Bloomberg Opinion — Se você espera ansiosamente pela neve, os invernos recentes foram quase ideais nos Estados Unidos. Mas, na Costa Leste, não houve nenhuma nevasca séria em quase dois anos.
Isso, ao contrário do que muitos pensam, não é bom. Sim, invernos mais quentes e menos tempestades de neve significam menos mortes por frio e menos necessidade de queimar combustíveis fósseis para aquecer as casas. Mas o inverno rigoroso proporciona muitos benefícios para a humanidade, vantagens que estão desaparecendo à medida que o clima muda e o planeta se aquece.
Tempestades de inverno como a ocorrida na região nordeste dos EUA durante o fim de semana continuarão ocorrendo, mas com menos frequência. A tendência de longo prazo, principalmente nas regiões normalmente mais frias dos EUA e de outros países, é a de invernos mais quentes com menos neve.
Por que a neve é importante?
Por um lado, as pessoas pagam um bom dinheiro para brincar nela, gerando bilhões de dólares em atividades econômicas. Seu derretimento fornece água para beber e para a agricultura nos meses de verão, quando ela é mais necessária.
Um inverno frio e com neve mantém os mosquitos e outros insetos perigosos sob controle, além de manter vivas algumas outras plantas e animais. Ele reduz a temporada de pólen para quem sofre de alergias. A neve protege as plantações de inverno, e o frio ajuda as árvores frutíferas e de castanhas.
Enquanto isso, um planeta mais quente significa mais ar-condicionado nas outras estações, compensando parte do benefício de menos aquecimento no inverno.
Ultimamente, a neve está escassa nos EUA.
Com exceção da nevasca que varreu as planícies e a região centro-oeste no fim de 2023, prejudicando as viagens, a maior parte do país tem ficado bem abaixo da média de neve para esta época do ano, de acordo com o National Weather Service. Apenas cerca de um quinto do país estava coberto de neve antes da tempestade deste fim de semana, o nível mais baixo em mais de uma década.
O acúmulo de neve nas montanhas de Sierra Nevada, na Califórnia, que fornece até um terço do suprimento de água do estado, estava próximo de níveis recordes no início de janeiro. As nevascas trouxeram algum alívio, mas apenas aumentaram o volume de neve em todo o estado para cerca de um terço da média para esta época da temporada.
Na região dos Grandes Lagos, a cobertura de gelo na semana passada foi a mais baixa em pelo menos 50 anos. Basicamente não havia gelo nos lagos, em comparação com a média de longo prazo de cerca de 9% de cobertura.
Na região nordeste, as chuvas torrenciais de dezembro causaram inundações e arruinaram os negócios nas estações de esqui.
Embora partes do estado de Nova York tenham sido atingidas por uma forte nevasca no último fim de semana, a tempestade contornou a cidade de Nova York, o que significa que já se passaram 694 dias sem pelo menos dois centímetros de neve, um recorde de seca de neve.
Baltimore, Filadélfia e Washington passaram mais de 700 dias sem neve. Para piorar a situação, Nova York não teve um Natal com neve pelo 14º ano consecutivo, um recorde desde pelo menos a década de 1950.
É claro que ainda estamos apenas no início de janeiro.
Faltam quase dois meses para o fim do inverno “meteorológico”, que começou em 1º de dezembro – esse intervalo representa os meses mais frios, diferentemente do inverno “astronômico”, que depende da posição da Terra em relação ao sol. Há muita neve prevista no curto prazo: o leste dos EUA deva se preparar para outra grande tempestade de chuva no final da semana.
E o clima é sempre caótico.
Os invernos amenos aconteciam muito antes de os seres humanos começarem a alterar o clima por meio da queima de combustíveis fósseis. Os padrões climáticos do El Niño no Pacífico Leste tendem a elevar as temperaturas em grande parte dos EUA.
Com um forte El Niño em andamento no momento, já se esperava que este inverno fosse mais quente em grande parte do Hemisfério Norte, embora ainda seja possível a ocorrência de “vórtices polares”.
Mas consideremos as tendências de longo prazo, e os efeitos de um planeta em aquecimento ficam mais claros.
Em todas as 240 cidades dos EUA estudadas pelo grupo sem fins lucrativos Climate Central, com exceção de sete, as temperaturas médias de inverno aumentaram desde 1970 em uma média de 2°C.
O inverno esquentou mais nas regiões mais frias, com as maiores mudanças ocorrendo na região chamada meio-oeste superior (8,5°C), no nordeste e no Alasca (ambos com 8,3°C). E, na maior parte do país, o inverno está se aquecendo mais rapidamente do que qualquer outra estação.
O efeito que isso tem sobre a queda de neve é complicado.
A água sem gelo nos Grandes Lagos pode fazer com que o centro-oeste sofra com tempestades de neve mais pesadas do tipo “efeito lago”, por exemplo.
Mas, mais uma vez, a tendência nacional geral é a de temporadas de neve mais curtas, menos queda e acúmulo de neve, descongelamento do permafrost do Alasca e um percentual maior de precipitação de inverno que cai como chuva. As pessoas estão começando a reclamar de “solastalgia” – um sofrimento causado a mudanças no ambiente de um indivíduo.
Esse é um problema em todo o Hemisfério Norte.
Os canadenses tiveram um recorde de calor e chuva em dezembro. O Reino Unido, em meio à sua própria tendência de aquecimento de inverno de longo prazo, sofreu fortes chuvas e inundações.
O início de ano anormalmente quente da Europa é “o evento mais extremo já visto na climatologia europeia”, de acordo com um pesquisador (até o próximo evento climático extremo). Pelo menos o inverno quente da Europa significa que ela está queimando menos gás natural para aquecimento, mas o degelo do permafrost da Sibéria está liberando metano e doenças antigas que aquecem o planeta.
No ritmo em que estamos cozinhando o planeta, isso tudo é apenas uma amostra do que está por vir. O melhor a fazer agora é desligar o fogão.
Como é improvável que isso aconteça tão cedo, os cientistas e os formuladores de políticas devem se ocupar com a adaptação aos problemas que a redução dos invernos e da queda de neve trará – os impactos agrícolas, as estações secas mais longas, as pragas resistentes, a escassez de água, a perda de atividade econômica e muito mais. Independentemente de nossos sentimentos sobre a estação no passado, não há dúvida de que sentiremos falta dela quando acabar.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Mark Gongloff é editor e colunista da Bloomberg Opinion e cobre mudança climática. Trabalhou na Fortune.com, no HuffPost e no Wall Street Journal.
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