existisse, a mesma coisa teria acontecido?” disse Ryan Enos, cientista político e professor de governo em Harvard.
‘Força astuta
Para os ativistas conservadores, o bilionário emerge como uma força astuta para se ter ao seu lado, enquanto procuram desmantelar o que veem como a excessiva influência de um movimento que promove a diversidade racial e a inclusão.
Ilya Shapiro, pesquisador sênior e diretor de estudos constitucionais do Instituto Manhattan, disse que não havia ouvido falar de Ackman antes da invasão de Israel em 7 de outubro. Agora, ele o vê como uma voz crucial.
“As universidades são instituições que não se reformarão por si mesmas”, disse ele. “Tem que haver pressões externas e choques exógenos.”
Outros recebem bem a voz de Ackman, como Archie Gottesman, cofundadora da JewBelong, uma organização sem fins lucrativos que promove a identidade judaica em campanhas em outdoors nos EUA.
“Eu não acho que ser covarde seja atraente”, disse ela. “Eu gostaria que mais pessoas se levantassem como judeus orgulhosos e dissessem o que vão dizer.”
Na esquerda política, a influência crescente de Ackman gerou alarme. O reverendo ativista Al Sharpton, que não foge a uma polêmica, liderou protestos do lado de fora dos escritórios da Pershing Square em Manhattan após a renúncia de Claudine Gay. O grupo erguia placas, gritava em um megafone e entoava “sem justiça, sem paz”.
“Sinto-me decepcionado que eles a tenham como alvo”, disse Gwen Carr, uma ativista que participou do protesto. “É vergonhoso.”
Ackman estava ausente do local, de férias com a esposa na República Dominicana.
Luta contra o plágio
Foi durante essa viagem que seu conflito com o site Business Insider começou.
O veículo investigou o trabalho acadêmico de sua mulher, Neri Oxman, e escreveu que ela tinha “plagiado vários parágrafos” em sua dissertação de doutorado para o MIT, ressaltando como Ackman havia promovido alegações de plágio contra Claudine Gay.
Oxman, ex-professora do MIT, respondeu e disse que tinha “omitido aspas de alguns trabalhos” mencionados em sua tese de 330 páginas, mas em cada caso citou os autores apropriadamente.
Reportagens subsequentes do Business Insider caracterizando o pedido de desculpas de Oxman como uma admissão de plágio levaram Ackman a uma nova cruzada.
Ele acusou o veículo de sensacionalizar o que chamou de alguns erros de escrita (”clerical error”). Ele levou suas objeções não apenas à Axel Springer mas também ao seu controlador de capital privado, o gigante de private equity KKR, divulgando detalhes de suas comunicações ao público.
“Plágio é fraude. Fraude é crime”, escreveu Ackman. “Neri nunca cometeu fraude de qualquer tipo.”
“Eu apoio nossa reportagem e o trabalho que foi feito nela”, escreveu Nicholas Carlson, editor-chefe global do Business Insider, em um e-mail à equipe. “Eu sei que nosso processo foi sólido. Eu sei que as motivações de nossa redação são a verdade e a responsabilidade.”
Adib Sisani, porta-voz da Axel Springer, disse a um jornalista do site Puck que “Bill Ackman está completamente perdendo o controle.”
Tese de 1988
A nova frente não significa que Ackman tenha terminado com sua campanha contra Harvard. Ele pediu que membros do conselho de administração da universidade que apoiaram Claudine Gay renunciem.
De certa forma, seu contínuo desentendimento com sua alma mater remete a tópicos que o preocupavam quando chegou à universidade como estudante de graduação depois de se mudar de Chappaqua, em Nova York: diversidade, antissemitismo e como as faculdades seletivas moldam as camadas superiores da sociedade americana.
Martin Peretz, ex-editor do The New Republic, ensinou Ackman em Harvard e o orientou enquanto ele escrevia sua tese de conclusão, “Scaling the Ivy Wall”. Ackman focou nas práticas de admissão de Harvard, como isso teria excluído estudantes judeus qualificados no início do século 20 e como táticas semelhantes surgiram na avaliação de candidatos asiático-americanos décadas depois.
“Harvard representa a porta de entrada para o status de elite e para ‘conseguir’ na sociedade americana moderna”, escreveu ele.
Décadas depois, Peretz, de 85 anos, permanece próximo de Ackman.
Peretz, uma voz pró-Israel contundente e uma “figura paterna” para Ackman, foi uma das duas pessoas que sugeriram que ele conhecesse Neri Oxman.
Os dois homens ainda jantam regularmente ao redor do Central Park South - Ackman administra o dinheiro de Peretz, e Peretz foi um de seus primeiros investidores. Peretz diz que conversaram cerca de seis ou sete vezes desde o início da guerra entre Israel e o Hamas.
“Ele está mais ocupado do que antes, e isso é dizer muito”, disse Peretz sobre seu ex-aluno em uma entrevista por telefone.
Não faz muito tempo, Peretz passou por sua própria experiência amarga com Harvard, que ele escreveu em suas memórias de 2023, “The Controversialist” (O Controversista).
Manifestantes estudantis o vaiaram quando voltou ao campus para um evento em 2010, pouco depois de publicar um post no blog chamando a vida muçulmana de “barata”. O grupo entoava: “Harvard, Harvard, vergonha para você, honrando um tolo racista.”
“O tolo racista sou eu, aparentemente”, escreveu Peretz.
‘Muito pessoal’
Ackman fez suas próprias peregrinações recentes de volta a Cambridge, cidade que abriga Harvard. Ele voltou para uma exibição de um filme compilado pelas Forças de Defesa de Israel, mostrando imagens explícitas dos ataques do Hamas.
“Foi muito pessoal para ele”, disse o Rabino Hirschy Zarchi, fundador e presidente da Harvard Chabad.
Ackman se levantou para falar para a multidão, contando uma história sobre a decisão de seus pais de deixá-lo assistir a um filme sobre o Holocausto aos 10 ou 11 anos.
Ele relatou o momento em que ouviu as notícias iniciais dos ataques de foguetes em Israel em outubro e evocou seu relacionamento com Oxman.
“Eu só sabia, por mais que estivesse sentindo isso, isso a afetaria de maneira profunda”, disse ele. “Isso nos afetou.”
Para alguns estudantes atuais, a presença de Ackman no campus - e suas opiniões em geral - é frustrante. Um recente artigo de opinião no Harvard Crimson disse que Ackman havia “armado o antissemitismo como uma cortina de fumaça para promover uma agenda política” e criticou suas postagens de “má-fé” nas redes sociais.
Samuel Libenson, estudante de terceiro ano em Harvard que cursa estudos sociais e filosofia, ecoou esse sentimento.
“Eu gostaria que Bill Ackman parasse de falar qualquer coisa sobre Harvard”, disse Libenson. “Existe a impressão de que pessoas inteligentes e bem-sucedidas têm autoridade para falar sobre qualquer coisa”, acrescentou Libenson. “Mas isso não é verdade.”
Ackman pode não ser capaz de se conter.
“Eu sinto uma certa emoção ao apertar ‘publicar’”, disse ele.
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